21 maio 2012

Lealdade: uma virtude em extinção

Faz hoje uma semana e dez anos que comecei a dar aulas. 
Fiquei colocada num dia 13 de Maio e talvez seja por isso que ainda hoje tenho uma afeição especial pela Nossa Senhora de Fátima: foi uma querida ao dar-me um horário de 10 horas, quando ainda estava a terminar o curso!

Hoje saí da minha manhã de rastos. Eu não ando bem, mas o ensino cada vez mais me desgosta, cada vez mais me desilude, tudo porque o meu dia-a-dia já é mais tortura do que desafio.

Eu gosto de desafios, mas não gosto de ser maltratada. Não gosto, sobretudo, que façam aquilo que eu não tenho coragem de fazer a ninguém. Há um dever do aluno (creio que também tem paralelo nos dos professores) que reza qualquer coisa do género: "Ser leal para com colegas e professores."
Leal...

O que é ser leal? Não sinto que os novos alunos sejam leais ou tenham sido leais comigo. Vou ver ao dicionário: pode ser que eu nem saiba bem o significado desta palavra.

Fidelidade, sinceridade e dedicação.

Devo ter visto mal. Estarei a confundir-me? Seria este um dever dos professores? Sim, eu revejo-me nestas máximas em relação aos meus alunos, aos meus colegas e à escola. Visto a camisola, mesmo quando ela é grossa e fazem 40ºC. Dedico-me, sem que ninguém mo peça, sem que faça parte do meu contrato, a despender mais tempo, mais horas, mais preocupações com os meus alunos e os seus dramas, apenas porque acho que isso é o que é correto fazer. Seria um ser abominável se não o fizesse, pois estar lá bem depois da hora, ou vir para casa ruminar em estratégias para pôr os alunos nos eixos, é, na minha cabeça, a única maneira se ser profissional naquilo que faço.

Obviamente, não tenho filhos.
Ainda assim o André reclama: "deixa lá a escola, deixa o trabalho dentro do portão."
Eu calo-me, tento pôr a coisa em prática, mas daí a nada estou a pensar no mesmo.
 Não é a dificuldade, o desafio abismal entre o que devia ser um aluno e o que eles realmente são, não é nada disso que me deixa assim. Os desafios fazer parte do meu trabalho e do trabalho de toda a gente, e se assim não fosse era o tédio total. 
Infelizmente, e porque já fez dez anos, não de prática, mas de tortura dedicada ao ensino (que não estar colocada é outro grande dilema), custa-me muito o modo como sou tratada na escola, por todos, e a toda a hora.

Sentimo-nos um lixo. 
Somos um lixo.
Não importa o que estudei, o que posso saber, o que me esforço, o que consegui atingir, os conflitos que resolvi, os alunos que tirei do abandono, nada importa, pois eu sou uma contratada. Há sempre alguém mais experiente no quadro, ou no círculo de interesses, que colhe todos os elogios e se passeia com os louros. Mas pior, que isto até não é nada, que com isto vivia eu bem, é sentir que vivo no meio da mediocridade, e que aquilo que devia ser um espaço supremo de saber é no fundo um espaço de, no máximo, chico-espertice. A escola é a grande metáfora do nosso país, e se já o temos entregue à Troika, a quem iremos nós entregar a escola?

Sinto-me profundamente desaproveitada, desrespeitada, desvalorizada, gozada, abusada, chocada, desiludida. E os dez anos pesam... Começamos a pensar estatisticamente:
- se estão a gozar com a minha cara nas aulas é porque eu devo ser uma palhaça;
- se sou corrida no final do contrato é porque não devo ser suficientemente boa;
- se não sou valorizada pelo meu trabalho, é porque não o faço bem.

A minha vida profissional dá-me uma série de certezas muito pouco saudáveis, encimadas pela supracitada "eu sou um lixo".
Depois disso vem o "quero mudar de vida", seguido de "és uma fraca e desistente", passando pelo "mas eu não sei fazer mais nada", com a constatação do "eu gosto é de ensinar", rapidamente corrigida pelo "mas não assim", explorada no "não quero que os alunos tentem fazer-me de parva como fazem aos seus pais". É um insulto à minha inteligência e à minha integridade, e é aqui que tenho aquela certeza e regresso ao início:
"Sou um lixo".
 Todos poderão achar as minhas palavras lamechas e choninhas, mas todos os professores sabem, com certeza, do que falo.
 Já há alguns anos que me debato com condições de saúde próprias dos tempos modernos: a ansiedade e a depressão. Ultimamente tenho revisto toda a minha vida em busca de uma razão suficientemente forte para estar assim: arranjam-se as mortes, os fracassos no mestrado e tudo justifica esta tristeza que trago comigo, a quem dei boleia e parece nunca mais querer sair do carro.
Mas depois da manhã de hoje, onde apesar de todos os meus insistentes avisos, vi os meninos a esticarem a corda mais do que deviam, e a minha paciência também, apercebo-me que esta passageira indevida andará sempre comigo, se as coisas não mudarem, ou se eu não mudar.
 Não é normal eu sentir-me um lixo, pensar na morte dos outros e na minha, antecipando já os meus próximos desgostos ao primeiro espirro dos meus entes queridos. Tenho vergonha de me sentir tão mal e não ter nada de mal para mostrar aos outros como causa e talvez seja por isso que me esforço tanto por me mostrar alegre, porque nem eu compreendo donde vem este desalento.
Hoje, depois de uma manhã com três 7ºs anos bem recheados, chamei-me de parva vezes sem conta, por ter subestimado o poder que esta profissão tem para nos deitar por terra.
Tudo o que é o ensino nos dias de hoje só me faz ter ainda mais saudades, e lamentar ainda mais, pela perda daqueles que eu amava e que me amavam incondicionalmente.
 E todos os dias me levanto para ser enxovalhada, desrespeitada, já colhendo muito pouco daquilo que me levou a ser professora. 
Já tive dias em que não consegui conter as lágrimas e ainda nem tinha passado o portão da escola para fora.
A foto mostra um dia em que chorei por me sentir um lixo, porque tinha sido tratada como tal. Foi no dia 2 de Março. Deixei cair umas lágrimas, rebeldes, que não me obedeceram, e para me ver ao espelho e saber o estado da desgraça, decidi auto-retratar-me com o telemóvel neste momento atormentado. A minha expressão é consternada e chocou-me na altura, como se eu visse o que até aí só podia sentir.
Decidi guardar esta foto... uma estupidez, nem sei porquê. Guardamos fotos nossas a sorrir e eu guardei esta depois de ter feito de tudo para não evidenciar as lágrimas que, teimosas, corriam pela minha cara abaixo.
Guardei-a talvez para me lembrar, para ter bem presente, o quanto o ensino (no seu sentido mais lato de ser professora e diretora de turma numa escola pública, com tudo o que isso pode implicar) já me destratou, já me magoou e já me fez chorar.

Neste ambiente, e a tirar fotos em que simplesmente não nos reconhecemos a nós próprios, é difícil recordarmos uma boa qualidade nossa, um bom motivo para gostarem ou gostarmos de nós. É difícil enumerar as razões pelas quais somos um ser humano excepcional. É difícil acreditar que conseguimos ultrapassar obstáculos, e vencer metas que antes eram fáceis. É difícil levarmos uma vida funcional sem ter de recorrer a medicamentos, vitaminas do complexo B e bananas.
É difícil.
Mesmo com tudo de bom que acontece e está presente na minha vida, mas simplesmente não chega para me secar as lágrimas ou tirar-me a vergonha de cima.

Hoje foi outro dia mau, no dia em que ser aluna no mestrado remendou o estragos de ser professora na escola.

08 maio 2012

The blues... still

Não foi a primeira vez que abri a sessão no blogger para desabafar e não o fiz. Não que me faltasse o motivo. Não que me faltasse a vontade.
Nem sei bem o que foi... mas não encontrei a imagem certa e eu odeio posts sem imagens.


Caminho ainda sobre águas azuis, daquelas em que me afundo. Tudo à volta parece estar bonito e perfeito e eu vivo numa luta diária para me manter à tona.
O André dizia-me ontem: "Há dias maus e dias bons. Hoje é um dia mau, mas vai passar."
Sim, foi um dia mau.

Não consigo sequer destrinçar o nó que a minha cabeça deu, e já lá vai algum tempo, mas dou-me ao trabalho de testemunhar as (vãs) tentativas que faço para diminuir esta rodilha.

Falemos do Pedrito de Portugal. Sim, que é mais fácil falar dos outros por nós.
Anteontem assisti a uma reportagem do Pedrito. O Pedrito já não é um menino, mas ainda tem a figura franzina e o olhar brilhante dos miúdos. Dizia o Pedrito na televisão que havia perdido todos os seus pilares e que não sabia como havia conseguido continuar em frente sem eles. Enumerou as pessoas importantes para ele e quando se comoveu... eu comovi-me com ele.
Há desgostos de que recuperamos melhor do que outros. 
Já houve tristezas que escondi para todos e fingi-me feliz durante anos, chorando só às escondidas.
Já houve tristezas que me fizeram chorar todas as noites sem exceção e andar de preto da cabeça aos pés, sem que isso me causasse algum constrangimento.
Já houve tristezas que eu pensei que nunca mais iam passar e passaram, mais depressa que esta que trago comigo.

Não sei que tristeza é esta, que nem consigo chorá-la com lágrimas gordas e seguidas. Não lhe consigo fazer o luto, tal é a aversão que tenho a vestir um par de calças pretas, sequer.
Não sei o que é isto, mas é com "isto" que ando todos os dias.

E se os desgostos por que passei passei-os sempre de sorriso estampado nas ventas, é natural que seja essa a única forma que conheço de ultrapassar um desgosto - a sorrir, para os outros, o tempo todo, para ninguém ter dúvidas.

É natural, por isso, que ninguém suponha como me sinto, como estou abalada, como eu, aquela doida que solta piadas ao minuto, tenha (muitos) dias maus. Esses deixo para mim, para ninguém ver ou saber que me consigo deixar chegar tão baixo.
Outras vezes, como esta, perco os pudores, e escarrapacho como o Pedrito na TV, as minhas mazelas e as cornadas que a vida me tem dado.

E apesar de arranjar coragem para vir chorar aqui os meus dias maus, odeio-os e estou pelos cabelos com eles. Fico frustrada de não dar a volta por cima tão depressa, ou tão bem, quanto queria. Odeio sentir-me impotente e, de quando em quando, ser colhida por este comboio de preocupações, tristezas, desilusões...

I hope this old train breaks down
Then I could take a walk around
And, see what there is to see
And time is just a melody
All the people in the street
Walk as fast as their feet can take them
I just roll through town
And though my windows got a view
The frame I'm looking through
Seems to have no concern for now
So for now

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown

This engine screams out loud
Centipede gonna crawl westbound
So I don't even make a sound
Cause it's gonna sting me when I leave this town
All the people in the street
That I'll never get to meet
If these tracks don't bend somehow
And I got no time
That I got to get to
Where I don't need to be
So I

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I wanna break on down
But I cant stop now
Let me break on down

But you cant stop nothing
If you got no control
Of the thoughts in your mind
That you kept in, you know
You don't know nothing
But you don't need to know
The wisdoms in the trees
Not the glass windows
You cant stop wishing
If you don't let go
But things that you find
And you lose, and you know
You keep on rolling
Put the moment on hold
The frames too bright
So put the blinds down low

I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I need this
Old train to breakdown
Oh please just
Let me please breakdown
I wanna break on down
But I cant stop now

Jack Johnson, Breakdown