13 setembro 2006

Declaração de Dúvidas!

Consulta médica.
Raio X ao tórax.
Repartição de Finanças.
Um dia bem encaminhado

A sensação de que a minha vida é um programa de televisão percorreu-me o dia todo.
De manhã foi o antigo "é incrível, é mesmo do outro mundo", com a saga da Sr.ª A Mim Não Me Põem a Lavar o Chão - a protagonista principal de uma telenovela que conta a história de uma médica que cura toda a gente, mas que não se consegue curar da própria parvoíce.

Daí passei para o raio X ao Tórax que foi um mix entre o "Ponto de Encontro", isto é, uma oportunidade para rever uma ex-aluna e amiga, e o "Minuto verde": Rápido, eficiente e siga!

Agora o giro giro, foi estar ao vivo no Gato Fedorento - na repartição de Finanças, óbvio.
No balcão para pedir a isenção do IMI, pergunto ao senhor se a papelada do modelo 1 está bem preenchida. Note-se que se este impresso fosse em braille, eu sempre tinha tido a ajuda do tacto. Senti-me como um aluno do 9º a olhar para os exames nacionais do final do ciclo.
- Está tudo bem. Mas a srª e o sr. André não são casados, portanto tem de ir ali à tesouraria comprar o anexo 1 e preencher também.
- Ah, ok. Modelo 1 mais anexo 1.
- São os dois trabalhadores por conta de outrem?
- Sim.
- Nunca se colectaram como trabalhores por conta própria?
- Eu já. Durante um ano, como artista plástica. Mas mantive sempre a actividade por conta de outrem.
- Isso não quer dizer nada.
- Mas eu neste momento só trabalho por conta de outrem.
- Pois, mas tem de entregar aqui uma declaração em como não tem dívidas na segurança social. Vai à segurança social e pede lá isso.
- Ah.. Declaração. Dívidas.
- Pois, mas eles lá vão-lhe pedir uma declaração aqui das finanças em como cessou a actividade. Por isso vá ali à tesouraria pedir isso.
- Ok, obrigada.

(Na tesouraria:)
- Eu queria pedir uma declaração... olhe, não sei pró quê! É qualquer coisa do IMI, que tenho depois de ir à segurança social e eles lá pedem-me um papel. É esse papel que eu quero.
- 2º andar.

(Fixe, mudo de balcão e agora já estou noutro andar.)
-Eu vinha pedir uma declaração de dívidas ou que raio é. É para o IMI, tá a ver? Olhe já nem sei o que quero. É o que pedem na segurança social.
- Ah, sim: vá à tesouraria, 1º andar.
-??? No balcão mandaram-me para a tesouraria, da tesouraria para aqui, e agora está de novo a mandar-me para a tesouraria???
- Desça comigo, vamos lá ver isso.

(1º andar)
O amável senhor do 2º andar intervém junto de uma colega, que me atende prontamente:
- Diga.
- Olhe, eu queria uma declaração de "dúvidas" para entregar na segurança social. Dúvidas, não. Dívidas!

(alguém naquela repartição devia ter gritado "Manda vir quatro!!" junto com o meu pedido!)

Sou reenviada para a tesouraria, onde o homem sorridente me recebe como se nada fosse.

- Ah, então é preencher este papel.
- Ok. E quanto é?
- Quanto é o quê?
- O papel.
- Qual papel?
- Este papel!
- Então mas a senhora quer ficar com ele?
- Sim.
- Mas não é esse papel. A declaração é outro, esse é o requerimento.

(Boa, já nem distingo um requerimento de uma declaração. Esta gente dá comigo em maluca!)

Tirem-me daqui!!!!!
O "Big Brother" não ouviu as minhas preces. Como castigo por ter passado o dia a dizer mal dos médicos, mandou-me para a Loja do Cidadão, onde não só há o serviço de finanças, como também a famosa Segurança Social. É só fartura!
Mais meia dúzia de impressos, e está tudo resolvido. Nem consigo perceber o que lá está escrito. Faço a promessa de vir para casa decifrar. Parecem receitas médicas, bulas de medicamentos, mas com a diferença que só nos põem ainda mais doentes.

Será para os "Apanhados"?
Não me parece.

Telefona o senhor dos sofás: entrega na quinta feira, à tarde. E eu que ainda não acabei as pinturas e ainda me falta lavar a sala de cima a baixo...
Definitivamente, e sem sombra de dúvida, sou uma dona de casa... desesperada.



5 comentários:

Le_M_do_Fit disse...

És oficialmente uma Maria portuguesa! Só faltam os putos aos gritos agarrados às saias. Mas se queres que te anime, olha, deixa lá que é igual para todos. Quando começares a pagar IMI é que vais chorar e perguntar: este imposto é para quê mesmo?!?!

Anónimo disse...

Eu diria que passaste por uma versão portuguesa do Processo de Kafka; do estilo de uma sua paródia.

Luís

Anónimo disse...

A odisseia da repartição de finanças em verso alto e sublime:

Ò musas da celulose, protectoras do papel,
a vós peço engenho e arte
para louvar com a doçura do mel
a coragem do cidadão!
Que de mim a inspiração
Não se aparte!

Sou português,
Um impresso vou comprar
Nobre e valente,
Compro logo dois ou três.

Tiro a senha e fico à espera,
A azul e não a amarela!
Notável a simpatia
Do funcionário público
Que se esmera!

Subo ao primeiro andar
Desço ao segundo
Nos balcões 1, 2, 3
Me vou postar

Ó Paciência sem fundo!

Eis o destemido lusitano que deu mundos
Ao mundo!

Julgueis que há sorte mais excelente?
Sou português
Uma raça de digna gente!!!

(Podia ter sido pior, deu-me pra poesia! ;P)

Anónimo disse...

Luís:
Completamente!!
A máquina da burocracia é poderosa, nunca falha e está sempre bem oleada.
Impossível de ir contra ela, pois esmaga-nos sem piedade.

Anónimo disse...

Cláudia:
Muito bem! Até me fez lembrar o Camões segurando heroicamente o Código Procedimento Administrativo!
;P