Se a minha vida tivesse banda sonora, esta seria uma das músicas do álbum.
Recordo com uma pintinha de tristeza, aquela que me permito demonstrar, os dias que passava a brincar e ouvia a minha avó a cantar este fado entretida nas lides da casa.
Na altura eu era miúda, e a letra pouco me dizia. Hoje os dois primeiros versos fazem em mim um eco particularmente irónico.
Setembro chega e com ele chegam as exigências, dos outros, mas principalmente as minhas. O sol do Verão apenas me exige que fique abrigada no guarda-sol, com protector 50+, até que sejam cinco e meia da tarde. É uma tarefa simples e prazeirosa. Mas acabando o Verão, chegam os apertos no estômago, os nós na garganta, a memória turva, a concentração intermitente. Porquê? Sei lá porquê! Talvez seja por vontade de Deus!! Mas também é possível que seja Síndrome Pré-Menstrual! Uma destas duas omnipotentes e omnipresentes causas, é certo!
Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a vontade
Foi por vontade de Deus
Que estranha forma de vida
Tem este meuu coração
Vive de vida perdida
Quem lhe daria o condão
Que estranha forma de vida
Coração independente
Coração que não comando
Vives perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente
Eu não te acompanho mais
Pàra deixa de bater
Se não te acompanho vais
Porque teimas em correr
Eu não te acompanho mais
Se não sabes onde vais
Pára deixa de bater
Eu não te acompanho mais
Amália Rodrigues
Por muito independente que seja o coração (e que o ateste o sistema nervoso autónomo) não há ainda forma de dizer basta, "pára, deixa de bater". Não podemos dizer "Coito", que com esta idade já tem interpretações muito menos seguras. Não se pode dizer "não brinco mais", porque agora é a sério.
É sempre tudo a sério.
Mas tenho saudades de brincar...
E por isso conservo esta estranha forma de vida, com uma eterna correspondência no passado, pensando como adulta complicada nos problemas, e como criança simplista nas soluções.
Tenho um emaranhado de problemas comigo.
Será que vale dizer "trava congela e obedece"?
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