26 novembro 2006

Ai Lurdinhas, Lurdinhas!...

Eu até sou uma pessoa relativamente pacífica, mas esta ministra desperta em mim os piores instintos assassinos.

Fala do que não sabe, não sabe o que fala, e opina (ou melhor, legisla) como se fosse dona da razão.

Sim, as escolas funcionam mal. Claro que o problema estás nos professores. Como corrigir esta trapalhada? Tratar do assunto cirurgicamente como se de uma operação de gestão se tratasse. Premeiam-se os melhores (que na realidade são sempre os que têm as cunhas), estreita-se o cano por onde passam e só la crème de la crème, ascenderá ao patamar da excelência da profissão.

Sim, que há por aí muito boa gente cheia de vontade para trabalhar, com muito mais garra, energia e frescura, que se dedicam 300% ao que fazem, mas que não valem nada. Se valessem alguma coisa tinham conseguido vaga. - Óbvio! Como é que nós ainda não tínhamos pensado nisto??

Melhorar condições físicas e recursos materiais da escola??
Naaaa! Isso só serve para gastar dinheiro!

Possibilitar acções de formação decentes e que realmente ajudem os professores a aprender, em vez de estarem a passar tempo?
Que nada! Eles são professores. Já sabem tudo. Dispensa para formação só para as iniciativas do Ministério, que isso é que eles devem estar atentos.

Apertar os calos aos miúdos e aos pais, para provar por A+B que quem não trabuca, não manduca?
Epá, isso é que não!!! Lá se ia a taxa de sucesso escolar! E mal ou bem, eles têm que completar o 9º ano!

Penalizar os verdadeiros vírus do sistema, aqueles que faltam sistematicamente por quererem estar no ginásio, sabendo toda a gente disso e ninguém fazendo nada?
Pá, meus amigos, toda a gente sabe que há maus professores em que não aparece uma só voz discordante para dizer o contrário. Mas já viram a trabalheira que dava à inspecção andar a catá-los? Nós estamos em época de contenção! Não temos pessoal para isso e temos de nos centrar naquilo que é importante: os alunos!

A ministra, nas suas certezas, esqueceu-se de um pequeno pormenor que muitos de nós, professores, já aprendemos.
Nada se faz contra as pessoas. Faz-se com elas.

Se eu não fosse credível na instituição de regras na minha sala de aula, os meus alunos nunca me respeitariam. Primeiro colocavam-me em causa e depois boicotavam o meu trabalho. Tão simples como isto. Porque há sempre maneira de escapar, e o português é perito no desenrascanço e especialmente a interpretar as entrelinhas da lei. Daí a contorná-la, vai um passinho.

Já me preocupei, muito.
Já entrei em ansiedade por ver a minha vida a andar para trás, porque sei que não tenho cunhas, e venha o que vier, só me trará injustiças.
Já entrei em pânico. Mas para quê?

Eu sei o que valho. Sei que se este estatuto alguma vez me prejudicar, será o próprio sistema o mais lesado. E estou-me a borrifar para a imodéstia destas palavras.
É o que sinto, e é o que me dá alento.
Gosto do que faço e este ano sinto-me tão realizada no meu trabalho, que tenho saudades dos miudos ao fim de semana. Passo a vida a pensar neles e no trabalho que vou fazer.
É a música do rádio que pode ser utlizada para trabalhar em formação cívica, é o vídeo que recebi por mail que tem tudo a ver com a notícia de anorexia que dei aos meus alunos para ilustrar.
Estou permanenente com eles. Trago-os sempre comigo. Dedico-me de alma e coração, e por erro de profissão, cuja confissão me custa a admitir, gosto deles. Tenho realmente carinho e afeição por estes miúdos e venho para casa cheiinha, cada vez que sei que fiz diferença na vida deles.

Sim, sra. ministra, porque o meu trabalho não é das nove às cinco e não é só lidar com papéis.
Os papéis não contam tragédias da sua vida, os papéis não precisam de reforço positivo, os papéis não choram, não riem, não chamam nomes, não saltam por cima das mesas, não se envolvem à pancada no intervalo, não deixam de usar óculos porque os pais não têm dinheiro para pagar os novos, não dizem que gostam da nossa camisola nova, não nos convidam entusiasmados para visitas de estudo com eles.
Os papéis são papéis.
Os alunos são páginas... da nossa vida.

Se a srª. ministra não compreende a diferença, então não percebo o que faz nesse lugar.
É caso para pôr em prática a frase que uma aluna minha escreveu numa cópia (supostamente!!) dos deveres do aluno:

"f) Respeitar as instruções do pessoal doente e não doente"

Mesmo contra vontade, é o que tenho feito.

7 comentários:

Anónimo disse...

A ministra é autista, falsa, e aeducação. A maioria de nós somos responsáveis, muito humanos, e entusiastas. Nós não queremos ser tratados como operários, assim como o não fazemos com os alunos. A educção não é uma fábrica nem é o mercado. Assim como com afectos nos aproximamos dos alunos, é pressuposto que o façam connosco, em vez de sermos atacados expressamente.

Desafio-te a escrever uma proposta,em conjunto com quem quiser, onde constem as verdadeiras necessidades do ensino. Estou disponível para isso e para ser alvo de eventuais críticas onstrutivas.

luís

Anónimo disse...

Olha Luís, correndo o risco de ser simplista e redutora nas minhas palavras, a minha posição resume-se ao seguinte:

“Restabelecer o papel do professor como figura central na educação.”

Eu sempre adorei a escola.
De tal maneira, que a única profissão em que eu podia imaginar-me era exactamente aquela que não me obrigasse a sair da sala de aula. Não sendo mais possível continuar só como aluna, tinha de ser professora.

E na minha cabeça, nada me contraria quando digo que o que hoje sou, o que aprendi, e que aprendi a ser tem a marca incontornável dos bons professores que passaram por mim. É a eles que lhes devo a minha riqueza como pessoa. Sei disso, e ficar-lhes-ei eternamente grata. Até o curso que escolhi teve a influência de um professor marcante, que conseguia acumular as funções de orientador, pleno de exigência e rigor, e amigo acessível, sempre bem disposto e sorridente.

Nos tempos que correm, "aquilo que é mais importante são os alunos". Claro que sem eles, não havia educação. Mas eu também não vejo educação nenhuma nos miúdos que são educados a seu bel-prazer.

O ensino centrado no aluno?
Balelas!
O verdadeiro ensino centrado no aluno é o ensino que vê o aluno como um objectivo, e não apenas como um meio.

Eles podem e devem aprender por si, mas não devem aprender à margem dos bons exemplos. E aquilo que o professor ensina na sala de aula é muito mais uma postura e uma atitude perante a vida, do que propriamente a matéria.
A matéria está nos livros e estuda-se. A educação reflecte-se.

O aluno passou a ter um papel preponderante na educação e a figura de professor tornou-se tão dispensável como o apêndice no intestino: está ali a fazer não sei o quê, mas em tempos acredita-se que já teve uma função específica.

A preocupação desta ministra, a meu ver, o que é susceptível de todo o tipo de críticas, devia estar na requalificação dos professores.
Com isto não quero dizer que os alunos passem a ser uns carneirinhos bem mandados que se limitam a imitar os bons exemplos.
Não é essa a minha posição, e já lá vai o tempo em que isso fazia sentido.
Para os alunos serem melhores, mais autónomos, mais maduros, mais independentes, mas desenrascados, têm de ter a seu lado professores com as melhores qualidades, encimadas pelo altruísmo.

Assim, a questão de centralizar a educação na figura do professor não está, ao contrário do que se possa pensar, na exaltação de uma figura de poder autoritário, que molda os alunos à sua imagem e semelhança.

A figura do professor, valorizada, apoiada e patrocinada pelo ministério da educação, serve tão só para reflectir em vez de brilhar, porque num ponto acho que todos concordamos: o nosso objectivo é fazer brilhar o aluno.

Mas isto não é o Génesis, e o "faça-se Luz" não é um simples comando que se possa activar no / pelo aluno.

É um trabalho árduo para ambos, com a diferença que ao aluno é permitido, e natural, errar. Ao professor não se podem desculpar faltas ao nível da educação, da postura, e até mesmo dos comportamentos.

Mais do que mero orientador do trabalho do aluno, ao professor cabe o grande papel de Outro, a partir do qual o aluno se reconstrói e reactualiza. O Outro é aquele que provova, que despoleta, que não é inócuo.
Contudo, o Outro não deixa marcas, é em si uma marca.
Ao aluno cabe a decisão (vasta e complexa) de se estruturar em função ou por oposição a essa marca.
Ao professor cabe a hercúlea tarefa de se constituir como marca, ajustada a cada aluno / grupo / turma que tem pela frente, com vista ao fim máximo de encaminhar sujeitos para a felicidade (que mais não é do que facultar ferramentas e desenvolver competências que insiram o aluno em sociedade e que lhe permitam constituir e tirar o maior proveito da sua experiência da vida, numa visão sempre construtiva de aprendizagem permanente e de partilha com outros).

Não posso, nem de longe, afirmar que sou a professora que desejo ser, mas posso prometer que me esforço por isso todos os dias, porque sei que o sucesso dos meus alunos, quer queiram, quer não, depende de mim.
Eu não posso fazer luz em ninguém, mas sei que quanto maior for a luz que emano, mais surpreendente será o brilhar do aluno.
Passa-se o mesmo com os planetas.

Pura física.

Anónimo disse...

Bem, perante o texto inicial que escreveste, diria que poderás "não ser a professora que desejarias" (segundo as tuas palavras), mas és a Professora que o nosso ensino necessita.

Quanto ao meu desafio, com a devida humildade, mas com algum bom senso (que é o que falta à ministra), era escrever uma carta/proposta à Ministra, onde constassem concretamente as mudanças verdadeiramente necessárias - uma das tuas medidas era a requalificar os professores. Corroboro essa tua opinião; os professores deveriam ter cursos de actualização que visassem a Psicologia da Educação e a Sociologia da Educação. Mas isto não é compatibilizável com o sistema de ensino vigente, onde se valoriza o depositar informação e não a formação integral do aluno -parecendo que não isto viraria ao avesso os currículos que nos dirigem as aulas. Ao contrário de ti, não tenho esse humanismo na minha prática, mas procuro-o. Não nos podemos esquecer que os nossos alunos (que já podiam ser meus filhos) têm ascendentes com uma formação que não os ajudou (sociologia da educação) e que, por isso, os nossos alunos não conseguem ajustar-se a nós e nós (falo por mim) somos herdeiros de uma educação desactaulizada (psicologia da educação).

Anónimo disse...

É verdade.
Há muitos mais problemas do que aquele que falei.
E fiquei a reflectir sobre a maneira rude como expus as minhas palavras, que decerto dá azo a interpretações dúbias e erróneas sobre o que queria dizer.

Sem querer me explicar melhor, porque acho que o que é dito a quente é dito da melhor forma (quer queiramos, quer não, é límpido e sincero), quero explicar só a motivação das minhas palavras.

Para esta ministra tudo gira em torno dos alunos, tudo se faz em prol deles. Todos os sacrifícios têm só um objectivo: responder sempre e só às necessidades do aluno.

A minha proposta para esta ministra era uma coisa bem mais complicada. O grande ovo de colombo está em saber fazer omoletes sem partir ovos. Para que também as "cascas" tirem proveito. Para que os professores não vivam e trabalhem para os alunos por profissão, mas por motivação. São coisas muito diferentes.

Lembro-me do professor Jorge do Ó dizer uma grande verdade: instituem-se muitas políticas, mas ninguém consegue mudar as práticas.

Ainda assim, eu sempre fui uma rapariguinha de causas. Quanto mais desesperadas melhor!

Não sei em que posso ajudar, porque na realidade sou uma pedagoga de trazer por casa.
Falta-me o saber, onde me sobra a vontade.
Mas onde eu puder ajudar...

Anónimo disse...

Não consegui conotar nenhuma das tuas palavras com "rudeza". Tudo o que tu disseste e como o disseste é por mim aclamado!

A escrita suscita estes mal entendidos...

Luís

Anónimo disse...

Estive a ler, esta troca de comentários, entre ti e o teu amigo Luís. E, também não achei que tivesses dito nada de forma rude. Concordo com a visão que tens sobre a problemática do ensino. Concordo com tudo. Sou exactamente da mesma opinião. Os professores estão completamente desvalorizados no ensino de hoje em dia. Eu entrei no mundo do ensino recentemente, mas não precisava ter entrado sequer para saber o ponto em que as coisas estão nas escolas. Os alunos "mandam" na escola. Os professores vão tentando dar um jeito naquilo que ainda está ao alcance deles... falo dos professores, aqueles como tu, que se preocupam com a educação das crianças.
Enfim, eu sou uma leiga nestes assuntos, mas do que vou vendo e ouvindo, sempre me apercebi, que a escola de hoje em dia, não é a escola que um dia eu já gostei, e admirei. Também tive bons professores, mas ao contrário de ti, nunca senti que a escola fosse o meu "meio", o local que me traria concretização pessoal e profissional. Sempre tive outros objectivos quanto á minha ocupação profissional.
No entanto, a visão que tenho da escola é muito parecida com a tua. A escola é um local onde se aprende matéria, mas também um local onde se cresce, e é durante esse crescimento que nos formamos como pessoas, com boas ou más qualidades, e isso, é reflexivo dos professores, que são aqueles senhores que passam o tempo com as crianças. A função do professor nunca foi apenas para dar matéria, mas principalmente, para educar, uma continuação da função dos pais. Esse papel de educar, é que me parece que tem vindo a perder-se. Hoje em dia, a tendência é para que o professor seja apenas um transmissor de informação, e nada de educação. Os próprios alunos já não aceitam "reparos" dos professores, e muitas vezes nem mesmo dos pais...
Eu não concordo com o facilitismo que se tem colocado no ensino, acho que isso não ajuda os alunos, pelo contrário. Habituados a que tudo seja fácil, quando chegarem à vida adulta, talvez se sintam desvalorizados e incapazes no meio da Selva que é a Vida!!!
Bem, eu não sei escrever tão bem como tu, mas aqui fica a minha opinião sincera.
Anocas Bombocas

Anónimo disse...

A maneira rude...

A maneira rude é aquela que vem ao de cima em bruto, ainda com farpas, que tem muito para cinzelar...

As palavras não são rudes, mas as ideias são. São intuitivas, genuínas, sem segundas intenções. São tão puras que roçam a ingenuidade, que por sua vez roça a imprudência e isso leva-as a serem um alvo soberbo para o ataque. Felizmente estou entre amigos e isto não é um debate político.
Sei que se alguma vez argumentasse com este post era arrasada, porque tudo o que disse tem por onde se lhe pegue.
Mas lá está, a matéria prima tem sempre muito de desperdício.