08 outubro 2006

"Ciclames, filmes e coincidências" ou "As crónicas de quem cá fica"

Ciclames.
A minha avó adorava ciclames.

Vai uma pessoa ao cinema, ver um filme intitulado de World Trade Center, à espera de ver aviões a embater e prédios a cair, e dá consigo a fazer comparações sobre tragédias e dilemas da vida e da morte.

Quando a perspectiva da morte nos aparece no horizonte, a fé começa, de imediato, a brotar. Vai abaixo, com certeza, mas está lá, até ao dia em que a morte faz da fé um sentimento ridículo e descabido.

Todos os dias que visitei a minha avó no hospital, vinha pelo caminho a pensar: "Ela estava com melhor cara, estava mais animada, vai de certeza ultrapassar isto."
Para as mulheres dos polícias do WTC, a morte era um cenário posto de parte. Não se sabe onde eles estão, nem como estão, mas há uma certeza: estão vivos. E é assim que vão continuar.
Mas esta certeza depressa dá azo à contaminação do "e se?". E é aí que ataca a memória. Quando foi a última vez que trocámos o olhar? E, de repente, pensamos que podíamos ter feito tanto, sem que já nada houvesse para fazer.
A fé às vezes é uma recusa de aceitar o óbvio. Construímos um mundo de possibilidades para escapar à gadanha afiada, e é sempre difícil aceitar que ela nos colheu.

"Não pode ser!"
Foram estas as três palavras que saíram instintivamente da minha boca, perante a dolorosa notícia. Não pode ser.

Pode, pode. Já é.

A realidade prega-nos destas partidas.
Ainda estamos na fase "Xiiii, cum catano!" e já a ouvimos a zombar: "Vai buscar!"
Sem piedade.
Como se a vida fosse, na realidade, uma gigantesca piada.

Por falar em piada:
Vai uma pessoa ao cinema (sim, que eu tenho a mania de dar segundas oportunidades!), ver um filme para rir. Com este é seguro: não vou chorar nem entrar nas pieguices do costume.
Escusado será dizer que saí do filme "Click", com os olhos inchados. Uma autêntica vergonha cinéfila!

Mas ainda agora, não me consigo conter quando me recordo da parte em que ele, por algumas vezes, faz o pai repetir que o ama...
...
...
Quem me dera ter um comando destes...

A vida continua e sabe sempre bem ouvir o típico "God works in misterious ways".
Eu acredito em coincidências, eu acredito em Deus, eu acredito em signos, eu acredito em tudo o que faça da vida uma coisa menos crua. A vida, como ela é, não tem graça nenhuma. Eu simplesmente gosto de a pintar à minha moda.

Sabem que comprei a casa no dia dos Avós? Sabem que da janela do quarto vejo o muro do cemitério onde ela está sepultada? Sabem que estou mais próxima dela na minha casa nova do que na dos meus pais? Sabem que fiquei colocada na semana em que fiz anos? Sabem que a escola me obriga a fazer o caminho que fazia para ir ver a minha avó ao hospital?

Coincidências? Talvez.
Mas eu opto por acreditar que a minha avó me quer ao pé dela para tomar conta de mim. Que a colocação que me calhou (uma sorte absolutamente descomunal!) foi a minha prenda de anos. Que o caminho que faço é para não me esquecer dela.
Eu não esqueço. Eu dou comigo a lembrar-me dela todos os dias, seguramente mais do que uma vez.

Talvez seja por tudo isto, que vejo a minha avó tão presente na minha vida. Talvez seja por isso que sonho com ela viva, sempre.
Ela continua lá, aqui comigo.
A torcer por mim, a rezar por mim, a cuidar de mim.
A única coisa que mudou é que antes, para exercer o seu afamado poder de cunha com Deus, tinha de fazer uma chamada.
Agora é só bater à porta e falar directamente com o Patrão.

Ou pelo menos, é assim que eu gosto de acreditar.

2 comentários:

Anónimo disse...

A Vida tal como nos é dada a viver pressupõe momentos de dor, de tédio, de insegurança, de ânsias, de tensões, de negações… A Vida tal como nos é dada a viver é dura e agreste.

Contudo, a Vida tal como nos é dada a viver também nos oferece alegrias, prazeres e instantes de profunda felicidade. Estou certa de que muitos deles foram desfrutados na companhia da tua avó, dando todo um significado à tua existência.

Partiu o corpo, mas não se extinguiu o Ser. A presença da tua avó querida está e estará em tudo aquilo que te avivar a memória dela. Está nos ciclames que ela tanto gostava…

Procura, por isso, admirar o teu jardim pelas flores e nunca pelas folhas caídas... Procura viver a tua vida, lembrando docemente os momentos, cheios de ternura, que partilhaste com ela e não lamentando dolorosamente aqueles que nunca existiram.
Procura, em suma, dar todo um significado à tua existência.


Com um beijinho repleto de amizade,
Cláudia

Anónimo disse...

Eu acredito nos Anjos da Guarda, apesar de me esquecer muitas vezes do meu. Não se pode ignorar que existem pessoas de espirito elevado que nos apoiam a todo o momento (inclusive, na minha crença, quando não estão corporalmente a viver neste planeta).

(...)

Luís