Passam-se os dias, e eu tento encontrar nas parvoeiras da ministra da educação algum motivo que me faça sorrir, por ainda NÃO estar colocada.
Curiosa, a ironia do destino... Nunca fui para a rua como aluna, e é agora, como professora, que sou sempre corrida a 31 de Agosto, como os meninos mal comportados.
Que terei feito de mal?
Não consigo evitar o período de reflexão. As férias criam a distância própria para analisar as coisas e, por alturas de Setembro, ponho-me a pensar no que fiz, no que quero, e no que farei no futuro.
Chego à conclusão que estou feliz, por estar em casa. Nem queiram vocês saber das razões, porque são das mais deprimentes. Mas eu conto à mesma.
Em casa sinto-me protegida. Sinto que controlo o quê, o quem, o quando e o se me faz mal. Nas lições da vida eu ainda não aprendi aquela fulcral do: "Não deixes que tudo de afecte!" Devo ter estado na conversa ou esqueci-me de passá-la do quadro.
Em casa não tenho ninguém que critique o meu trabalho, só porque não se quer dar ao trabalho de fazer o mesmo.
Em casa não oiço bocas estúpidas acerca da maneira de vestir, dos hábitos e dos tiques dos outros colegas. Já lá dizia: nas costas dos outros vemos as nossas.
Em casa não faço coisas às quais me oponho em consciência.
Em casa não oiço meninos imaturos e mimados a criticar o meu trabalho, as minhas notas, e as faltas que marco.
Não tenho saudades... nem sequer me lembro dos dias em que vinha feliz para casa por ter visto um aluno evoluir, crescer, sorrir, conseguir o seu objectivo.
Desmoralizo com facilidade, é verdade, e por isso digo que sou uma flor de estufa. Deixo-me levar demasiado pelas condições exteriores e acabo por ter de ficar enclausurada em casa para estar de boa saúde.
Nunca vi cicatrizes da alegria. As coisas más é que deixam marcas, e com o tempo parece que só a tristeza perdura.
A docência obriga a valorizar o mais ínfimo dos pormenores para abafar a avalanche de podridão a que consegue chegar o estado da educação. É claro que não é fácil, e é claro que muitas vezes não o consigo fazer. Mas é a única maneira de conseguirmos lidar com isto.
O mais fácil é mesmo desligar, esquecer que em tempos o fizemos por prazer, porque agora é mesmo só pelo dinheiro.
Serei professora ou prostituta?
Calmamente, vou trilhando um caminho no meio do espinhos, por entre aquilo que o ministério manda e por aquilo que deve ser feito. Decidi cumprir todas as directivas do ministério, excepto aquelas que colidam com o interesse do aluno. Atenção, que o interesse do aluno não corresponde aos seus desejos num determinado momento, mas àquilo que o vai fazer-se tornar uma pessoa melhor e mais bem preparada para o mundo. Esteja ele preparado para compreender isso agora, ou não. No fundo a legislação até concorda comigo, mas a prática demonstra que não. As pessoas conseguem ler muito nas entrelinhas de um texto e já vi reuniões de conselho disciplinar tirarem conclusões opostas acerca da interepretação da legislação. Prevaleceu, como é óbvio, a interpretação mais branda. Para não variar.
Será, porventura, muita presunção da minha parte saber o que é bom para o interesse do aluno?
Claro que é. Nem sequer sou mãe.
Mas sei o que não é bom.
Passar a mensagem de que a vida é fácil e não é preciso esforço para atingir os objectivos; de que se falharmos uma vez haverá sempre outra para remediar, mesmo que esta não esteja consagrada na lei; de que a exigência é uma das causas do insucesso (e não o contrário); de que os professores são os substitutos quase a tempo inteiro dos pais, só vai redundar num resultado: o fracasso total.
Estas crianças são aduladas pelo sistema educativo, que tudo lhes permite e releva. Elas não estão habituadas a ouvir um não. Não estão habituadas a ter de dar a volta por cima, depois do falhanço, porque quase não há falhanço. As crianças que pensam que vão chumbar com sete níveis inferiores a três são parvas, porque já toda a gente sabe que se andar o ano todo a parvejar, mas demonstrar interesse e empenho no terceiro período a criancinha passa, porque se esforçou. Qualquer ser humano, com dois dedos de testa (o mesmo de qualquer símio) sabe encontrar estratégias de sobreviência. Só tem é de perceber como a coisa funciona e a partir daí é tirar partido dela. Como acham que se inventou o fogo? Já toda a gente percebeu como o esquema funciona e eu própria acabo por ter pena dos alunos que até se esforçaram no final e por isso lá lhes vou dando a positiva, esquecendo tudo o que está para trás, como manda a Lei.
Eu estou a contribuir para perpetuar este sistema, esta cultura do "quanto menos, melhor". E se quiser ir contra ele tenho uma plateia de professores a censurarem-me e atirarem-me ovos e tomates podres. "Como podes ser tão insensível?"
Pois... eu sou muito insensível, mas de vez em quando devíamos dar a entender às crianças de que as suas acções têm repercussões. De que são avaliadas num todo, para o bem e para o mal. De que têm de ter cuidado com o que dizem e o que fazem, porque isso vai afectar o seu futuro, quando não afecta também a vida dos outros.
...
Enfim.
A minha consciência começa a dar nó.
Não sei como resolver o dilema.
Fazer o que sinto estar certo, mesmo que seja contra o sistema? Ou cumprir as directivas e expectativas e odiar-me por isso?
Humm...
Às vezes gostava de ser jardineira, ou pastora.
O trabalho é solitário, faz-se com amor e até hoje ainda não vi nenhuma ovelha ou flor a reclamar.
1 comentário:
Oi Sofia. Acerca deste teu post vou-te mandar um mail. Vê a tua caixa de correio cibernético quando puderes.
Beijos,
Joao.
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