Sim, estive desaparecida do blog.
Apagada da minha existência virtual, tão mais confortável e confortante que a frequência do Facebook. Falo dele como um bar de má reputação, mas só me irrita porque é um chorrilho de coisas. Coisas demais, vídeos demais, imagens demais, que me fazem entrar em depressão por não ter tempo, disponibilidade mental e disposição para processar todo aquele overload de informação.
A gravidez também é um overload, uma sobrecarga a que eu tenho vindo lentamente (muiiiiiiito lentamente) a habituar-me.
Depois dos meses em que fiquei chocada com a violência da coisa, e dos meses em que fiquei deprimida com a violência da coisa, chega finalmente, a altura em que eu reúno alguma sabedoria, para partilhar no mundo virtual, para mim e para quem quiser ler.
"Gravidez não é doença"
Não é mas parece! Se me pedirem para explicar este período a alguém vou ter de confessar que gravidez é um cheirinho da terceira idade quando ainda estamos na segunda.
Se nos perguntam como estamos temos sempre um sintoma para nos queixarmos, seja as dores no sacro, os enjoos, as azias, as dores de barriga, os cansaços extenuantes, os sonos eternos, as disposições depressivas, as dores nos seios, enfim. Cada semana uma maleita, que se espera que levemos com um sorriso, porque afinal estamos grávidas e isso é a melhor graça do mundo! Sim, tem realmente muita graça, não contesto.
O andar
As posturas mudam, porque ou mudamos o andar ou as malvadas das dores não aliviam. Eu costumava chegar aos pés flectindo a perna sobre a barriga. Depressa descobri que tenho de flectir a perna para o lado e escanchar a perna toda, ou o meu sacro berra nos entretantos. O mesmo para me baixar: se fletia as pernas e unia os joelhos, agora é ver-me a fazer grand pliés para apanhar um pionés do chão. Não, não tem nada de elegante e gracioso como no ballet. Sinto-me uma pata choca, que já não anda sobre uma linha imaginária (já não ando nos paralelos do passeio, como a mesma naturalidade que o fazia na pedra da calçada), mas sim em DUAS linhas, paralelas, uma para cada pé. Não é gritante, mas eu noto. Noto que tenho de mudar se quero ver a minha vida facilitada. Posso resistir a estas mudanças, mas as dores vão acabar por me convencer do contrário.
A feijoada e afins
Não posso deixar de introduzir este tópico, porque estou a escrever carregada de azia. Como se pequenos balões de ácido subissem pelo esófago e rebentassem em gás na minha garganta: uma coisa maravilhosa!
Sim, a feijoada e tudo o que possa correr o risco de fermentar no meu estômago, tem o dom de criar este fenómeno. Feita parva, estive a fazer roscas (por puro desejo!) e, como é meu hábito, dei umas trincadas na massa crua. Eu adoro massa das roscas crua. Quando a minha avó fazia, ainda andava eu na faculdade, deixava-me sempre uma taça com um bocadinho de massa para eu comer quando chegasse de Lisboa. E que bem que me sabia! Miminhos de avó!
Neste espírito romântico e saudosista, lá fui eu fazer asneiras, que o erro da feijoada já foi há mais de uma semana e nesta semana eu ainda não tinha tido nada para me chatear. Toma lá, que até arrotas a rosca crua!
Os balneários do ginásio
Longe vai o tempo em que eu ia para a ginástica e tomava banho lá. Besungava-me toda de creme, toda nua, sem complexos. Eu não era o protótipo da perfeição, mas sentia-me bem com o meu corpo e vá, todas as minhas reservas adiposas e até as "celulights".
Agora, não só entro de fugida para pousar as minhas coisas, como tenho de me deparar com gajas com uma barriga plana, ou mais plana do que a minha. É uma estupidez fazer estas comparações, porque eu estou GRÁVIDA! Mas o meu cérebro de grávida é assim que pensa. É uma tortura. Toda a gente me parece esbelta, das mais novas às mais velhas, das mais magras às mais gordas. Eu sinto-me uma troglodita a quem o casaco já mal aperta, um leão marinho que entra por ali a dentro, na sua movimentação trôpega, a quem só faltam os bigodes!
Os centros comerciais
Estes locais passaram a ser o meu terror, sobretudo quando entro em lojas de roupa, com música daquela que é suposto fazer-nos sentir sexys e consumistas. E pior, quando damos de cara com pitas que têm uma cintura igual à de uma coxa minha!! Ahhhhhhhhhh!!!! Tirem-me daqui!
Mesmo que a loja não tenha pitas nem música, é um desgosto olhar para a roupa, porque só nos passam 3 pensamentos diferentes em simultâneo ou alternância:
a) a minha barriga não vai caber ali dentro de uns meses;
b) não vale a pena comprar roupa de tamanhos que eu rezo para não voltar a usar;
c) esta roupa não me vai fazer sentir mais bonita, porque eu sinto-me uma baleia!
A grávida não precisa de ser uma baleia, de ter engordado muito ou ter ficado com o seu volume muito alterado. A mais pequena modificação no seu corpo tem o dom de nos pôr a pensar assim, nem precisa de ser muito explícita, nem sequer real!
E é assim que se trocam as lojas de roupa (pelo supracitado) e de decoração (pela canalização de fundos para os gastos da maternidade) pelas lojas e secções de bebés, antros de perdição do mulherio parideiro, e um universo completamente desconhecido para mim.
O mundo desconhecido dos bebés
Eu sabia lá o que era um cueiro, ou a diferença entre um body e um babygro. Eu nem sabia que tínhamos de comprar roupa a pensar na idade e no tamanho do bebé e em consonância com a estação do ano nessa altura.
Há as almofadas de amamentação, os slings, os discos de amamentação, os soutiens de amamentação (que são diferentes dos de gravidez), o muda-fraldas, o saco muda-fraldas, os carrinhos de bebé (com tanta tecnologia que parece que estamos a escolher uma automóvel para comprar!), as toalhas de banho com capuz, os gorros (sabem que os recém-nascidos usam gorros até no verão? Eu não sabia, mas já aprendi!). Mas estúpido, estúpido, é olhar para a montra dos biberões, acessórios e chupetas. Eu ainda não desbastei esta secção como deve ser e sinto-me uma perfeita anormal a tentar destrinçar aqueles produtos todos em busca do melhor na relação qualidade / preço.
Bomba de amamentação: outro dispositivo intrigante. Bomba? Para que quero eu uma bomba? De amamentação? A minha filha devia chegar e eu, no final da mamada, ainda vou dar à bomba? Para quem nunca passou por isto, a ideia é quase arrepiante. What the fuck? Quem se lembrou desta? Mas logo me lembro que estimular os mamilos faz estimular a ocitocina e isso faz contrair o nosso útero em direcção à barriga que tínhamos antigamente. Então venha de lá a bomba, que eu vou bombar até cair.
A barriga é do povo, porque o povo é quem mais ordena!
Não tive muito tempo para me habituar a esta, não tive mesmo tempo nenhum! Assim que sabem que estamos grávidas, as pessoas começam a esfregar a nossa barriga, à espera que saia o génio da lâmpada. Foi constrangedor, mas tão natural e tão frequente que nem tive como resmungar ou revoltar-me.
É que eu sou daquelas pessoas que gosta de viver numa bolha. Quando os alunos me vêm perguntar alguma coisa e estão quase em cima de mim, a ponto de lhes sentir a respiração, eu digo logo:
- "Migo, eu tenho uma bolha com 1 metro de raio! Não, é de diâmetro, é de raio!" (todos os momentos são bons para incutir conhecimentos geométricos nas crianças).
E agora a minha bolha ficou reduzida à espessura de uma folha de papel, porque toda a gente quer mexer, sentir e acariciar um volume que para mim tem mais de perturbante do que maravilha da natureza. Já viram a vossa barriga a movimentar-se à superfície da pele? É giro, mas não deixa de ser estranho, sobretudo quando contamos com imaginários de filmes de terror, ou o célebre Alien.
Ainda assim, as pessoas querem mexer, falar, mandar beijinhos e pronto. A minha barriga deixou de ser minha, já não tenho mão nela! Tenho as mãos dos outros!
Claro, que agora encaro com naturalidade, e não me incomoda de todo. Mas quando engravidei, ninguém me tinha avisado!
O outro lado ao espelho
Nunca na minha vida me apreciei tanto ao espelho... de costas. Há um recordar de um tempo em que nos sentíamos minimamente apetecíveis. Agora, de frente e sobretudo de lado, olhamos para uma pessoa que não somos nós e só quando damos as costas ao espelho, enfim, nos podemos reconhecer um vislumbre de um passado não muito distante.
Reconheço que esta perspectiva não é líquida. A barriga acaricia-se, descobre-se maior a cada dia, desperta-nos a curiosidade do novo ser que encerra naquela pronunciada curva, mas logo pensamos: "Oh meu Deus, como ficarei depois disto?" A sociedade moderna ganha o braço de ferro às normas da natureza, e se antes a gravidez podia ser assustadora porque fazia parte do desconhecido, hoje é assustadora porque em meia dúzia de cliques ficamos a conhecer tudo pelo que vamos passar!
Todas as mães sabem do que falo, mas calaram-se convenientemente para perpetuação da espécie. A gravidez foi uma surpresa, porque toda a gente me vendia a cantiga do "é uma fase tão bonita"; "aproveita bem"; "é a maior felicidade que se pode ter".
Eu sou uma pessoa muito crua, o que é diferente de ser fria.
Eu gosto de ver as coisas como elas são, e a mim tem-me custado ver esta fase da minha vida como um momento alto. Desde o teste de gravidez, que foi o expoente máximo de felicidade e vitória, veio tudo por aí abaixo. A pessoa perde tudo, os seus hábitos de comer, os seus hábitos de dormir, os seus hábitos de acordar, as suas manias, a sua forma física, a sua memória. Tudo. Andamos à mercê de outro ser humano, e Deus sabe o que eu odeio ser dependente. E aqui estou eu, a levar mais uma lição do que "não comer para não me arrepender". Como se este período me estivesse a ensinar que a minha vida não vai ser a mesma. E não vai.
Eu deixei de ser o centro do meu mundo. E dei lugar a um pequeno ser que deve ter pouco mais que meio kilo. Esperneio, pois claro, que eu sempre fui reclamona, toda a gente sabe. Mas no fundo, nem lamento nem me arrependo, porque este ser é uma coisinha tão especial, que já tem tanto amor e nem sequer está cá fora, que lentamente vou-me despedindo do meu narcisismo típico, de gaja que torra rios de megabytes em fotos em auto-retrato, para passar a ser Mãe.
Digo um adeus de lágrima ao canto do olho, porque eu gostava de mim e da "my self-centered bitch", mas até ela já achava que eu queria estar noutra fase.
Arranjei um novo amor, numa nova forma de amar, sem nada em troca a não ser pontapés. Uma pequena coisa que se quer tanto, e se pensa e planeia e recebe, onde encontramos o máximo expoente da felicidade no acto de dar, ainda que às custas da nossa individualidade. E apesar do sorrisinho triste com que esse pensamento me deixa (ohh, não vou mais ser eu, mas outra diferente do que eu era!), não há arrependimentos, não há hesitações, nem dúvidas.
Há só uma inexplicável ligação, às vezes a uma pequena bolinha do tamanho de uma ervilha, que nos faz fazer tudo (mas mesmo tudo), só para que ela esteja e continue bem.
Nem eu sei porque acontece, ou como, mas assim é, de facto.