Só pode!
Tempos houve em que depois de um debate sobre as questões quentes da educação, ou das fantochadas que a educação pode ser, eu só conseguia articular ofensas e indignações na direcção da Sr.a Ministra.
Hoje confirmei que a Ministra, fazendo parte do quadro político, só pode ter um gene que permite fugir à verdade e pior que isso, mentir descaradamente. Há aqui um descaramento que até custa a acreditar. Mas hoje, em tanta conversa fiada, ficou-me a confiança na Sr.a Ministra, que tanta coragem mostrou em fingir que a avaliação de professores só ilícitamente será explorada em proveito próprio. Parece-me que esta avaliação está para os professores, como a droga em estado puro está para um junkie. É para a pessoa se lambusar toda na desgraça e curtir a viagem ao fim do mundo.
Custa-me saber que amanhã vou dar aulas a uma turma pequena, em que há um aluno que se recusa a fazer as coisas a não ser que eu esteja ao lado dele a controlar o trabalho. De cada vez que me afasto ele pára, como se ele fosse movido pela minha própria energia. Que posso eu fazer quando o aluno não quer fazer as coisas por si? Que posso eu fazer quando outro aluno me diz que até tem tempo para estudar, e condições, e tudo, e tudo, e tudo, só que não gosta de o fazer. Como posso entrar na cabeça destes meninos, para os fazer estudar, para os fazer tirar boas notas, para que eu possa ser também agraciada com uma linda menção à frente do meu nome?
Não posso. E olhem que já tentei muita coisa.
Podem vocês pensar que as minhas palavras de outros tempos, afinal se repetem, mas não. A minha revolta é interior, não imaginam o quanto me sinto enxovalhada, e quanto da minha angústia estou a calar. Acontece que estou farta de criticar, de dizer mal, e de nada acontecer, pelo que hoje pensei só em dizer coisas boas.
Por isso Sr.a Ministra, depois de tudo o que vi e ouvi na orquestração que foi este puppet show televisivo, quero simplesmente louvar os seguintes grupos, porque ainda os há:
- os alunos que alguma vez na sua vida abdicaram de algo para estudar e conseguir os seus objectivos na escola;
- os alunos que sentem prazer em aprender;
- os alunos que se levantam a horas para comparecer assiduamente e sempre pontuais às aulas.
- os alunos que confiam no professor, e em quem o professor pode confiar;
- os professores que abdicaram da sua vida pessoal para que o trabalho ficasse bem feito, independentemente da jornada de trabalho ou do horário que lhe pagam;
- os professores que procuram encontrar soluções, em vez de apontar só problemas, num trabalho empenhado feito para e com alunos;
- os professores que trabalham todos os dias com as suas realidades e não com estudos, relatórios e estatísticas que dizem que tudo vai bem;
- e por fim, os professores que têm um gosto genuíno em ensinar e sabe-se lá porquê, teimam em querer realizar o seu sonho diariamente.
Nada disto comove a Ministra, porque ela quer saber é dos números, das refeições, das Novas Oportunidades, das estatísticas, dos resultados escolares. Nada disto lhe faz enrugar a fronte, ou franzir o sobrolho. Nada disto são preocupações que mereçam a cara marcada pela incerteza do que nos reservará o futuro.
A Sr.a Ministra mal consegue forçar um sorriso, quanto mais uma expressão complexa como a da genuína preocupação e solidariedade com uma classe que comanda.
Sejamos francos, a culpa também não é da senhora. Aquela testa não deixa enganar: tem menos rugas do que eu! Os movimentos faciais resumiam-se a uma contorção da fenda bocal (perdoem o termo técnico, mas não lhe posso chamar outra coisa!) e ao fechar pausado das pálpebras enquanto falava.
Nada mais se mexia.
Incrível! Como é que ela consegue?
Com Botox, claro.
Só pode!
P.S. - Um beijo a todos os que vêem o dia acabar e lhes sobra esta sensação de que tudo está errado (seja connosco, com os outros, ou com o resto do mundo). Tudo muda, e já amanhã chega a primeira oportunidade para isso. Por isso, larguem lá o botox e dêem-me um sorriso antes de adormecerem.
:)
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