Nasceu um amor perfeito por baixo da minha janela.
Despontou com o verdinho das folhas
por entre a pedra fria da calçada,
sem ninguém lhe dar água,
sem ninguém lhe pedir nada.
O mês de Maio chuvoso
acarinhou-o com os seus pinguinhos
e esta semente bem-aventurada
acabou por germinar,
contra tudo e contra todos,
sem cuidados nem miminhos.
- Olha um amor perfeito,
mesmo por baixo da nossa janela!
Já exibia as florinhas violeta
com uma pincelada amarela.
Do nosso olhar ternurento,
o amor perfeito se alimentou.
E assim crescia alegramente.
Assim o tempo passou.
Dizia o André:
porque não o levamos para casa?
Eu recusava desarmada:
Não tiro dali aquela flor,
de pequena e tamanha delicadeza,
que as rudes pedras da calçada
ainda lhe atiçam mais a beleza.
Veio um dia solarengo
e ninguém podia imaginar
que os trabalhadores da Câmara
andavam por aí a limpar.
Cortou-se a erva vadia,
as florinhas amarelas do campo,
as papoilas empertigadas...
Nunca pensei que me custasse tanto!
A paisagem estraçalhada
aos meus olhos se deparou
e em última tentativa
salvar o amor em flor lá vou.
- Olhe, se fizer favor!
Desligue a máquina ou não ouve nada.
Está aí um amor perfeito.
- Onde?
- Aos seus pés na calçada.
Limpe a erva que quiser,
mas deixe o amor perfeito.
-Fique descansada!
Salvei a pobre florinha
da morte por degolação.
E ao lado da erva cortada
ela agora se erguia de satisfação.
Veio o final do dia,
quando tudo já parecia bem,
e sinto o arranhar na pedra
de um sacho que vinha fisgado.
Corro para a janela esbaforida
e vejo o vizinho de cima ocupado.
Não vejo a flor colorida.
Estava tudo arrancado.
- Oh vizinho, o que foi fazer?
Pedi eu para salvar a flor
e o vizinho acabou com o trabalho
daqueles que vinham acabar com o amor.
- Onde estava ela? Não vi.
Flor amarela? Violeta?
- Não há por que pedir clemência.
A flor foi-se.
Paciência.
Fecho a janela, de raiva e dor.
Saltam-me as lágrimas pelos olhos
Não conseguira salvar o amor.
Culpei-me pelo meu cuidado,
por acalentar a vã esperança,
de que não há adversidade
para o amor que é perfeito.
Amor assim não cansa.
Chorei enraivecida com o deuses
por conjurarem esta tragédia.
A pobre flor... dona de um só pecado:
Ambição acima da média.
Assim as suas asas tocaram no sol
assim se desfez na calçada.
Eu sem aquele amor perfeito,
sou uma mulher destroçada.
Toca a campaínha,
que a história não acaba aqui.
Abro a porta, é o vizinho
e ao vê-lo me arrependi.
Segurava na trémula mão
um vasinho que me encheu o peito.
E de sorriso envergonhado me disse:
- Aqui tem o seu amor perfeito!
Não era o mesmo que crescia na calçada
que ignorou a chuva, o vento e o frio.
Que desse não restava nada
Uma memória apagada
que nem sei mais se existiu.
Apercebi-me então que a flor que tanto amava,
em semente, tinha caído devagarinho
dos vasos, do cuidado e da varanda
lá de cima, do meu vizinho.
Esta ternura que segurava na mão
era a origem do meu amor perfeito.
Que a amizade é o princípio de tudo
E o amor que é grande, faz dela o seu leito.
3 comentários:
Com artes de bem versificar em rima alternada,
triste história vi contada!
Sem esquecer a harmonia poética
E nem tão pouco a métrica,
Era ela florzinha com graça e glória
De beleza rara como não há memória!
Contam deste modo as palavras do talento
De quem sabe combinar o tom
Não lhe faltou o alento
Pois, a Sofia tem um dom!
De estrofe em estrofe
Assim lamenta, assim sofre
por um amor- perfeito e sua desdita sorte…
Porém…
Em estilo eloquente,
Na verdade de quem não mente,
Fala também, com jeito e expressividade,
da amizade.
E vejam só,
Terminado que estava o dó,…
Gerou florzinha delicada
esta feição!
que, no verbo e com tamanha perfeição,
assim foi celebrada! :)
Beijinhos
Ai Cláudia, até me deixas sem graça.
Eu ponho-me a rimar como os miúdos pequenos se põem a experimentar uma flauta pela primeira vez.
O som é tanto mais um ruído,
quanto melhor for o ouvido.
Perdoa-me, assim, por "soprar" desajeitadamente nos emparelhamentos do meu português.
Um sensiblidade peculiar que muito valorizo, a de dar atenção à natureza, seja para o fim que for.
Tenta olhar para uma flor, vê-la simplesmente sem pensar (o desenho de observação obriga-nos a isso)...é difícil, tal é o domínio da razão sobre a nossa mente...
Luís
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