Há os bilhetinhos, os desenhos, os cartões, os desejos de felicidades, os pedidos do número de telemóvel e e-mail para não perder contacto, há os colares tirados do pescoço para oferecer à professora, há pulseiras exclusivamente feitas para ela, há plantinhas que foram oferecidas com tanto amor que passado um ano já consegui mais meia dúzia de rebentos para plantar noutros vasos.
Há tudo isto, mas este ano eu tive um Kokas!
Era esta a maravilhosa notícia que eu tinha para contar. E ao contrário do que escrevi no post anterior, esta até me deu preocupações. Preocupações suficientes para nem me apetecer escrever no blog.
Os professores, ao longo da sua carreira, vão recolhendo despojos de guerra.
Uma guerra nem sempre ganha, mas desbravada com suor e dedicação, ambos em demasia no meu caso.
O suor é próprio da ansiedade, mas a dedicação, se é que assim se pode chamar, não é nada apropriada. Não preciso de ler muitos livros para perceber que tenho traços de personalidade obsessiva. Aquilo que eu costumo chamar de dedicação é, no fundo, um comportamento obsessivo. Não consigo parar de pensar nos miúdos, nos seus problemas e no papel que eu posso ter para resolver tudo. Como se pudesse efectivamente resolver tudo...
Sinto que dou mais do que por vezes até quero dar, faço-o sem a mínima consciência e muitas vezes contra-vontade. Mas na minha desordem obsessivo-afectiva há sempre um momento (que não é mais do que isso) em que todos os dias em que vim para casa a reclamar dos alunos, sem me conseguir calar, a chorar por causa deles, a remoer no que me disseram, a matutar no que hei-de fazer para lhes pôr um sorriso na cara, simplesmente, valeram a pena.
Posso convencer-me disto o ano inteiro, mas no fundo, no fundo, só acredito nestes breves momentos.
Não sou profissionalizada. Não estou por isso super-hiper-mega qualificada para a docência. A minha licenciatura e pós-graduação dá direito a ter apenas uma habilitação que permite dar aulas. Daí esta insegurança. Será que sou boa professora? Será que só faço asneiras com os miúdos? Será que faço pior do que aqueles que não fazem nada? Isto não me consome, mas ao longo dos anos vai produzindo os seus efeitos.
Até hoje, ou pelo menos até dia 24 de Maio, o mais que tinha obtido dos meus alunos foram os tais despojos de guerra. Finalmente, alguém percebeu a minha onda e fez o favor de atirar-me uma festa! (ou como tão bem dizem os ingleses: "throw me a party")
Eu fiz o cattering com a doçaria regional de Azeitão, eles levaram os sumos, pusemos música e fizemos uma festa de despedida à maneira, com muitas lágrimas à mistura.
No meio disto tudo, deram-me o Kokas (o sapo mais fofinho e mais fashion que existe - reparem no cachecol cor de rosa!).
Contive-me para não chorar, porque desta vez acho que ia parar ao hospital. Fiquei tão emocionada, tão comovida pela homenagem... e mais fiquei por saber que no primeiro dia que nos conhecemos eu, para eles, encarnava o Belzebu - bicho com cornos que não hesita em marcar faltas de atraso! Depois de muiiiiiiiiiita paciência para levar estas cabecinhas a bom porto, a tentar incutir-lhes bons valores e a tentar ensiná-los a conhecerem-se e a serem melhores pessoas, acabei por ter de arranjar espaço no meu coraçãozinho, já de si pequenino, para uma turminha especial.
Queria chorar em casa, tudo o que faltou chorar em plena aula, mas apareceram as preocupações. Nesse dia deixei que a inveja pudesse manchar um gesto tão bonito, o que me impediu de me sensibilizar como devia e chorar, pelo menos, três baldes de água salgada.
Nesse dia a inveja dos outros entupiu os meus canos, como se me devesse sentir culpada pelos alunos terem criado uma relação especial comigo e não com outros.
Hoje, não vou falar dessas preocupações. Tiveram o seu tempo e o seu estrago.
Hoje só merece ser lembrado o momento e o Kokas, que costuma estar por aqui, no sofá, para me manter sempre em contacto com os miúdos.
Eu sei que eles não lêem isto, mas aqui fica um enorme beijinho cheio de carinho e desejos de felicidades para a vida futura destes meninos.
E para que conste, esta turma era tão especial, que nem precisavam da festa, nem do Kokas, para ficarem comigo. Já cá estavam há muito tempo! :)
3 comentários:
O Kokas está grávido?!
Parabéns!
A prendinha que os teus alunos te ofereceram e a festinha que te prepararam são gestos amorosos que demonstram um reconhecimento genuíno pelo teu indubitável BOM trabalho.
Só uma professora dedicada, atenta, disponível, amiga (ainda que rigorosa e exigente - mas isso é o que temos de ser, porque, antes de mais, somos educadores-), que se envolve e que se preocupa é indubitável, incontestável e indiscutivelmente uma EXCELENTE professora! Por isso, deixa-me que faça copy-paste: Parabéns! Parabéns! Parabéns! Tu estás de parabéns!
Não permitas que a inveja inquine esse reconfortante sentimento que te encheu o coração e te rasou de água os olhos. A gratidão dos teus alunos é autêntica, pura e sentida.
Ela, mais do que qualquer planificação ou gestão de recursos pedagógicos científica e tecnicamente bem feita ou metodologias didácticas XPTO, atesta que lhes incutiste bons valores e lhes ensinaste a serem boas pessoas, atesta, em suma, que cumpriste na perfeição a tua missão. Julgo que isto é o que importa.
Quando se tem em si o que se precisa para instruir e formar, quando se trabalha com afinco e responsabilidade, quando, generosamente, se dá o melhor de si, a profissionalização não traz uma diferença tão significativa quanto isso no acto de ensinar… aliás, não faz diferença nenhuma! Tu és o exemplo vivo disso.
Descobriste o teu gosto, a tua vocação, o teu jeito para partilhar saberes e para apontares caminhos. “Descobriste-te”professora. Descobriste a amargura deste ofício, porém descobriste igualmente as suas doçuras. Descobriste que uma sala de aula pode ser, por vezes, uma extensão de um zona de risco ou tão simplesmente um oásis!
Nunca te subestimes enquanto professora. Ao fazê-lo estás a depreciar-te enquanto pessoa e negar aquela poderá ser, talvez, a verdade mais consoladora e fortificante do teu ser nos momentos da dúvida e da insegurança avassaladoras: “eu sou professora, porque é condição que trago em mim!”
Beijinhos
P.S.: o KoKas é lindo! :)
Cláudia:
Nem imaginas o quanto as tuas palavras foram importantes para mim, hoje, durante esta breve hora de almoço.
Agradeço os teus elogios, mas foi mesmo a tua boa intenção que me tocou. Obrigada amiga! :)
Acabei de ter uma "pega" com uma colega e precisava mesmo deste reconforto. Já estou mesmo a advinhar... a reunião da minha direcção de Turma, na segunda feira, vai ser de cortar à faca... para não variar...
Um beijinho grande para ti!
le_m_do_fit:
Gravidez? Credo! É mesmo chicha. Já sei, já sei: se ele precisar de um PT, obviamente que te recomendo a ti! ;)
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