- O meu cão... ... .... morreu.
Demorei tempo a articular o verbo, porque ao verbalizar-se torna-se real.
Tinha vindo do Pilates e estava, como nos últimos dias, numa ânsia de chegar a casa. Queria estar perto do bicho, no caso de ele precisar de alguma coisa. Chegava a vê-lo pela janela e, se lhe reconhecia alguma tentativa para se levantar, ia imediatamente lá fora ajudá-lo nas suas vontades.
De manhã, antes de sair, tinha tentado dar-lhe água, mas ele, pela primeira vez, não quis nem saber. Quando cheguei a casa fui, por isso, de seringa em riste para hidratar o animal, que este calor de Abril é impróprio para bichos de pelo comprido.
Foi ao virá-lo que vi o corpo dele a reagir com barulhinhos e espasmos nas pernas.
Fiquei ali junto dele a fazer-lhe festas na cabeça e a falar de mansinho com ele. Nunca vi ninguém morrer à minha frente e digo-vos: é violento. Violento a ponto de eu querer exorcizar essa imagem, e estar aqui a escrever a quente, dado o abalo que isso me causou.
Assisti a tudo: aos pulmões deixarem de expandir, aos reflexos de inspiração de ar, à última urina despejada involuntariamente. No final, pus-lhe a mão sobre o focinho e não senti o seu bafo quente e húmido. Os olhos estavam perdidos no infinito, vidrados, como se o meu Fredy já nem estivesse lá. O coraçãozinho dele batia, contudo, ritmadamente, levantando o pelo. Pus a mão sobre ele e senti o pum-pum, pum-pum, pum-pum até só sentir silêncio.
Levantei-me do que me parecera uma eternidade, a assistir o meu próprio cão na sua morte, ajudando-o até ao fim a ultrapassar o malfadado momento, e rezando a Deus, pelo meio, que não o fizesse sofrer mais e lhe desse descanso rápido. Coloquei o meu cotovelo sobre o muro e chorei ali as minhas lágrimas, sem querer saber dos vizinhos que me vissem, sem querer saber se me questionavam por me dedicar assim a um animal.
Perdi um familiar, não interessa se é pessoa ou não. Para mim era um fã, que arrebitava a orelha cada vez que me via, como se a felicidade tivesse entrado pela porta.
Consola-me saber que fiz tudo o que pude, que o acompanhei nestes últimos dias e horas, proporcionando-lhe a melhor qualidade de vida que a sua saúde permitia.
Trouxe os cães para minha casa a 20 de Março e sei que ele se foi abaixo aqui comigo, porque sabia que o podia fazer, em paz e dignidade. Os meus pais não teriam feito nem um décimo do que eu fiz por ele.
Sei que nunca terei um cão igual a este: tão mimoso, tão cuidadoso connosco, tão vigilante, sempre a tomar conta de nós. Mas agradeço os 14 anos, uma autêntica benção, que me foram concedidos, para tirar partido de tudo o que este cão tinha de bom. Deu-me alegrias até ao fim, tal como eu lhe dei festas até ao seu último suspiro.
E sei que, onde quer que esteja, vai estar, como era seu costume, a olhar por mim.

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