Os dias do passado enterram-se bem fundo. Perdem-se e já ninguém mais se lembra deles.
A minha vida corre depressa e tenho sido eu a correr atrás dela e não o contrário.
Contar o que se passou nos últimos tempos merecia uma voz-off adequada e um relato futebolístico da coisa. Com a cadência rápida e o atropelo de acções, como se minha vida fosse muito recheada, quando afinal só tem uma abstracção de coisas que se sucedem à velocidade da luz.
Tenho saúde.
Quase que me ajoelho no chão para agradecer esta! O ano passado por esta hora, já eu tinha emborcado com carradas de bisolvon, ilvico, mebocaínas, actifed e outros que tais. Andei numa constipação pegada que afinal era alergia. Este ano estou bem. E não estar assim fungosa e fanhosa é para mim já uma grande felicidade, porque para começar fico muito menos irritante.
Escolhi esta fotografia, uma das mais bonitas que tirei a mim própria, porque estou com aquele olhar de mãezinha, não acham?
Aquela sabedoria serena, de saber como resolver os problemas.
Aquele olhar condescente e doce.
O meu estado de espírito nem está bom, nem está mau, mas em definitivo não está assim. Esta é só a minha meta: um estado de espírito que me traga algumas pequenas certezas, e conforto por ainda ter tantas dúvidas.
Preciso de nascer de novo. Preciso de me inaugurar, de romper com este eu que dá cabo do meu sistema nervoso e auto-estima, e de quem eu tenho dado cabo com trabalho. Trabalho à paulada, como se a entrega de uma tese, as apresentações orais, os trabalhos e os exames, fora as aulas que dou, as participações que faço, os comentários que aturo e a ginástica mental que ponho em prática para dominar miúdos do profissional completamente às avessas daquilo que é a geometria descritiva (especialmente às 8h20 de segunda-feira), fosse remédio. O comprimido certo para atacar este vírus que trago adormecido sempre comigo.
Fui à médica - continuamos com o tema da saúde, que a esta hora a malta já está com a dúvida se eu estou mesmo grávida e estão a ler isto avidamente, na expectativa de o saber.
Ela deu-me mais 3 meses de comprimidos, daqueles que me põem a trabalhar à paulada. Benza-a Deus, que Fevereiro está à porta (um sorriso para a Maria!) e se esta for a primeira vez que me escapo à depressão sazonal, vou outra vez a Fátima agradecer!
Agradeço cada dia, cada hora, pela minha escola, pelos sorrisos que recebo, pelos almoços que partilho, pelas risadas que solto, por tudo o que é pequenino e bom, como um Ferrero Roché. Uma preciosidade requintada, que quase me deixa sem graça por poder disfrutar todos os dias e sem me fazer engordar.
A felicidade não engorda!
Talvez seja por isso que tenho andado tomada por desejos estúpidos de coisas que quero comer. No outro dia, foi um folhado de queijo de cabra com mel e pinhões. Hoje matei o desejo que já me andava a remoer de comer um pão de leite misto. Anteontem foi a pancada em ter de beber um sumol de laranja... Ah!!! E não esqueçamos os scones que me deu na telha fazer, quando estava para ir para as aulas, e mesmo sabendo que não estariam prontos a tempo decidi fazê-los na mesma e tentar comer o que fosse possível, nem que tivesse de ser um pouco encruado.
Estive de casaco, mala do trabalho e mala em punho, com chapéu na cabeça e tudo, a olhar angustiadamente para o forno, enquanto queimava os últimos segundos em casa antes de me pôr a caminho da escola. No último minuto, tirei um scone da forma, abri-o ao meio, barrei-o com manteiga e dei duas ou três trincadas que engoli sofregamente até sentir o esófago a queimar por ali abaixo.
Contei ao André os meus desejos e desventuras.
Como seria de esperar, ele nem estranha, mas dado que estamos a comprar casa nova para aumentar a família, o rapaz ficou obviamente preocupado...