01 julho 2008

Aprender com os outros

Seria um enorme desperdício de tempo obrigar cada pessoa a descobrir por si só todo o conhecimento acumulado pela civilização humana.

Muitas pessoas poderiam nunca encontrar o sentido da expressão E=mc2, apesar de, em potencial, quase todos os alunos poderem vir a ser um Einstein, já que o senhor não era famoso pelas suas notas.

Aprender com os outros é encarado de uma forma natural: transmitimos conhecimentos, e recebemos conhecimentos que, por sua vez, podemos transmitir e/ou receber de forma crítica.

O conhecimento é como o dinheiro: quanto mais trocas mais benéfico para a economia. Mas acontece que há casos de pessoas que se recusam a receber "dinheiro de mão beijada", entenda-se "uma lição sem bater com a cabeça na parede" - o que se pode chamar um verdadeiro tesouro.

Estas pessoas lançam-me o seu olhar apreensivo, com se eu fosse uma estranha que lhes quisesse impingir uma fatia de um bolo de chocolate, de há uma semana.

Este olhar céptico pode agudizar, e não se detem nem mesmo perante a perspectiva de um bolo fresco, de chocolate, em andares que crescem em helicoidal, perfeitamente adornado com frutas e chantilly e numa sinfonia esteticamente aprazível.
Este olhar em tudo vê veneno e não se convence, ou se apercebe, da riqueza que temos para lhe oferecer.

No que respeita às disciplinas que lecciono, eu podia vender "banha da cobra" e "gato por lebre", que os meus alunos "papavam" tudo o que lhes desse. Mas se ouso passar-lhes um trunfo como o é uma lição que aprendi com um erro, isso eles cospem no chão - directo.

Já não é a primeira vez que tento servir a papinha que vou confeccionando pela vida fora e, por isso, já não é a primeira vez que vejo esta reacção alérgica.
A princípio ficava angustiada: caramba, estou aqui com a papinha feita e eles dão numa de anorexia??
Que ódio! Poupavam tempo e desgostos, erros e fracassos, mas pelos vistos querem provar um pouco de todos eles.
Os alunos querem aprender por si, e quem sou eu para lhes poupar as indigestões futuras??

Dei comigo no final do ano a conversar com um aluno que hesitava em fazer um teste de recuperação para subir a média. Dizia ele:
- Não sei... tenho medo!...

Eu olhei para ele, sorri maternalmente, e disse:
- A vida vai-te ensinar que quem tem medo não consegue fazer nada.
Mas essa é uma lição que não me cabe a mim ensinar-te.

Não está aqui em questão eu ser professora e recusar-me a ensinar um aluno para a vida.
A questão real é que ser professora é um facto, mas também nós temos de aceitar que não podemos nem devemos ensinar tudo. Aceitar é um verbo difícil, sobretudo, de pôr em prática.
Fico naturalmente engasgada com a situação, mas recordo que também eu passei uma infância com problemas de apetite, em que toda a gente me tentava empanturrar com comida e colheres de óleo de fígado de bacalhau. E o apetite chegou a seu tempo, lá para a adolescência, quando o corpo podia dar bom uso ao que eu comia.

Ensinar não é encher de combustível os camiões todos que nos passam pela frente. Apenas aqueles que ainda têm capacidade no depósito, e mais do que tudo, aqueles que se dão ao trabalho de parar na bomba da gasolina e que dali saem com um rumo, um objectivo, uma finalidade.

Caso contrário, é desperdiçar à toa, e a minha mãe sempre me ensinou que não se desperdiça comida.

1 comentário:

Anónimo disse...

A aprendizagem vem antes do ensino. O ensino é uma negociação em que se pondera o que a pessoa está preparada para aprender - o que é impossível visivelmente. Mas a verdade do ensino é que mais do que haver um processo ensino-aprendizagem, há um processo aprendizagem-ensino.
Curiosamente, as aprendizagens da vida são as que proporcionam a facilidade da aprendizagem formal; curiosamente, a aprendizagem da vida tem como veículo de transição os afectos. A aprendizagem da vida não é compatível com o ensino, é mais compatível com a experiência.

Para este tema, necessitaria de reflectir durante mais tempo e espaço; sei o que te quero dizer, mas não consigo ser conciso para to dizer.

Luís