13 março 2013

O que aprendi na gravidez

Sim, estive desaparecida do blog.
Apagada da minha existência virtual, tão mais confortável e confortante que a frequência do Facebook. Falo dele como um bar de má reputação, mas só me irrita porque é um chorrilho de coisas. Coisas demais, vídeos demais, imagens demais, que me fazem entrar em depressão por não ter tempo, disponibilidade mental e disposição para processar todo aquele overload de informação.

A gravidez também é um overload, uma sobrecarga a que eu tenho vindo lentamente (muiiiiiiito lentamente) a habituar-me.
Depois dos meses em que fiquei chocada com a violência da coisa, e dos meses em que fiquei deprimida com a violência da coisa, chega finalmente, a altura em que eu reúno alguma sabedoria, para partilhar no mundo virtual, para mim e para quem quiser ler.

"Gravidez não é doença"
Não é mas parece! Se me pedirem para explicar este período a alguém vou ter de confessar que gravidez é um cheirinho da terceira idade quando ainda estamos na segunda.
Se nos perguntam como estamos temos sempre um sintoma para nos queixarmos, seja as dores no sacro, os enjoos, as azias, as dores de barriga, os cansaços extenuantes, os sonos eternos, as disposições depressivas, as dores nos seios, enfim. Cada semana uma maleita, que se espera que levemos com um sorriso, porque afinal estamos grávidas e isso é a melhor graça do mundo! Sim, tem realmente muita graça, não contesto.

O andar
As posturas mudam, porque ou mudamos o andar ou as malvadas das dores não aliviam. Eu costumava chegar aos pés flectindo a perna sobre a barriga. Depressa descobri que tenho de flectir a perna para o lado e escanchar a perna toda, ou o meu sacro berra nos entretantos. O mesmo para me baixar: se fletia as pernas e unia os joelhos, agora é ver-me a fazer grand pliés para apanhar um pionés do chão. Não, não tem nada de elegante e gracioso como no ballet. Sinto-me uma pata choca, que já não anda sobre uma linha imaginária (já não ando nos paralelos do passeio, como a mesma naturalidade que o fazia na pedra da calçada), mas sim em DUAS linhas, paralelas, uma para cada pé. Não é gritante, mas eu noto. Noto que tenho de mudar se quero ver a minha vida facilitada. Posso resistir a estas mudanças, mas as dores vão acabar por me convencer do contrário.

A feijoada e afins
Não posso deixar de introduzir este tópico, porque estou a escrever carregada de azia. Como se pequenos balões de ácido subissem pelo esófago e rebentassem em gás na minha garganta: uma coisa maravilhosa!
Sim, a feijoada e tudo o que possa correr o risco de fermentar no meu estômago, tem o dom de criar este fenómeno. Feita parva, estive a fazer roscas (por puro desejo!) e, como é meu hábito, dei umas trincadas na massa crua. Eu adoro massa das roscas crua. Quando a minha avó fazia, ainda andava eu na faculdade, deixava-me sempre uma taça com um bocadinho de massa para eu comer quando chegasse de Lisboa. E que bem que me sabia! Miminhos de avó!
Neste espírito romântico e saudosista, lá fui eu fazer asneiras, que o erro da feijoada já foi há mais de uma semana e nesta semana eu ainda não tinha tido nada para me chatear. Toma lá, que até arrotas a rosca crua!

Os balneários do ginásio
Longe vai o tempo em que eu ia para a ginástica e tomava banho lá. Besungava-me toda de creme, toda nua, sem complexos. Eu não era o protótipo da perfeição, mas sentia-me bem com o meu corpo e vá, todas as minhas reservas adiposas e até as "celulights".
Agora, não só entro de fugida para pousar as minhas coisas, como tenho de me deparar com gajas com uma barriga plana, ou mais plana do que a minha. É uma estupidez fazer estas comparações, porque eu estou GRÁVIDA! Mas o meu cérebro de grávida é assim que pensa. É uma tortura. Toda a gente me parece esbelta, das mais novas às mais velhas, das mais magras às mais gordas. Eu sinto-me uma troglodita a quem o casaco já mal aperta, um leão marinho que entra por ali a dentro, na sua movimentação trôpega, a quem só faltam os bigodes!
  
Os centros comerciais 
Estes locais passaram a ser o meu terror, sobretudo quando entro em lojas de roupa, com música daquela que é suposto fazer-nos sentir sexys e consumistas. E pior, quando damos de cara com pitas que têm uma cintura igual à de uma coxa minha!! Ahhhhhhhhhh!!!! Tirem-me daqui!
Mesmo que a loja não tenha pitas nem música, é um desgosto olhar para a roupa, porque só nos passam 3 pensamentos diferentes em simultâneo ou alternância:
a) a minha barriga não vai caber ali dentro de uns meses;
b) não vale a pena comprar roupa de tamanhos que eu rezo para não voltar a usar;
c) esta roupa não me vai fazer sentir mais bonita, porque eu sinto-me uma baleia!
A grávida não precisa de ser uma baleia, de ter engordado muito ou ter ficado com o seu volume muito alterado. A mais pequena modificação no seu corpo tem o dom de nos pôr a pensar assim, nem precisa de ser muito explícita, nem sequer real!
E é assim que se trocam as lojas de roupa (pelo supracitado) e de decoração (pela canalização de fundos para os gastos da maternidade) pelas lojas e secções de bebés, antros de perdição do mulherio parideiro, e um universo completamente desconhecido para mim.

O mundo desconhecido dos bebés
Eu sabia lá o que era um cueiro, ou a diferença entre um body e um babygro. Eu nem sabia que tínhamos de comprar roupa a pensar na idade e no tamanho do bebé e em consonância com a estação do ano nessa altura.
Há as almofadas de amamentação, os slings, os discos de amamentação, os soutiens de amamentação (que são diferentes dos de gravidez), o muda-fraldas, o saco muda-fraldas, os carrinhos de bebé (com tanta tecnologia que parece que estamos a escolher uma automóvel para comprar!), as toalhas de banho com capuz, os gorros (sabem que os recém-nascidos usam gorros até no verão? Eu não sabia, mas já aprendi!). Mas estúpido, estúpido, é olhar para a montra dos biberões, acessórios e chupetas. Eu ainda não desbastei esta secção como deve ser e sinto-me uma perfeita anormal a tentar destrinçar aqueles produtos todos em busca do melhor na relação qualidade / preço.
Bomba de amamentação: outro dispositivo intrigante. Bomba? Para que quero eu uma bomba? De amamentação? A minha filha devia chegar e eu, no final da mamada, ainda vou dar à bomba? Para quem nunca passou por isto, a ideia é quase arrepiante. What the fuck? Quem se lembrou desta? Mas logo me lembro que estimular os mamilos faz estimular a ocitocina e isso faz contrair o nosso útero em direcção à barriga que tínhamos antigamente. Então venha de lá a bomba, que eu vou bombar até cair.

A barriga é do povo, porque o povo é quem mais ordena!
Não tive muito tempo para me habituar a esta, não tive mesmo tempo nenhum! Assim que sabem que estamos grávidas, as pessoas começam a esfregar a nossa barriga, à espera que saia o génio da lâmpada. Foi constrangedor, mas tão natural e tão frequente que nem tive como resmungar ou revoltar-me. 
É que eu sou daquelas pessoas que gosta de viver numa bolha. Quando os alunos me vêm perguntar alguma coisa e estão quase em cima de mim, a ponto de lhes sentir a respiração,  eu digo logo:
- "Migo, eu tenho uma bolha com 1 metro de raio! Não, é de diâmetro, é de raio!" (todos os momentos são bons para incutir conhecimentos geométricos nas crianças).
E agora a minha bolha ficou reduzida à espessura de uma folha de papel, porque toda a gente quer mexer, sentir e acariciar um volume que para mim tem mais de perturbante do que maravilha da natureza. Já viram a vossa barriga a movimentar-se à superfície da pele? É giro, mas não deixa de ser estranho, sobretudo quando contamos com imaginários de filmes de terror, ou o célebre Alien.
Ainda assim, as pessoas querem mexer, falar, mandar beijinhos e pronto. A minha barriga deixou de ser minha, já não tenho mão nela! Tenho as mãos dos outros!
Claro, que agora encaro com naturalidade, e não me incomoda de todo. Mas quando engravidei, ninguém me tinha avisado! 

O outro lado ao espelho
Nunca na minha vida me apreciei tanto ao espelho... de costas. Há um recordar de um tempo em que nos sentíamos minimamente apetecíveis. Agora, de frente e sobretudo de lado, olhamos para uma pessoa que não somos nós e só quando damos as costas ao espelho, enfim, nos podemos reconhecer um vislumbre de um passado não muito distante.
Reconheço que esta perspectiva não é líquida. A barriga acaricia-se, descobre-se maior a cada dia, desperta-nos a curiosidade do novo ser que encerra naquela pronunciada curva, mas logo pensamos: "Oh meu Deus, como ficarei depois disto?" A sociedade moderna ganha o braço de ferro às normas da natureza, e se antes a gravidez podia ser assustadora porque fazia parte do desconhecido, hoje é assustadora porque em meia dúzia de cliques ficamos a conhecer tudo pelo que vamos passar!

Todas as mães sabem do que falo, mas calaram-se convenientemente para perpetuação da espécie. A gravidez foi uma surpresa, porque toda a gente me vendia a cantiga do "é uma fase tão bonita"; "aproveita bem"; "é a maior felicidade que se pode ter". 
Eu sou uma pessoa muito crua, o que é diferente de ser fria.
Eu gosto de ver as coisas como elas são, e a mim tem-me custado ver esta fase da minha vida como um momento alto. Desde o teste de gravidez, que foi o expoente máximo de felicidade e vitória, veio tudo por aí abaixo. A pessoa perde tudo, os seus hábitos de comer, os seus hábitos de dormir, os seus hábitos de acordar, as suas manias, a sua forma física, a sua memória. Tudo. Andamos à mercê de outro ser humano, e Deus sabe o que eu odeio ser dependente. E aqui estou eu, a levar mais uma lição do que "não comer para não me arrepender". Como se este período me estivesse a ensinar que a minha vida não vai ser a mesma. E não vai.
Eu deixei de ser o centro do meu mundo. E dei lugar a um pequeno ser que deve ter pouco mais que meio kilo. Esperneio, pois claro, que eu sempre fui reclamona, toda a gente sabe. Mas no fundo, nem lamento nem me arrependo, porque este ser é uma coisinha tão especial, que já tem tanto amor e nem sequer está cá fora, que lentamente vou-me despedindo do meu narcisismo típico, de gaja que torra rios de megabytes em fotos em auto-retrato, para passar a ser Mãe.
Digo um adeus de lágrima ao canto do olho, porque eu gostava de mim e da "my self-centered bitch", mas até ela já achava que eu queria estar noutra fase.
Arranjei um novo amor, numa nova forma de amar, sem nada em troca a não ser pontapés. Uma pequena coisa que se quer tanto, e se pensa e planeia e recebe, onde encontramos o máximo expoente da felicidade no acto de dar, ainda que às custas da nossa individualidade. E apesar do sorrisinho triste com que esse pensamento me deixa (ohh, não vou mais ser eu, mas outra diferente do que eu era!), não há arrependimentos, não há hesitações, nem dúvidas.
Há só uma inexplicável ligação, às vezes a uma pequena bolinha do tamanho de uma ervilha, que nos faz fazer tudo (mas mesmo tudo), só para que ela esteja e continue bem.
Nem eu sei porque acontece, ou como, mas assim é, de facto.

21 maio 2012

Lealdade: uma virtude em extinção

Faz hoje uma semana e dez anos que comecei a dar aulas. 
Fiquei colocada num dia 13 de Maio e talvez seja por isso que ainda hoje tenho uma afeição especial pela Nossa Senhora de Fátima: foi uma querida ao dar-me um horário de 10 horas, quando ainda estava a terminar o curso!

Hoje saí da minha manhã de rastos. Eu não ando bem, mas o ensino cada vez mais me desgosta, cada vez mais me desilude, tudo porque o meu dia-a-dia já é mais tortura do que desafio.

Eu gosto de desafios, mas não gosto de ser maltratada. Não gosto, sobretudo, que façam aquilo que eu não tenho coragem de fazer a ninguém. Há um dever do aluno (creio que também tem paralelo nos dos professores) que reza qualquer coisa do género: "Ser leal para com colegas e professores."
Leal...

O que é ser leal? Não sinto que os novos alunos sejam leais ou tenham sido leais comigo. Vou ver ao dicionário: pode ser que eu nem saiba bem o significado desta palavra.

Fidelidade, sinceridade e dedicação.

Devo ter visto mal. Estarei a confundir-me? Seria este um dever dos professores? Sim, eu revejo-me nestas máximas em relação aos meus alunos, aos meus colegas e à escola. Visto a camisola, mesmo quando ela é grossa e fazem 40ºC. Dedico-me, sem que ninguém mo peça, sem que faça parte do meu contrato, a despender mais tempo, mais horas, mais preocupações com os meus alunos e os seus dramas, apenas porque acho que isso é o que é correto fazer. Seria um ser abominável se não o fizesse, pois estar lá bem depois da hora, ou vir para casa ruminar em estratégias para pôr os alunos nos eixos, é, na minha cabeça, a única maneira se ser profissional naquilo que faço.

Obviamente, não tenho filhos.
Ainda assim o André reclama: "deixa lá a escola, deixa o trabalho dentro do portão."
Eu calo-me, tento pôr a coisa em prática, mas daí a nada estou a pensar no mesmo.
 Não é a dificuldade, o desafio abismal entre o que devia ser um aluno e o que eles realmente são, não é nada disso que me deixa assim. Os desafios fazer parte do meu trabalho e do trabalho de toda a gente, e se assim não fosse era o tédio total. 
Infelizmente, e porque já fez dez anos, não de prática, mas de tortura dedicada ao ensino (que não estar colocada é outro grande dilema), custa-me muito o modo como sou tratada na escola, por todos, e a toda a hora.

Sentimo-nos um lixo. 
Somos um lixo.
Não importa o que estudei, o que posso saber, o que me esforço, o que consegui atingir, os conflitos que resolvi, os alunos que tirei do abandono, nada importa, pois eu sou uma contratada. Há sempre alguém mais experiente no quadro, ou no círculo de interesses, que colhe todos os elogios e se passeia com os louros. Mas pior, que isto até não é nada, que com isto vivia eu bem, é sentir que vivo no meio da mediocridade, e que aquilo que devia ser um espaço supremo de saber é no fundo um espaço de, no máximo, chico-espertice. A escola é a grande metáfora do nosso país, e se já o temos entregue à Troika, a quem iremos nós entregar a escola?

Sinto-me profundamente desaproveitada, desrespeitada, desvalorizada, gozada, abusada, chocada, desiludida. E os dez anos pesam... Começamos a pensar estatisticamente:
- se estão a gozar com a minha cara nas aulas é porque eu devo ser uma palhaça;
- se sou corrida no final do contrato é porque não devo ser suficientemente boa;
- se não sou valorizada pelo meu trabalho, é porque não o faço bem.

A minha vida profissional dá-me uma série de certezas muito pouco saudáveis, encimadas pela supracitada "eu sou um lixo".
Depois disso vem o "quero mudar de vida", seguido de "és uma fraca e desistente", passando pelo "mas eu não sei fazer mais nada", com a constatação do "eu gosto é de ensinar", rapidamente corrigida pelo "mas não assim", explorada no "não quero que os alunos tentem fazer-me de parva como fazem aos seus pais". É um insulto à minha inteligência e à minha integridade, e é aqui que tenho aquela certeza e regresso ao início:
"Sou um lixo".
 Todos poderão achar as minhas palavras lamechas e choninhas, mas todos os professores sabem, com certeza, do que falo.
 Já há alguns anos que me debato com condições de saúde próprias dos tempos modernos: a ansiedade e a depressão. Ultimamente tenho revisto toda a minha vida em busca de uma razão suficientemente forte para estar assim: arranjam-se as mortes, os fracassos no mestrado e tudo justifica esta tristeza que trago comigo, a quem dei boleia e parece nunca mais querer sair do carro.
Mas depois da manhã de hoje, onde apesar de todos os meus insistentes avisos, vi os meninos a esticarem a corda mais do que deviam, e a minha paciência também, apercebo-me que esta passageira indevida andará sempre comigo, se as coisas não mudarem, ou se eu não mudar.
 Não é normal eu sentir-me um lixo, pensar na morte dos outros e na minha, antecipando já os meus próximos desgostos ao primeiro espirro dos meus entes queridos. Tenho vergonha de me sentir tão mal e não ter nada de mal para mostrar aos outros como causa e talvez seja por isso que me esforço tanto por me mostrar alegre, porque nem eu compreendo donde vem este desalento.
Hoje, depois de uma manhã com três 7ºs anos bem recheados, chamei-me de parva vezes sem conta, por ter subestimado o poder que esta profissão tem para nos deitar por terra.
Tudo o que é o ensino nos dias de hoje só me faz ter ainda mais saudades, e lamentar ainda mais, pela perda daqueles que eu amava e que me amavam incondicionalmente.
 E todos os dias me levanto para ser enxovalhada, desrespeitada, já colhendo muito pouco daquilo que me levou a ser professora. 
Já tive dias em que não consegui conter as lágrimas e ainda nem tinha passado o portão da escola para fora.
A foto mostra um dia em que chorei por me sentir um lixo, porque tinha sido tratada como tal. Foi no dia 2 de Março. Deixei cair umas lágrimas, rebeldes, que não me obedeceram, e para me ver ao espelho e saber o estado da desgraça, decidi auto-retratar-me com o telemóvel neste momento atormentado. A minha expressão é consternada e chocou-me na altura, como se eu visse o que até aí só podia sentir.
Decidi guardar esta foto... uma estupidez, nem sei porquê. Guardamos fotos nossas a sorrir e eu guardei esta depois de ter feito de tudo para não evidenciar as lágrimas que, teimosas, corriam pela minha cara abaixo.
Guardei-a talvez para me lembrar, para ter bem presente, o quanto o ensino (no seu sentido mais lato de ser professora e diretora de turma numa escola pública, com tudo o que isso pode implicar) já me destratou, já me magoou e já me fez chorar.

Neste ambiente, e a tirar fotos em que simplesmente não nos reconhecemos a nós próprios, é difícil recordarmos uma boa qualidade nossa, um bom motivo para gostarem ou gostarmos de nós. É difícil enumerar as razões pelas quais somos um ser humano excepcional. É difícil acreditar que conseguimos ultrapassar obstáculos, e vencer metas que antes eram fáceis. É difícil levarmos uma vida funcional sem ter de recorrer a medicamentos, vitaminas do complexo B e bananas.
É difícil.
Mesmo com tudo de bom que acontece e está presente na minha vida, mas simplesmente não chega para me secar as lágrimas ou tirar-me a vergonha de cima.

Hoje foi outro dia mau, no dia em que ser aluna no mestrado remendou o estragos de ser professora na escola.

08 maio 2012

The blues... still

Não foi a primeira vez que abri a sessão no blogger para desabafar e não o fiz. Não que me faltasse o motivo. Não que me faltasse a vontade.
Nem sei bem o que foi... mas não encontrei a imagem certa e eu odeio posts sem imagens.


Caminho ainda sobre águas azuis, daquelas em que me afundo. Tudo à volta parece estar bonito e perfeito e eu vivo numa luta diária para me manter à tona.
O André dizia-me ontem: "Há dias maus e dias bons. Hoje é um dia mau, mas vai passar."
Sim, foi um dia mau.

Não consigo sequer destrinçar o nó que a minha cabeça deu, e já lá vai algum tempo, mas dou-me ao trabalho de testemunhar as (vãs) tentativas que faço para diminuir esta rodilha.

Falemos do Pedrito de Portugal. Sim, que é mais fácil falar dos outros por nós.
Anteontem assisti a uma reportagem do Pedrito. O Pedrito já não é um menino, mas ainda tem a figura franzina e o olhar brilhante dos miúdos. Dizia o Pedrito na televisão que havia perdido todos os seus pilares e que não sabia como havia conseguido continuar em frente sem eles. Enumerou as pessoas importantes para ele e quando se comoveu... eu comovi-me com ele.
Há desgostos de que recuperamos melhor do que outros. 
Já houve tristezas que escondi para todos e fingi-me feliz durante anos, chorando só às escondidas.
Já houve tristezas que me fizeram chorar todas as noites sem exceção e andar de preto da cabeça aos pés, sem que isso me causasse algum constrangimento.
Já houve tristezas que eu pensei que nunca mais iam passar e passaram, mais depressa que esta que trago comigo.

Não sei que tristeza é esta, que nem consigo chorá-la com lágrimas gordas e seguidas. Não lhe consigo fazer o luto, tal é a aversão que tenho a vestir um par de calças pretas, sequer.
Não sei o que é isto, mas é com "isto" que ando todos os dias.

E se os desgostos por que passei passei-os sempre de sorriso estampado nas ventas, é natural que seja essa a única forma que conheço de ultrapassar um desgosto - a sorrir, para os outros, o tempo todo, para ninguém ter dúvidas.

É natural, por isso, que ninguém suponha como me sinto, como estou abalada, como eu, aquela doida que solta piadas ao minuto, tenha (muitos) dias maus. Esses deixo para mim, para ninguém ver ou saber que me consigo deixar chegar tão baixo.
Outras vezes, como esta, perco os pudores, e escarrapacho como o Pedrito na TV, as minhas mazelas e as cornadas que a vida me tem dado.

E apesar de arranjar coragem para vir chorar aqui os meus dias maus, odeio-os e estou pelos cabelos com eles. Fico frustrada de não dar a volta por cima tão depressa, ou tão bem, quanto queria. Odeio sentir-me impotente e, de quando em quando, ser colhida por este comboio de preocupações, tristezas, desilusões...

I hope this old train breaks down
Then I could take a walk around
And, see what there is to see
And time is just a melody
All the people in the street
Walk as fast as their feet can take them
I just roll through town
And though my windows got a view
The frame I'm looking through
Seems to have no concern for now
So for now

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown

This engine screams out loud
Centipede gonna crawl westbound
So I don't even make a sound
Cause it's gonna sting me when I leave this town
All the people in the street
That I'll never get to meet
If these tracks don't bend somehow
And I got no time
That I got to get to
Where I don't need to be
So I

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I wanna break on down
But I cant stop now
Let me break on down

But you cant stop nothing
If you got no control
Of the thoughts in your mind
That you kept in, you know
You don't know nothing
But you don't need to know
The wisdoms in the trees
Not the glass windows
You cant stop wishing
If you don't let go
But things that you find
And you lose, and you know
You keep on rolling
Put the moment on hold
The frames too bright
So put the blinds down low

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I wanna break on down
But I cant stop now

Jack Johnson, Breakdown

08 julho 2011

Histórias do dia-a-dia

[28 de Junho de 2011]

Hoje sonhei, pela segunda vez, que era o dia do meu casamento e tinha acontecido algo de drástico com o meu vestido. Desta vez não havia vestido. Como podia haver, se a primeira prova só vai ser em Agosto? O meu inconsciente lá se lembrou que hoje ainda não era 24 de Setembro, mas ainda assim aquela angústia manteve-se nas primeiras horas da minha manhã.

Já larguei os comprimidos, aqueles que me apertavam as entranhas 24 horas por dia. Fui ao médico e disse-lhe: "acho que preferia estar deprimida do que estar ansiosa". Pelo menos estava sossegada.
Ele deu-me uma nova marca de comprimidos dos antidepressivos e outra de ansiolíticos, para me aliviar "as borboletas na barriga". As borboletas na barriga são coisas boas, diferentes da agressão interior que eu sentia a toda a hora. Ainda assim pareceu-me bem ter uma caixinha destas pílulas milagrosas, não vá eu entrar em pânico nas vésperas e no dia do casamento.
O que é facto é que sumi com a receita, como quem vai ao médico, ouve o que ele tem para dizer e depois faz só o quer e lhe dá na bolha.
Decidi que queria ter descanso e nos dias após ao abandono dos comprimidos vivi feliz, por cada dia me permitir distender o diafragma sem qualquer vestígio de tensão. Ena pá, que vitória do quotidiano!
Esta pequena alegria alimentou-me durante uma semana e a energia fluiu novamente como se eu fosse de novo eu, aquela rapariga com acção, motivação e determinação. É tão bom saber que estas características não se perderam em mim. Simplesmente, tenho esta tendência para adoecer do humor, algo que é motivado por ideias e emoções, mas que depois desencadeia reacções físicas de entorpecimento do corpo e das vontades.
Olho para trás, na tentativa de ganhar distância dos acontecimentos, e consigo ver que há muitos factores que desencadeiam esta instabilidade:
- comecei o ano com uma pilha de coisas para fazer no mestrado.
- mudei de casa em Janeiro, com todas as tristezas de abandonar uma e toda a trabalheira de pôr a funcionar a outra.
- assisti a mortes consecutivas de pessoas próximas, o que me transtorna sempre e me põe a reflectir sobre o sentido da vida e das perdas.
- acompanhei o meu cão no tortuoso caminho da diminuição de todas as suas capacidades até ao último suspiro.
- revivi a sensação de perder novamente um animal de estimação com a operação cirúrgica da cadela e as respectivas complicações e sustos.
- perdi o rasto ao mestrado com os consequentes sentimentos de culpa.
- estou a organizar o casamento com a energia que o meu corpo me disponibiliza.


Olhando para trás, mais atrás ainda do que este ano lectivo, reconheço que os meus períodos de depressão sucedem épocas de grande desgaste emocional: as chatices que se têm com a escola e a profissão, mas também as chatices que eu tive com a construção da casa. Mais recentemente, foram as chatices com a organização do casamento e a operação e convalescença da cadela.
Tudo mói, tudo desgasta.
Começo a reconhecer o padrão: quando ando enervada, irritada, danada com alguma coisa ou alguém, contestando a forma como se trabalha ou como as coisas estão organizadas, é mais que certo que, daí a uns tempos, esteja a passar por um período de entorpecimento mental, que se alimenta de todas as tristezas circunstanciais da minha vida.


E por isso, tenho-me obrigado a levar a vida menos a sério, como se tudo (este gigantesco circo), fosse de facto uma grande brincadeira. Sem muito para me preocupar, sem nada para me culpar, sem que haja nada de dramático e irremediável para eu antever e prevenir.
Uma brincadeira de verão, onde a despreocupação é o lema do dia.

12 junho 2011

Preguiça, depressão ou mecanismo de defesa?

A comprimidos, novamente, com uma nova substância activa.
Sem efeitos secundários. Apenas esta urgência em fazer passar as 2 ou 3 semanas que eles demoram para começar a fazer efeito.
Tenho andado numa luta comigo para tentar inverter o estado em que me encontro. 
A falta de energia é descomunal. Horas e horas de sono, à noite e à tarde. Uma incontrolável sensação de tristeza e angústia sem uma única razão suficientemente válida. As tarefas que se adiam consecutivamente, os encontros sociais que se evitam, até os mails e os telefonemas ficam por atender.
É muito difícil contrariar a nossa mente e corpo, sobretudo quando estão os dois na mesma equipa: a minha inimiga. É quase como querer acreditar que é de dia, quando há muito que não vemos o sol a brilhar. Ainda assim tenho estado a dizer a mim própria, mesmo que não acredite nem tenha forças para reagir, que é dia.
"- Ana Sofia, já é de dia. Acorda e começa o dia como se fosse de propósito!"
Vou vivendo esta mentira, com algum descaramento, porque eu vejo apenas uma noite prolongada e sombria. 
Estou ansiosa por terminar as actividades lectivas: menos um confronto, menos uma desestabilização da minha estrutura ao gerir os conflitos com os miúdos. Até lá o meu objectivo é fazer o que for preciso, acreditar em mentiras se for o caso, para me pôr de pé.
Digo coisas a mim própria como: tu consegues, ignora o que os outros pensam, esquece a pressão que o mundo te coloca, tu é que geres a tua vida. No fundo, sei que me obrigo a acreditar em mentiras, mas a sobrevivência é mais importante e já nem me ralo se é verdade ou não, desde que isso me ajude a sair deste buraco.

Li num livro que estas reacções que o corpo e mente têm, apesar de nos causarem um grande desconforto físico e emocional, têm sempre como objectivo o nosso bem. O meu corpo manda-me parar, talvez porque não se prevê nada de bom a um carro desgovernado que segue a alta velocidade.
Se eu não aproveitar o buraco em que me encontro, para construir e consertar as minhas próprias fundações, esta depressão, que fiquei a saber ser um agravamento da minha distimia, pode passar a ser crónica e obrigar-me a viver durante muito mais tempo na escuridão.