São 13h15.
Fecho a porta da sala de aula atrás de mim e aqui vou eu, de regresso para Azeitão.
Entro no autocarro e gosto de ouvir as conversas para descobrir sempre algo novo na paisagem do potencialmente monótono percurso diário.
Oiço atrás de mim:
- Que escola é esta? - pela voz de uma teenager inconsciente.
- É a Secundária de Benfica! - responde a amiga.
- Ai é eeeesssta (pausa). Se eu aqui andasse ia ser um sucesso. Ia marcar a diferença! Olha lá para as gajas: são todas iguais!!
A rapariga que estava atrás de mim era uma mulata, muito bem arranjada, com as suas argolas gordas e douradas e um lenço tigresa a envolver o pescoço. Quer imaginem ou não, eu reconheço-lhe a boa pinta, embora num estilo muito "sui generis". Claro que para ela, uma escola de betos era mesmo só para se poder distinguir da multidão.
Em 30 segundos de observação, a miúda foi suficientemente perspicaz para perceber que aquela escola forma autómatos, que curiosamente já vêm todos formatados. Recordei com algum agrado e ternura, as minhas turmas no Barreiro, onde havia sempre negros e onde todos se davam bem e atiravam as piadas mais racistas uns aos outros, fossem brancos ou pretos, e riam todos, como se nem fosse com eles. A cor não era um problema. O estilo também não.
Quem vai ao cinema e vê aquele anúncio dos dreads, dos betinhos, dos rockers, dos mitras, dos rappers e outros que tanto, percebe porque é que eu sou uma sumólica!
Não é uma questão de não haver diferenças. É valorizar as diferenças. E a mim chateia-me a standardização.
É para isso que a escola lá está: para construir uma matriz, sobre a qual todos podem partir para construir um eu personalizado, ao gosto da vida de cada um.
A escola agora trabalha em competição com os próprios putos, que já têm todos uma matriz: a má educação.
Perguntam-me se podem ouvir música nas aulas, e questionam-me porque não podem ter o chapéu / boné na cabeça quando estão na sala, ou porque não podem mascar pastilhas, ou ter o telemóvel (que vibra!) no bolso. Todas estas questões abrem longos processos de negociação ao que eu costumo opôr um não redundante, sempre com a mais que óbvia justificação, ou então colocar na mesa uma condição impossível.
"- Fica combinado! Se houver um dia em que eu diga "vocês hoje portaram-se bem!" no dia seguinte poderão ouvir música na aula!" - LOL! Nem percebo, porque ficam contentes, mas isto fá-los calar. Até dá pena... é como roubar um chupa a uma criança.
A rapariga no autocarro foi certeira. Aquela escola estava para ela, como um extenso prado verde está para uma papoila. E eu ali, de verde também não tenho nada.
Não me interpretem mal. A escola é boa e não tenho tido nenhuma razão de queixa. Os miúdos é que vivem num mundo diferente do meu. Passam férias no Quénia e no Brasil, vão passar o fim de ano a Londres, têm o topo de gama das Consolas, usufruem de actividades extra-curriculares como equitação e ténis, dedicam-se à aprendizagem de um instrumento musical e muitos estão inscritos na dança.
O dinheiro não dá felicidade, mas contribui para a inteligência. E isto é tão certo como o sol voltar a nascer amanhã.
Tanto a dança como a música requisitam capacidades de visualização e abastracção, capacidades essas essenciais na minha disciplina. Quando estou a falar de múltiplas projecções ortogonais, os alunos conseguem com facilidade montar na sua cabeça uma peça, a partir das suas vistas isoladas. E isto, normalmente, é sempre o cabo dos trabalhos!
Ter o privilégio de poder frequentar a música, a dança ou outro desporto, implica ter benefícios na escola.
Poder conhecer outros países, culturas, habitats, abre-lhes os horizontes, e tudo o que nós dizemos na aula tem para eles um reflexo múltiplo, como um caleidoscópio.
Todos os outros miúdos que não têm a possibilidade de bancar viagens e actividades extra-curriculares, reflectem as nossas palavras num espelho, por vezes baço, o que leva a interpretações pouco claras ou até distorcidas.
Não os censuro por serem privilegiados, por poderem desfrutar de um mundo com mais cambiantes do que o preto e o branco. Só lamento que, nas suas cabeças bem desenvolvidas, não se desenvolva a ideia de que o mundo, ele próprio, é um caleidoscópio de infinitas tonalidades.
Só lamento que estes miúdos não saibam, não vejam, não desconfiem que nem toda a gente vê a cores como eles.
E isso aos meus olhos, torna-os mais pobres, pela falta de consciência do Outro.
É fácil ter a vida fácil, e mais fácil é se ignorarmos que para alguns a vida é difícil.
Alivia o sentimento de culpa, por ter tirado a senha para a boa sorte. Mas será que custa assim tanto, sentir essa culpa? Será que custa mais do que a senha para o infortúnio?
É o mínino que podiam fazer: ter consciência, com uma pontinha de humildade (já nem digo vergonha!).
Só agora tive tempo para me sentar e escrever, ao invés de sentar e dormir.
A minha nova escola é em Lisboa e isso obriga-me a regressar a uma rotina que em tempos conheci: a do levantar cedo e andar de transportes públicos.
Não nego que adoro: ninguém me risca as portas do carro, sou cumprimentada com respeito nos transportes públicos (olá stora!), tenho mais tempo para observar, ouvir e registar o que me rodeia, e sobretudo, tenho mais tempo para mim.
Quando chego a casa é para comer e dormir, mas esta semana já consegui introduzir 5 horas de ginástica. A sensação, lá para as onze da noite, é de ter sido batida com um pau, mas curiosamente não estar roxa!
As noites têm sido santas, as manhãs nem tanto. Eu não fui feita para me levantar às 6 da manhã e já consegui partir um dedo do pé (há 5 anos atrás!) por me levantar a essa hora. O cérebro só entra em velocidade de cruzeiro lá para as 10, mas assim que entro na aula, ligo logo o turbo.
Não tenho suado! Daquele suar de ansiedade que uiva dentro de nós.
Tenho chegado lá e arrasado, ou pelo menos é isso que comando a mim própria antes de atravessar os portões da escola. É uma enorme felicidade para mim, que não é ganhar o Euromilhões, nem fazer uma viagem à volta do mundo. É viver finalmente cada dia como uma pessoa normal. Sem stress.
Nada me perturba o suficiente para me pôr o cérebro a trabalhar a 100 à hora, em desgaste permanente do corpo e mente. No entanto, continuo com a Primavera entalada no nariz e na garganta, e acho que só lá para o Verão é que vou engolir de vez esta alergia.
Menos mal.
Os sprays e os comprimidos valem a pena, só para ver de novo a natureza a despontar.
Quero lá saber da alergia!
Quando estou lá fora, maravilho-me com a mais pequena coisa, sorrio, e inspiro sempre fundo!
19 março 2009
07 março 2009
Irra!!!!
Talvez seja por estar à espera do próximo contrato, talvez seja por não ter meninos que me dêem cabo da cabeça, ou talvez eu seja mesmo assim.
Não tenho paciência. Ponto.
Afirmação verdadeira que nem precisa de complementos.
Mas ainda tenho menos paciência para ouvir pessoas a falarem daquilo que não sabem, sobretudo se forem coisas sobre as quais eu infelizmente sei mais, e ainda assim teimarem em me fazer de estúpida!
Eu, Ana Sofia, assumo aqui solenemente que odeio que me façam de estúpida.
"Releeeeva!" - digo de mim para mim. Mas eu não sei relevar. Não tenho por que me fazer de estúpida, se não sou.
E no entanto é o que eu faço a maioria das vezes.
Rebaixo-me, falo de mim sem escrúpulos, nem piedade. Refiro-me a este período da minha vida como desemprego e sempre com orgulho. Não me faço parecer mais do que eu sou. Mostro apenas todos os meus podres sem excepção. Sou assim. E ser assim é ser matéria-prima de qualidade para pessoas que se querem armar em boas, ou no mínimo, melhores do que são.
Eu aceito muito bem todas as pessoas com vidas, oportunidades, trabalhos, casas, guarda-roupa, famílias e cultura geral invejáveis. Cobiço-lhes os dons, mas gosto de aprender com elas. Há pessoas pelas quais sinto uma genuína admiração, porque essas pessoas são mesmo aquilo que parecem.
Há outras que se ficam só pelas aparências. E para essas eu não tenho paciência. Especialmente quando a aparência envolve fazerem dos outros estúpidos.
Isto acontece-me frequentemente por uma simples razão. No que diz respeito às minhas falhas, insucessos, ou defeitos, eu não sei o que é um eufemismo. Sei no entanto, o que é uma hipérbole...
Enfatizo o que há de pior em mim, e depois aparecem-me cromos a darem-me rodas de parva.
Meus amigos, não é bem assim...
E depois lá está. Aquilo que eu aturo, aturo, aturo, aturo, um dia explode. Nem sempre com a pessoa certa, nem sempre na altura certa. Mas falta-me a paciência para continuar a representar o papel de parva na encenação dos outros.
Acabou.
A partir de hoje não estou desempregada. Estou em período de interregno entre contratos. E que diferença faz dizer as coisas com outras palavras. As pessoas olham para nós logo com outro respeito.
Aprendi pela vida fora que o respeito conquista-se. E apenas por aqueles que se dão ao respeito.
Eu não me dou ao respeito.
Enxovalho-me aos olhos dos outros, como o faço comigo no escuro da noite.
Esbodego todos os meus podres, sem lamentos, nem pudores.
...
Não posso esperar que sejam os outros a refrear as suas atitudes, por muito reprováveis que sejam. Eu incito-os a isso.
Sou assim, mas tenho de mudar, porque mais do que me sentir magoada pela desconsideração dos outros, eu sinto-me magoada com a minha própria desconsideração por mim.
Essa sim, é a raiz de tudo.
Baixo a cabeça, inspiro fundo e (como o odeio!) assumo que errei.
Na minha cabeça era sempre preferível que as pessoas não se auto-promovessem em pseudo-intelectuais. Mas eles existem e andam aí...
Por isso Ana Sofia, faz um favor a ti própria, e pára de te fazeres de estúpida, porque para isso estão lá os outros!
Não tenho paciência. Ponto.
Afirmação verdadeira que nem precisa de complementos.
Mas ainda tenho menos paciência para ouvir pessoas a falarem daquilo que não sabem, sobretudo se forem coisas sobre as quais eu infelizmente sei mais, e ainda assim teimarem em me fazer de estúpida!
Eu, Ana Sofia, assumo aqui solenemente que odeio que me façam de estúpida.
"Releeeeva!" - digo de mim para mim. Mas eu não sei relevar. Não tenho por que me fazer de estúpida, se não sou.
E no entanto é o que eu faço a maioria das vezes.
Rebaixo-me, falo de mim sem escrúpulos, nem piedade. Refiro-me a este período da minha vida como desemprego e sempre com orgulho. Não me faço parecer mais do que eu sou. Mostro apenas todos os meus podres sem excepção. Sou assim. E ser assim é ser matéria-prima de qualidade para pessoas que se querem armar em boas, ou no mínimo, melhores do que são.
Eu aceito muito bem todas as pessoas com vidas, oportunidades, trabalhos, casas, guarda-roupa, famílias e cultura geral invejáveis. Cobiço-lhes os dons, mas gosto de aprender com elas. Há pessoas pelas quais sinto uma genuína admiração, porque essas pessoas são mesmo aquilo que parecem.
Há outras que se ficam só pelas aparências. E para essas eu não tenho paciência. Especialmente quando a aparência envolve fazerem dos outros estúpidos.
Isto acontece-me frequentemente por uma simples razão. No que diz respeito às minhas falhas, insucessos, ou defeitos, eu não sei o que é um eufemismo. Sei no entanto, o que é uma hipérbole...
Enfatizo o que há de pior em mim, e depois aparecem-me cromos a darem-me rodas de parva.
Meus amigos, não é bem assim...
E depois lá está. Aquilo que eu aturo, aturo, aturo, aturo, um dia explode. Nem sempre com a pessoa certa, nem sempre na altura certa. Mas falta-me a paciência para continuar a representar o papel de parva na encenação dos outros.
Acabou.
A partir de hoje não estou desempregada. Estou em período de interregno entre contratos. E que diferença faz dizer as coisas com outras palavras. As pessoas olham para nós logo com outro respeito.
Aprendi pela vida fora que o respeito conquista-se. E apenas por aqueles que se dão ao respeito.
Eu não me dou ao respeito.
Enxovalho-me aos olhos dos outros, como o faço comigo no escuro da noite.
Esbodego todos os meus podres, sem lamentos, nem pudores.
...
Não posso esperar que sejam os outros a refrear as suas atitudes, por muito reprováveis que sejam. Eu incito-os a isso.
Sou assim, mas tenho de mudar, porque mais do que me sentir magoada pela desconsideração dos outros, eu sinto-me magoada com a minha própria desconsideração por mim.
Essa sim, é a raiz de tudo.
Baixo a cabeça, inspiro fundo e (como o odeio!) assumo que errei.
Na minha cabeça era sempre preferível que as pessoas não se auto-promovessem em pseudo-intelectuais. Mas eles existem e andam aí...
Por isso Ana Sofia, faz um favor a ti própria, e pára de te fazeres de estúpida, porque para isso estão lá os outros!