Para-se um bocadinho.
(Porque os conselhos do Luís são sempre sábios.)
Tenho o mundo a desabar sobre mim. Aliás, como todos os dias. Desta vez não desaba mais, nem com mais força. Desaba apenas noutro lado da encosta destes Himalaias que imponho no meu caminho diário.
Tenho medo.
Tenho medo, como quando era pequenina. Fujo assustada e entro em pânico. Aquele pânico que passa por cima dos comprimidos todos e assenta arraiais como os ciganos em dia de feira.
Tenho vergonha.
Vergonha daquela que nos põe a chorar de repulsão por sermos tão fracos.
Vergonha que me revolta por ter de me ver como uma pessoa que sei que não sou. E ainda assim, tenho tudo para criar a aparência de ser uma pessoa incapaz, desorganizada, confusa.
Eu não sou assim.
Não sou.
Mas choro hoje, ao fim de muitos dias de olhos enxugados, por constatar que ando a vestir a pele de alguém que não sou eu. E de ser julgada por actos que não me traduzem. E por levar um rótulo na testa, no qual não me reconheço...
Esta sou eu?
Eu sou assim?
E se não sou, então porque fiz tudo para o parecer?...
Não sei.
Não sei...
Há tantas coisas que eu ainda não sei, em que me sinto uma menina, uma criança, com tanto ainda para aprender...
Devia estar a escrever, noutro lado, que não o blog. Mas prefiro investir nestes 10 minutos de exorcização dos meus demónios, para levar o meu trabalho a bom porto.
A bom porto...
Sim, queria atracar de vez, em vez de andar perdida neste mar, onde a ondulação é cada vez mais assustadora.
A minha família está toda ligada ao mar e eu chamo-me Ré por alguma razão. O meu bisavô pescava bacalhau na Gronelândia, nos doris. O meu avô materno era carvoeiro na marinha mercante, o meu pai foi oficial no mesmo ramo. O meu avó paterno morreu no mar, num dia em que a bandeira estava vermelha, e em que isso não o impediu de se banhar.
Gente destemida, que se fez ao desconhecido. Que enfrentaram as ondas, a angústia, os enjôos, as dificuldades. E eu aqui, a tremer de medo. Todos os que estão mortos devem olhar-me com desprezo e pensar que eu não sou feita da mesma massa que eles.
Se o meu pai, que está vivo, soubesse como me sinto, nem iria acreditar.
Eu dou aquele ar de quem é forte, de quem faz tudo bem, de quem é uma go-getter.
Não há nada que eu queira que me tenha escapado. E ainda assim, olho para os meus joelhos e eles fraquejam...
Filha de peixe sabe nadar.
Eu tento na maior parte das vezes convencer-me que sim, para não ir ao fundo, mas há dias como o de hoje, em que duvido de tudo, até da minha experiência, para acreditar que eu estou destinada a ser um grande Titanic.
A minha avó contava que, após muitos anos de pesca nos doris, o meu bisavô deixou de se fazer ao mar nesses barquinhos pequeninos. Havia visto "qualquer coisa" no fundo do mar, que fez com que ele nunca mais quisesse sujeitar-se à fragilidade daquelas embarcações.
O medo é, portanto, uma constante na minha família.
Hoje, tal como nos últimos anos, tenho visto muitos monstros marinhos, mas aquilo que fará de mim uma pessoa excepcional é não toldar a minha vida pelo terror.
Estremeço por dentro, posso ser comida viva, abalroada no meu pequeno barquinho, mas lá vou eu, de novo, despeitada, tirar satisfações ao mar por agitar a minha vida desta maneira.