Ontem eu comecei o dia bem. Fui para a natação às 7h30 da manhã com a Luísa e fui para as aulas. Tinha de marcar os equipamentos na escola para passar uns powerpoints na 2ª feira, e tinha à minha espera um almoço sofisticado e uma tarde bem passada.
No comboio já levava comigo uma dor de cabeça, mas pensei que depois do comprimido tomado, não fizesse mossa no meu dia.
Já na sala de professores fui escrever o sumário do dia anterior que ficou por registar. Foi aí. Foi quando levantei os olhos do livro de ponto que vi, mais do que devia ver. Era uma mancha, com contornos brilhantes e dentro dela eu via tudo esbatido. A mancha não era muito grande, mas era definitivamente perturbadora. Pensei que devia ter estado a fixar o sol pela janela, sem me aperceber, e que passaria.
Dirigi-me à sala de aula e pelo caminho telefonei ao André. Eu estava a ver algo que não existia e a minha primeira opção era entrar em pânico. Comandei a mim própria ficar calma, mas nunca me obedeci. O André prometeu largar o dia de trabalho dele e vir imediatamente buscar-me. Eu hesitei, porque odeio faltar às aulas, e como eram poucas, ainda tentei resistir à perturbação de uma mancha que me toldava a visão.
Entrei na sala, abro o livro de ponto e começo a fixá-lo. Os rabiscos escuros sobre a folha branca escancaram em pleno contraste o quanto eu não estou a ver nessa mancha. A nódoa visual tinha aumentado e eu já só conseguia ler o que fixava em frente. Pensamentos (agora, estúpidos!) como "Meu Deus! Estou a ficar cega!" ou "É castigo por todos os pecados, pensamentos e palavras que cometi nestes 30 anos!" rasgaram o nexo do meu raciocínio e eu fiquei ali, com 15 miúdos à frente, apavorada, a pensar que sairia daquela sala, em braços, e já sem ver o meu caminho.
"- Chamem a funcionária por favor, que eu não me estou a sentir bem." - estava a guardá-lo para o dia em que me rebentassem as águas em plena aula.
Pensei no pior. Pensei em ficar cega, pensei como a minha vida ia ser diferente e difícil. Pensei que eu me deslumbro com tudo o que vejo e que nunca mais poderia ver. Ver papoilas por entre as ervas verdes. Ver o rosmaninho e as giestas em Idanha. Ver o céu nublado e a luz do sol a entrecortar de forma inspiradora as núvens. Pensei em nunca mais conseguir ver o rosto de todos aqueles que amo.
As lágrimas cairam-me, tímidas e gordas, pela cara abaixo.
Podia escrever rios de palavras que só aquelas lágrimas conseguem exprimir o que senti.
Fui acompanhada até à sala de professores, onde me deitei e fechei os olhos. Tinha medo de cada vez que os abria, de ver uma coisa nova e deturpada que eu sabia não estar à minha frente.
O André levou-me dali para o meu oftalmologista, aquele a quem confiei os meus olhos, como o bem mais precioso que tenho. Ele teve a bondade de me atender numa tarde já de si preenchida e complicada. Fez-me os exames normais, pôs-me a olhar para uma folha aos quadradinhos com um ponto no centro e sorriu-me sempre, com aquele ar apaziguador de quem vai tratar de tudo e deixar-me bem. A esta altura, os sintomas visuais já tinham desaparecido, mas o susto não. E muito menos o medo de voltarem.
"- Não tenho dúvida nenhuma de que se trata de uma enxaqueca oftálmica."
A minha cara continuou contorcida até ele dizer que isto não era nada de grave. Devia-se a vasoespasmos, nome que não corresponde a nada de assustador, mas ainda assim, e por ser a primeira vez que me aconteceu, aconselhou-me a fazer um exame neurológico, para excluir qualquer hipótese menos tranquilizante.
Apeteceu-me dar-lhe um beijinho na testa!
Nunca fiquei tão feliz por ter pago 56 euros só para me dizerem: "logo à noite já estará completamente recuperada!"
Saí do consultório, de óculos escuros que a luz do sol é bonita, mas não para quem está com dores de cabeça.
Tudo estava como dantes: eu via com nitidez (ou pelo menos, aquela que é habitual) TODOS os pontos do meu campo visual. Estava feliz.
E apesar de ter faltado às aulas, de não ter marcado os equipamentos, de ter sido obrigada a adiar o meu almoço e a minha tarde de tagarelice, contra todas as minhas vontades, o dia pareceu-me bom.
Bom.
Um dia maravilhoso, à luz do buraco negro em que tinha caído nessa manhã.
17 abril 2009
15 abril 2009
Silêncio de si para si.
Eu sou uma pessoa do silêncio.
Tanto quanto sou uma mulher da cor!
Mete-me espécie os miúdos espernearem para ouvir música na aula, quando eu trabalho bem é no silêncio. Ninguém leve a mal, que eu adoro música. Mas sou uma pessoa tão analítica que gosto de me especializar nas tarefas. Se oiço música, não é para entreter, é para disfrutar a ouvir ou a dançar.
Na minha nova escola não há público-alvo para amizades, muito menos disponível para investimentos a fundo perdido, especialmente com o final do ano já à vista. Dedico-me por isso a disfrutar do silêncio que tanto preciso. Não tenho grandes conversas, nem almoços agendados com colegas. Tenho-me a mim e tenho de me aturar nos tempos livres.
Confirmei a teoria de que eu preciso do silêncio para me restabelecer, e o que qualquer pessoa pode classificar de solidão, para mim é só um espaço e tempo zen.
Estar em silêncio, para mim, é conseguir ouvir-me a pensar, e as parvoeiras que me passam pela cabeça conseguem fazer eco mesmo no meio de um centro comercial, na zona das comidas, em plena hora de ponta. Abstraio-me do burburinho e reflicto sobre mim, a minha vida, donde venho, para onde vou, o futuro, o passado... essas coisas fundamentais do dia-a-dia.
Quando me levanto, de barriga cheia e cabeça vazia, estou como nova. Pronta para atacar a segunda dose de aulas que me leva até ao final da jornada.
A solidão é uma condiçãopara muitos assustadora e, para mim, vital. Gosto de estar no meu canto, de me rever, de ter o meu tempo, e de dar tempo a mim própria. Na realidade, é um privilégio poder disfrutar de tempo de nós para nós. Já não chega ter de me dividir nas esferas da minha vida, como tenho de me dividir pelas pessoas da minha vida e nós acabamos por ficar inevitavelmente no fundo da lista das prioridades.
O silêncio é de ouro.
Talvez seja por isso que eu tenho a sensação permanente de estar a ser roubada...
Tanto quanto sou uma mulher da cor!
Mete-me espécie os miúdos espernearem para ouvir música na aula, quando eu trabalho bem é no silêncio. Ninguém leve a mal, que eu adoro música. Mas sou uma pessoa tão analítica que gosto de me especializar nas tarefas. Se oiço música, não é para entreter, é para disfrutar a ouvir ou a dançar.
Na minha nova escola não há público-alvo para amizades, muito menos disponível para investimentos a fundo perdido, especialmente com o final do ano já à vista. Dedico-me por isso a disfrutar do silêncio que tanto preciso. Não tenho grandes conversas, nem almoços agendados com colegas. Tenho-me a mim e tenho de me aturar nos tempos livres.
Confirmei a teoria de que eu preciso do silêncio para me restabelecer, e o que qualquer pessoa pode classificar de solidão, para mim é só um espaço e tempo zen.
Estar em silêncio, para mim, é conseguir ouvir-me a pensar, e as parvoeiras que me passam pela cabeça conseguem fazer eco mesmo no meio de um centro comercial, na zona das comidas, em plena hora de ponta. Abstraio-me do burburinho e reflicto sobre mim, a minha vida, donde venho, para onde vou, o futuro, o passado... essas coisas fundamentais do dia-a-dia.
Quando me levanto, de barriga cheia e cabeça vazia, estou como nova. Pronta para atacar a segunda dose de aulas que me leva até ao final da jornada.
A solidão é uma condiçãopara muitos assustadora e, para mim, vital. Gosto de estar no meu canto, de me rever, de ter o meu tempo, e de dar tempo a mim própria. Na realidade, é um privilégio poder disfrutar de tempo de nós para nós. Já não chega ter de me dividir nas esferas da minha vida, como tenho de me dividir pelas pessoas da minha vida e nós acabamos por ficar inevitavelmente no fundo da lista das prioridades.
O silêncio é de ouro.
Talvez seja por isso que eu tenho a sensação permanente de estar a ser roubada...