"29 anos? Já está em boa idade para ter filhos!"
Os putos bombardeiam-me com esta treta e não são os únicos. A mãe e a sogra também já andam desesperadas. Há umas semanas atrás tive uma gastrenterite e, consequentemente, uma onda de má disposição. A sentença da minha mãe foi logo: será que estás grávida?
Não, não estou grávida. Não gosto de pensar nisso, porque se um dia quiser estar, e não puder, vou ficar de rastos. Assim, se viver bem comigo sem filhos, eles nunca me farão falta.
...
Filhos fazem sempre falta. É a lei natural das coisas. Se eu quiser ser suficientemente egoísta e dedicar todo o dinheiro que ganho a viagens ao estrangeiro em vez de o torrar em fraldas, carrinhos de bebé, cueiros, toalhitas Dodot, cremes anti-estrias da mustela, champôs com cheirinho a bebé, chupetas... Ou ainda melhor: se quiser ser suficientemente egoísta para não desgraçar o corpinho que tenho estado a afinar, manter sempre o peito acima do nível do umbigo e não ficar com (ainda) mais estrias, estarei a romper com a ordem antropológica e social das coisas.
Vejamos: o meu egoísmo teria imensos benefícios nesta idade, especialmente na década dos trinta que eu passei a considerar como o expoente máximo da vida de uma pessoa, pois é a loucura dos vinte, financeiramente sustentável. Porém, quando envelhecesse, quem me restaria? Quem me faria o jantar de Natal? Quem me trocaria a fralda? Quem me cortava o bife em pedacinhos pequeninos? Quem cuidaria de mim?
O egoísmo paga-se. E todos estão mais ou menos obrigados a ter filhos perante esta premissa, para que haja quem os substitua e quem seja mais tarde responsável por eles.
Socialmente, a obrigatoriedade é a mesma: Se eu não tiver filhos quem vai pagar a minha reforma? Porque aqui a questão não está em eu não ter filhos, mas na pressão que a sociedade nos coloca para o fazer. Porque é socialmente aceitável e esperado, para o bem de todos. Para que a pirâmide demográfica assente sobre uma sólida base de bebés que paguem a reforma a todos os trabalhadores da Função Pública que por sorte / azar ainda não morreram. O Cavaco é que a sabia bem: "é esperar que morram"! Sim, porque se estão à espera de que eu tenha filhos... LOL!
Isto é o dilema da pressão exterior. Mas admitindo que a pessoa se deixava levar por isso, vem o dilema interior.
Olhamos em volta e as criancinhas desanimam-nos. Raros são os exemplos de educação que fogem ao estereótipo de putos mimados, birrentos, consumistas e manipuladores. Gostaria de pensar que se eu tivesse filhos os saberia educar. Mas quando eles têm colegas na escola que posso eu fazer?
Não lhe dou uma Playstation e depois é o único desgraçado que não a tem. Não lhe compro roupa de marca e é o único que não sabe (como eu) o que é ter um par de calças Lévi's - acho que isto ainda consegue ser mais raro do que nunca ter posto um cigarro aceso na boca!!
O puto vai ser um desgraçado pela vida fora, vai ser gozado na escola e claro que não vão faltar as rasteiras no intervalo.
Além do mais cria-se um recalcamento, como aquele que a minha mãe originou em mim por nunca me querer comprar uma Barbie. Fiquei profundamente sentida com isso, porque era a única da turma que não tinha o raio da boneca. E lembro-me ainda hoje de ter pedido pelo Natal a Barbie e a sua piscina, que vinha enquadrada numa lindíssima pérgula cor de rosa, e a minha mãe tirou-me logo daí a ideia: "Essa boneca é muito feia e escanzelada!" LOL! Como ela estava certa.
Ela ficou com a razão, eu com o recalcamento, e aos dezasseis anos comprei uma Barbie com o meu dinheiro, com a desculpa de lhe querer fazer vestidos (andava numa onda de querer ser estilista, note-se!). E assim se faz uma psicoterapia relâmpago que me custou cerca de 1 conto e seiscentos! Ou seria 3 contos (16 euros)... Não sei. Estou curada, é o que interessa.
Está provado que as criancinhas não devem ser privadas de todas as suas parvoeiras (excepto drogas, claro!). Porém, se isso acontecer (as parvoeiras, não as drogas!), elas também não morrem, mas vão atirar-nos isso à cara até ao último dos nossos dias. É o que eu tenho feito à minha mãe e tem-me sabido sempre bem!
Depois há a questão dos valores e da moral. Como raio se incutem estas coisas nos putos de hoje? Como se explica a um puto uma coisa que eu levei vinte anos a perceber? Como garantimos que o seu amor-próprio é forte e lhe dá toda a segurança do mundo para não viver fases de ansiedade como a mãe? Como explicamos ao puto, que a pessoa de que nunca ouvimos falar é mais importante e valiosa que todas as que surgem nas revistas cor-de-rosa, apenas porque se dedica a fazer o que está certo. Como ensino o puto a pensar pela sua consciência sem o tornar num insubordinado (esta eu ainda ando a aprender...)? Como explicamos que fazer o que está certo, normalmente não dá recompensa nenhuma? Que fazer o que está certo, já é a recompensa, mesmo quando isso nos custa os olhos da cara, os nossos sentimentos, e as nossas ambições? Como explicamos que pessoas sem valor nenhum apareçam na televisão com um estatuto de estrela apenas porque foram as escolhidas de um casting? Como se explica isto a um puto? Como lhe explicamos que o caminho não é por aí? Que é mais importante sermos sinceros connosco próprios do que sermos famosos? Que o sucesso se mede naquilo que fazemos bem e não naquilo que nos aplaudem?
Como se explicam coisas destas a um puto?
Sim, porque da sexualidade não é preciso explicar nada: eles aprendem tudo na escola!!
Ontem estava a ver a MTV e dei de caras com um programa no mínimo caricato. Perturba-me que existam pessoas realmente assim, mas eu vejo aquilo como se fosse um programa de Wrestling: é tudo a fingir, ninguém é assim tão parvo.
Estão 5 gajas num autocarro e um gajo cá fora na esperança de escolher uma. Vem uma das gajas que, recordando que a primeira imagem é a mais importante, decide dizer olá e tirar as cuecas vermelhas e entregá-las ao gajo. Felizmente o gajo dispensou-a na hora, mas eu pergunto: como se evita que as nossas filhas sejam umas destrambelhadas do juízo???? Eu acho que não lhe dava jantar durante uma semana e obrigava-a a comprar as suas próprias cuecas para o resto da vida: se anda aí a dá-las é porque tem possibilidades para isso!!
Ter filhos não é o mesmo que ter cães: damos banho aos filhos mais do que uma vez por ano. No entanto, é um bom treino para aprendermos a estabelecer limites. Temos de ser firmes, não podemos voltar atrás, não podemos deixar passar em branco, temos de ser bem explícitos quanto às regras e não admitir qualquer tipo de desrespeito ou violência na nossa direcção. Consegui educar um serra da estrela que é o cão mais doce deste mundo e uma cadela que é a mais ciumenta deste mundo. Olho para eles e vejo dois cães felizes que (e isto é o mais importante!) sabem o quanto eu gosto deles, sempre! E embora a minha Sissi no cio, salte para cima do Fredy para lhe explicar como é, até hoje nunca a vi entregar cuecas a ninguém no primeiro encontro!
Acho que ninguém devia ter filhos senão souber educar um cão, mas se assim fosse eu hoje não estava aqui. Os meus pais são do mais permissivo e tolerante com os bichos. Já estou a vê-los de avós... vão fazer tudo o que os netos quiserem...
Isto para dizer que ficar grávida é muito mais do que obter um positivo num teste. É engravidar de uma torrente de problemas, preocupações, falta de tempo, falta de dinheiro, mas também de sorrisos, de gargalhadas, de infinitos "oh mãe, anda cá!", de orgulho, de sucessos, e fracassos que se tornam em sucessos.
No meio disto tudo, abortam-se as viagens e a vida profissional fica consideravelmente condicionada. A sociedade e a tradição ensinam-nos que vale a pena.
Eu acho que não. Ter filhos é uma tremenda responsabilidade que não pode ser assumida só porque se quer sustentar a Segurança Social, ou fazer a vontade aos sogros e aos pais. Sim, porque a minha vontade agora ainda é viajar!
Temos de saber a profundidade do poço em que nos metemos, porque ter filhos é um projecto non stop. Não podemos dizer: "Já não brinco mais!", porque vamos andar a brincar aos pais e às mães a sério, até ao fim dos nossos dias!
Eu sempre fui mais de brincar às médicas, mas verdade seja dita: quando era a minha vez de ser doente, fingia sempre que estava grávida (!!!).
1 comentário:
3 coisas:
1- O texto é tão extenso que pensei que tivesse um dedo da Cláudia
2- mair raro que nunca ter metido um cigarro à boca é não ter metido nem cigarro nem uma gota de alcool
3- aconselho vivamente www.pitukas.blogspot.com
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