Mudei.
Estou a escrever na minha nova casa, na minha nova cozinha, onde o teclar dos meus dedos faz eco numa casa (ainda) vazia.
Ouvi ontem na rádio o que já sabia: manter diários faz bem à alma. Eu tenho-me borrifado para a alma, porque acho que é muito mais importante fazer trabalhos para o mestrado, para a escola, fazer mudanças e limpezas ad eternum.
Aqui no blog, tenho muitas ideias para arrumar e uma mente inteira para limpar - tal como cá em casa.
(...)
Passaram-se 12 dias e eu já não estou a teclar na cozinha. Longe vai o tempo em que eu arranjava tempo para escrever um post de rajada. Agora é encontrar uns bocadinhos para ir compondo a manta de retalhos do meu quotidiano.
Estava eu a dizer que mudei. As coisas têm acontecido a uma velocidade que é difícil acompanhar o ritmo...
A nova casa faz eco e é branca da cor da neve. Acho que é o mais importante a constatar. É sossegada, não oiço ninguém com tamancas por cima de mim até à uma e meia da manhã e, sobretudo, não gasto neurónios, nem dentrites nem sinapses, com o registo inconsciente e involuntário de tudo o que se passa no prédio: o vizinho que vai sair e fecha a porta, a vizinha que vai para o trabalho e desce as escadas de rompante com os seus sapatos de marca "Picareta de Pedra"; o estupor do cão do vizinho de cima que deve ter a mesma inteligência que o dono e incomoda toda a gente com as suas manias (a do cão é ladrar por tudo e por nada, a do dono é encher as escadas com vasos).
Raistaparta a vida dos prédios! Não todos, mas os mal projectados, como o meu!
Enfim.
Agora, cá em casa, dorme-se. E só se acorda quando o corpo quer, não quando a máquina da vizinha está a fazer a centrifugação!
As vantagens de uma casa, que não é um apartamento em comunidade com outros, são, como podem ver, imensas. No entanto, a casinha que eu arranjei tem muito para chatear. A começar porque é maior que o meu T2. Viver num T2 é como viver numa caravana sem rodas. As coisas arrumam-se depressa, limpam-se depressa e já está. Na nova casa eu já ando desde o dia 15 de Janeiro, dia da mudança, para conseguir limpar isto tudo, tentando, o melhor possível, manter limpos os sítios por onde já passei. É um inferno, digo-vos!
No entanto, agora já posso comprar mais tachos e maquinetas para a cozinha, sem me preocupar onde vou arranjar espaço para os arrumar.
O dia da mudança foi uma alegria, e uma tristeza, pelo menos para mim.
Eu havia fotografado a casa antes de a desmanchar e, sabe Deus, o que me custou vê-la assim despida, sabendo que, apesar de tudo, tinha ali passado bons momentos. As almoçaradas apertadas, as matinés de inverno com a janela aberta para aliviar o calor (a casinha era um forno!), o fim-de-ano de 2006 que foi o primeiro fim de ano que lá passei... Eu sou saudosista e não consegui impedir-me de me sentir por aquela casa que foi minha e me estimou durante três anos. A casa que eu projectei em interiores, que executei as pinturas de paredes e tectos, que adornei, que compus... Estava ali uma parte de mim, e estava a ser levada aos pedaços pelos meus amigos, num atrelado improvisado para fazer o longo e interminável trajecto de atravessar a rua.
Pois é: mudei-me para o lado de lá! A casa que eu procurei durante tanto tempo, muitas vezes em desespero, estava mesmo à minha frente, do outro lado da rua. Os dias que amargurei a olhar pela janela, à espera de estar pronta ou do dia da escritura, foram recompensados com o brinde que se fez na cozinha, numas flutes compradas há anos, à espera de serem estreadas.
Tudo correu, toda a gente ajudou. A minha sogra lavou-me os armários todos da cozinha, a minha mãe lavou-me os quartos e trouxe-nos um bolo de chocolate caseiro para retemperar forças. Houve quem não pudesse vir, mas eu sei que estavam cá à mesma a dar força, e como ela foi precisa para levar até ao 1º andar um camiseiro cheio de roupa!
Já se vê que eu sou muito prática. As mudanças comigo são com roupa dentro do armários e tudo! LOL!
Mas a malta é amiga e poupou-me à desfeita de derreter dinheiro numa transportadora que me ia quinar as arestas vivas da minha mobília de cerejeira. Tudo ficou impecável e as únicas quinadas foram dadas por mim, já cá a morar, quando tentava montar uma cómoda do IKEA e bati sem querer com uma prateleira nos pés da cama. Oh meu Deus! Que ironia do destino!
Tive de me habituar a chamar pelo André, quando antigamente dava três passos e conseguia logo detectá-lo numa das divisões da casa.
Tive de me habituar ao eco, mas já tentei fazer o mais que pude para minimizá-lo.
Tive que me habituar ao branco... mentira. Ainda não me habituei.
Como é possível que as pessoas digam que um quarto violeta ia cansá-las?? Eu vivo há menos de um mês numa casa totalmente branca e ando a entrar em paranóia com o tédio!!!
Obviamente que a falta de iniciativa para uma pintura exuberante da minha casa, deve-se ao facto de estarmos no Inverno, em aulas da escola e do mestrado e em trabalhos da escola e do mestrado.
Tive de adiar, muito contra a minha vontade.
Antigamente, quando acordava, especava para o tecto branco e o meu olhar logo pairava pelas paredes violetas, de um violeta que acolhe, que nos diz logo pela manhã que somos fabulosas e merecemos todas aquelas vibrações cromáticas. Ao sair de casa, dava uma olhadela no espelho da entrada, sorria (como é hábito de qualquer maluco) para testar o grau de eficácia e era apoderada pelo meu framboesa da parede da entrada - a cor mais cromaticamente orgásmica com que já pintei paredes. Lembro-me de ter passado o rolo de pintura duas ou três vezes e fiquei de boca aberta com o impacto da cor. Só me saíam uns sons agudos de espanto e entusiasmo, e durante uns bons cinco minutos estes sintomas continuaram, enquanto eu ia preenchendo a parede com cor.
Tal como quando saí da faculdade (na licenciatura) e dava comigo a passar a mão pelas paredes, como quem vai matando saudades antes de as ter, também eu agora passo os dedos pelas cores gulosas com que pintei a minha casa e encosto as têmporas às paredes como se elas fossem (ainda) a fonte da minha energia.
A casa aqui é só branca. Como se diria na peça Arte de Yasmina Reza, "branca, com riscas brancas... na diagonal"!
Hoje quando acordo, olho para o tecto branco, e quando o olhar desce para a parede da cabeceira da cama, em vez do branco, sem graça, límpido e asséptico, eu vejo o azul petróleo, rico, fresco e quente, vaidoso, luxuoso, retemperador, calmo sem ser apático, que tenho previsto para aquela parede.
Desço e venho à cozinha para tomar o pequeno almoço. Ali tudo é branco, com excepção dos móveis que são brancos acinzentados e do chão e do granito que são negros. Credo!!!!
Parece que estou num hospital! Sento-me à mesa, com o tampo de vidro... vá lá, vocês sabem... branco, e imagino que estou rodeada de cor. À minha direita, enquanto os meus olhos apontam para uma parede branca, eu vejo-a púrpura, numa tonalidade de roxo que puxa muito ao rosa e que, ainda assim, se mantém indecisa. Nem é carne, nem é peixe, para fazer jus ao contexto.
Dilemas do quotidiano? São estes. Mais a experiência psicológica que é estar desde 15 de Janeiro sem TV por cabo. Atravessei a rua, mas é como se tivesse ido morar para os confins do Alentejo (tipo Amareleja, que é o único destino que me ocorre para uma pessoa cromática como eu).
Eu e o André decidimos vir para a casa nova sem mais demoras e pensámos que se é pá loucura, é pá loucura! Trouxemos a TV da cozinha que tem antena e lá vamos sabendo tudo o que se passa no mundo e na cabeça de gente parva, como a Maya. Sabiam que ela pôs uns implantes?? Isto são os benefícios de não ter TV por cabo. (!)
Como tenho saudades de me entreter a ver um programa educativo, daqueles que nos ensinam como se fazem rodas de carroças ou pratos de uma bateria.... Saber a verdadeira personalidade da Cleópatra e como ela era uma maluca a dar a volta aos imperadores romanos...Nada.
A coisa mais parecida com uma televisão e que me faz perder eras esquecidas a olhar para ela é a lareira: também é rectangular e também tem imagens em movimento! Pode não ser tão educativa como o Discovery, o Odisseia ou o History Channel, mas lá que me consegue hipnotizar, disso não há dúvidas.
Não nego, que apesar das ânsias em saber cusquices das celebridades no E Enterntainment, eu tenho vivido bastante bem sem televisão: os quatro canais portugueses na cozinha não contam. Por amor de Deus, aquilo é mais rádio com imagens desfocadas que outra coisa!
Dezasseis dias volvidos o balanço é este:
Estou feliz!
Feliz por começar de novo, do zero, com esta enorme tela em branco prontinha para eu pintar.
Feliz.
Mesmo sabendo que tenho uma casa de banho fechada à chave, para fingir que não existe e eu não ter de me preocupar em limpá-la, mesmo correndo o risco de, quando abrir a porta, me sair dali o fantasma das donas de casa briosas!!
Valha-me Deus... ao ponto que eu cheguei...