02 fevereiro 2010

Quando eu sou eu, e não a outra que odeio ser...

Esta sou eu.
Dois dias depois de ter virado 31 anos.
Estava com uma gastrite nervosa, e uma depressão que me levou ao médico na semana seguinte, para me pôs nos comprimidinhos que vou tomar até Abril.

Ainda assim, sorrio, porque não há desculpa para estragar uma fotografia.

O que eu queria dizer... bom, não era nada disto.
Queria pôr aqui uma foto no blog, para eu olhar para mim e acalentar a esperança / sonho de acreditar que sou uma pessoa maravilhosa.

Já vai na segunda foto e nada. O meu cepticismo não afrouxa com carinhas larocas.

São horas de ir para a caminha (23h20) e eu estou aqui no blog, a escrever sobre mim.
Devia estar a fazer dois trabalhos, a estudar para o exame de 5ª feira e a preparar a apresentação de sábado. Como vêem, continuo aqui. Tenho esta estúpida/espantosa capacidade de fingir que nada é demasiado importante quando eu quero descansar. Digo para mim própria: "levanta-te, vai fazer o que tens a fazer", mas só me levanto para trivialidades como varrer a casa, lavar o chão, fazer máquinas de roupa, estender máquinas de roupa, pensar nos pormenores da nova casa, preparar aulas para os miúdos...

Os "TENHO DE" da minha vida inundam-me:
- Tenho pentear o cão.
- Tenho de lhe dar os banhos anti-fúngicos.
- Tenho de dar festas e mimos à cadela, porque ela está cada vez mais depressiva.
- Tenho de vigiar as obras da casa.
- Tenho de escolher materiais de construção.
- Tenho de ir falar com o sr. dos alumínios.
- Tenho de arranjar uma porta para a entrada.
- Tenho de antecipar o pensamento retorcido dos pedreiros, para evitar algumas asneiras (porra, esta dá-me trabalho que se farta!)
- Tenho de ir novamente ao Otorrino, porque já tomei 3 antibióticos e a dor na garganta e ouvido não passa.
- Tenho de ir à Ginecologista, fingir que é normal abrir as pernas e ter uma luz a apontar para dentro de mim.
- Tenho de ir ao Dentista, que já me arrancou outro siso, na esperança que esta dor de garganta fosse só disso.
- Tenho de fazer uma prova de recuperação para um aluno.
- Tenho de corrigir testes e trabalhos.
- Tenho de fazer os trabalhos do mestrado
- Tenho de fazer uma apresentação com um programa de geometria dinâmica.
- Tenho de telefonar à Maria.
- Tenho de telefonar à Cláudia.
- Tenho de telefonar à Susana.
- Tenho de marcar uma tarde de rambóia com o pessoal.
- Tenho de... parar.

Porra... estou tão cansada, tão saturada... Não tive férias no Natal e nas férias grandes andei a cozinhar a depressão. A última vez que me lembro de ter descansado, com tudo o que isso tem direito e excluindo todo e qualquer complexo de culpa por não estar a fazer outra coisa, foi aqui. Nesta foto, neste fim de semana do final de Setembro.
E por isso pareço feliz.
Feliz, como se fosse a primeira e a última vez em muito tempo.
Hoje, como em todos os outros dias, tenho vivido amargurada, por não ter feito nada como quero, nada do que quero e pior que tudo: não consigo mandar-me trabalhar. Não consigo fazer-me levantar da cadeira. Desobedeço-me sem qualquer vergonha, e se me sobra arrependimento, não é nunca suficiente para consertar as coisas.
Deixo andar, porque a minha cabeça não consegue fazer mais.
Ponho-me em frente ao PC e as palavras não me saem. Levo eras para fazer a introdução e tudo parece arrancado a ferros... tudo parece difícil e doloroso, quando não é.

Eu não era assim. Mas também... eu já não sou nem sequer uma sombra do que era.
Antes, eu conseguia disciplinar-me e dizer: basta, agora tenho de ir trabalhar. O ócio não era suficientemente apetecível para me fazer pecar. E hoje eu preguiço como quem se espreguiça: em toda a sua extensão.

"Porque faço isto?" interrogo-me, envergonhada, por ser uma malandra que nada faz.
"Não sei", respondo em humilhação.

Queria que alguém me dissesse que é normal, que eu não tenho de me sentir mal com isto, mas eu sinto e muito.
Isto não é normal.

E quando junto estas palavras vêem-me à cabeça as do prof. Casqueira: patológico é o que nos causa um profundo sentimento de angústia e que nos impede de fazermos a nossa vida normal.
Reconheço-me nas duas condições...
Eu não tenho vivido bem comigo, e não consigo fazer aquilo que antes era normal.
Vivo odiando-me, porque quando me vou deitar e fecho os olhos à pilha de tarefas que devia estar a cumprir, faço-o despreocupadamente, o que não é o mesmo que dizer sem culpa.
Eu culpo-me cá dentro. Faço a lista das falhas que venho acumulando e culpo-me por isso. Culpo-me por tudo o que faço e não faço, por tudo o que devia ter feito e não fiz.

Eu chamo-me Ré, por alguma razão. Se não dei em professora de Música, tinha mesmo de ir buscar a acepção do termo à Justiça.

Odeio ter de fazer tudo ao mesmo tempo. Odeio. Não faço nada bem. Faço tudo a 50% e às vezes nem isso. Eu sou obsessiva no trabalho, preciso de me especializar, de entranhar nas coisas. Hoje eu só me meto a trabalhar em tarefas descartáveis que usam e abusam do meu intelecto só para eu fazer mais um cross-out na minha lista.

Estou farta.
Quero férias.
Daquelas sem culpa.
Daquelas sem gastrites, nem depressões, nem dores de garganta eternas e inexplicáveis.
Daquelas com spa.
Daquelas em que eu realmente descanso e volto a ser eu, meiguinha comigo, e onde posso tirar-me uma foto e nela ver-me feliz.