26 março 2008

When the dog bites, when the bee stings

Aqui não há avaliação de professores, não há ministra, nem secretário de estado que nos assombre o espírito.
Aqui não há trânsito na 2ª Circular, Calçada de Carriche ou Túnel do Grilo. O Garrafão da 25 de Abril e a primeira ponte do Feijó são nomes esquisitos que não soam a nada de jeito.
Aqui não há stress. Há pessoas, e as suas pequenas vidas. Há hortas, há degraus com vasos e roupa fresquinha a estender. Há vacas que só levantam a cabeça para nos ver passar, há cabras que nos vêm comer às mãos, há árvores que caem à nossa frente com o vento e muito, muito tempo.
Há velhos sentados no muro olhando sabe-se lá o quê, esperando por qualquer coisa que não seja a morte, e nem por isso me parecem impacientes.
Aqui dá-se importância ao que realmente a merece: eu, todos os que estão comigo e tudo o que está à minha volta.
O sono chega sorrateiro e deito-me a pensar sempre como o dia foi bom, como a vida é bela, como tudo parece certo e como sou feliz.
Dirão muitos que sou uma privilegiada.
Eu digo antes que escolhi ser assim.

18 março 2008

Subida à Serra da Arrábida!

Ora benvindos a mais uma edição do Programa de Saúde, Bem-estar e Rambóia: "Quem sobe a serra, não chora nem berra".

DIA:
21 Março de 2008, Sexta-feira Santa.
ENCONTRO: Pelourinho, no Rossio de Azeitão.
HORA DE PARTIDA: 8H30
TOLERÂNCIA: 10 minutos

CHEGADA PREVISTA À PRAIA: 12H
CHEGADA PREVISTA A AZEITÃO: 18H30

CUIDADOS A TER:
- Pequeno almoço: rico em hidratos de carbono e líquidos, para aumentar a resistência.

- Não se estiquem em gorduras e açúcares, quando estiverem a fazer o farnel.

- Protector Solar: a malta vai debaixo das árvores, mas quando o sol aquece é para todos! E temos o troço da estrada do convento (já para não falar da praia) que não tem sombras nenhumas.

- Não se besuntar em perfume para não atrair insectos indesejáveis. Desodorizante é permitido: está comprovado que as abelhas não gostam!

- Roupa confortável, silvas-proof ou lama-resistent. É preferível vestir em camadas do que vestir só uma camisola quente. Há muitas oscilações de temperatura, especialmente porque o nosso corpo vai aquecer e as matas são frias e húmidas.

- Sapatos confortáveis, com sola alta e volumetria (na medida do possível). Levar sempre um parzinho extra de meias. Custa menos carregar umas meias extra na mochila, do que umas bolhas extra nos pés.

- Chapéu

- Óculos de sol

- Máquina fotográfica

- Bastão de caminhada, ou então arranja-se o primeiro pau que estiver perdido pela serra.

- Fato de banho e toalha de praia, embora a água, no ano passado tenha estado um cubo de gelo em estado líquido.


CONFIRMAÇÕES:
- para o meu mail ou para o meu telemóvel


OPÇÕES:
- Poderá justificar-se a presença de um carro no Portinho, mas tal só será decidido na noite antes, conforme a minha disposição para ir lá pô-lo às tantas da noite.

- Poderá justificar-se a boleia até ao Parque de Campismo do Barreiro ( que curiosamente, fica no sopé da serra!!), como forma de evitar à vinda a subida dos Picheleiros, que além de ser perigosa por causa dos carros, lixa a sensação toda de bem-estar que a serra nos deixou!

- As opções já estão incluídas no preço que é, sem qualquer tipo de desconto, pagar pelos pecados todos do ano inteiro! Hehehe!!

Fico à espera das confirmações

13 março 2008

Sou fogosa, pois sou!

O professor olhava curioso para mim. Era um colega, mas os cabelos brancos inibem-me de o tratar em plena igualdade.
"-Tu estás... inflamada, hã?"

Eu ainda estava a rematar o meu raciocínio, visivelmente exaltada, perante outras duas colegas, contratadas como eu. A sala de professores tem sido um autêntico barril de pólvora, mas ontem os contratados foram o rastilho.
Cobaias, ratos de laboratório, contratados, é tudo o mesmo. Desgraçados a quem se vai aplicar uma avaliação para ser testada, melhorada e só depois aplicada aos outros, aqueles... os professores a sério.
Nós somos os tapa-buracos. E claro que isto me faz querer partir pratos e bater com tábuas na parede!

O professor lá olhava para mim e admirava-se com o meu sangue quente. A sabedoria da idade traz sempre uma certa resignação. Não, não é bem resignação, é serenidade.
Ele não aceitava as dificuldades, pelo contrário. Ele contestava, queixava-se, mas não se incendiava como eu. Creio que a pessoa aprende com o tempo a queixar-se sem sentir a mais pálida vontade de querer mudar o que a incomoda.
Continuo a pensar no olhar daquele professor. Aquele olhar condescendente de quem olha para uma jovem que se incomoda com o que está errado e que tudo pensa poder mudar, para o que basta querer.

Sou fogosa, pois sou! De espírito! Estou sempre de chama acesa, à espera de uma ventania, com o balde de gasolina na mão.
Há alturas em que é mesmo para largar fogo e gastar o combustível todo, até ficar rouca e vermelha como um tomate. E depois acalmo, quietinha como as cinzas.
Gosto de me incendiar por dentro, de carbonizar toda a minha raiva.
Sou assim, e pior que tudo, não faço questão nenhuma de mudar.

No Verão passado, em Amesterdão, enquanto procurava lugar num autocarro, dei sem querer um encontrão numa senhora que estava sentada. Desfiz-me em desculpas e lá do fundo vejo um homem olhar para mim a dizer:
"Italiaána véra!"

Acabei por esclarecer ao italiano intrometido que eu era portuguesa, ao que o homem reagiu sorridente com um:
"Portuguésa? Batatas fritas!"

Moral da História: Quando se é uma portuguesa inflamada como eu, o mais certo é acabar com o juízo todo fritadinho!

09 março 2008

100 mil deles e eu estive lá!

A máquina fotográfica continua a arranjar, mas este fim de semana ela perdeu uma das melhores imagens que se podem captar:
Cem mil pessoas, unidas por um descontentamento e insatisfação generalizados.Genuínos.

A emoção era grande e eu já estava a ficar enervada. Passei a manhã e atestar de combustível a minha revolta e à hora do almoço já estava incendiada que chegasse. Toma-se um comprimidinho para acalmar a ansiedade, que já me fazia suar em bica, e ala connosco para a Manif.
Ao passar a ponte já se via um helicóptero a sobrevoar a Baixa. Quê? Já??
Passamos pelo túnel do Marquês e a saída já estava encerrada (como seria de esperar), mas quando viemos ao de cima... Caramba! Um comboio de autocarros a perder de vista e muita gente vestida de preto. Com bandeiras, cartazes, apitos ou autocolantes, todos tinham trazido a sua indignação consigo.

São 14 horas e tenho o Parque Eduardo VII a meus pés, com o Marquês de Pombal em pano de fundo. A agitação ao longe é visível. O meu coraçãozinho bate mais depressa, como acontece nas crianças antes do carrocel começar a andar.

"Somos muitos, pá, somos muito mais do que eu estava à espera!"

Tinha ouvido na rádio que se esperavam 70 mil, mas para aquilo ter alguma credibilidade tinha de superar esse número, para que não se fizessem as estatísticas divergentes do costume entre Ministério e Sindicatos.

Os de Lisboa iam na frente. Onde está o SPGL? Já está na boca da Avenida. Bora lá!
Espera-se uma eternidade em pé, em formação densa. Valem-nos como distracção os helicópteros que rodopiavam no ar a filmar a malta cá em baixo.
Eu não tinha bandeira, não tinha crachá, não tinha identificação partidária ou sindicalista, nem estava ligada a nenhum movimento de professores. Fiz questão de não gritar uma única palavra de ordem, de não me conotar com aqueles que a Ministra diz à boca cheia que nos estão a instrumentalizar.
Apenas marchei.
Do Marquês de Pombal ao Terreiro do Paço.
Empunhando a minha indignação na expressão de enterro estampada na cara, confirmando na roupa o luto que ando viver pela Educação.
Somos muitos, mas não sei quantos. As redes de telemóvel estavam saturadas, mas lá consigo enviar umas mensagens e obter respostas:já somos 75 mil. Ena pá!
Estávamos nós nos Restauradores e alguém anuncia: "Ainda há malta de Lisboa no início da Avenida!"
A minha boca abre-se de pasmo. Ainda falta a malta toda que veio de fora e nós, só daqui da metrópole, já enchemos a artéria mais emblemática da capital. Era difícil de perceber como isto havia acontecido, mas dada a quantidade de gente que me cercava não era difícil de acreditar.

Poucas foram as pessoas que nos viam passar, mas no Rossio encontrei um senhor de cabelos brancos, que numa folha A4 havia escrito a seguinte mensagem:
"Tenho dois netos a estudar
Confio nos professores
Não confio na democracia deste governo.
Confio na democracia da escola."

No meio de uma manifestação daquele calibre, ler aquele "confio nos professores" foi um bálsamo que fez os meus olhos encherem-se de água.
E naquele momento todas as barbaridades proferidas pela Ministra, e outros que tais, pareceram demasiado insignificantes.

A Rua do Ouro, com os prédios ao alto com a gente, fazia ecoar e amplificar os protestos, como se os professores estivessem mais zangados do que quando haviam começado a marchar.
Chega-se ao Terreiro do Paço e arruma-se um lugarzinho para sentar no chão e fazer a circulação recuperar de uma marcha lenta pouco saudável para as veias. Ouvem-se uns discursos inflamados proferidos pelos auto-proclamados porta-vozes dos professores.
E, de repente, a locutora de continuidade apela por um minuto de silêncio a um Terreiro do Paço já bem recheado (saliento que ainda só tinham chegado os de Lisboa).

"Um minuto de silêncio? A fulana é maluca? Somos mais que as mães e a malta não tem parado de gritar!"

Nem sequer pensei ser possível.
O motivo era nobre: um minuto de silêncio pelos colegas gravemente doentes a quem as Juntas Médicas mandaram trabalhar, atestando que reuniam as condições necessárias.

O Terreiro do Paço calou-se e o silêncio gritou a plenos pulmões. Os meus olhos encheram-se de lágrimas outra vez.
A convicção, como a solidariedade, e outros valores aparentemente já esquecidos pela nossa sociedade, tocam-me. Fazem-me acreditar nesse animal desgovernado dos tempos modernos, a quem dão o nome de ser humano.

Encontraram-se amigos, colegas de escolas antigas, professores que já foram nossos. E houve sempre espaço para um sorriso sentido, e uma felicidade genuína por encontrar outro companheiro do nosso percurso. Porque a felicidade é possível, mesmo quando nos sentimos enxovalhados e mal tratados.
E esta foi a grande lição daqueles professores, naquela tarde fria de Março.

É irrelevante que esta marcha seja considerada como irrelevante.
Aconteceu.
100 mil deles!

Como costuma dizer a minha mãe:
"Toma lá que é democrático!"

01 março 2008

Poupem-me!

Bom.
Tentei abafar a minha indignação, para não elevar os valores da ansiedade. Dizia para comigo: "não te rales, que em última instância quem se lixa és tu, mais a tua camada de nervos."
E aguentei o Primeiro-Ministro a desviar astutamente a argumentação para longe do foco das minhas críticas, aguentei todo o botox da Ministra, aguentei com o interesse dos pais nesta avaliação, porque quem vai lucrar nisto tudo são os seus educandos.

Aguentei com tudo e chego perto daquele ponto em que se tem vergonha de ser português e participar na vida de um país que é governado por pessoas que querem ascender à condição superior de Salvadores da Pátria, a qualquer preço.

Cheguei àquele ponto em que começo a pensar: Alemanha? França? Ou Espanha?
Em que equaciono a conjugação da minha vida com a do André, para irmos para um sítio diferente, melhor, e em que as coisas funcionam pela razão certa e não por interesses corporativos ou individuais.

Estou desgostada com tudo à minha volta, e só me apetece berrar até à histeria! Mas a calma é um poderoso revigorante. A justiça cósmica, como lhe costumo chamar, assegura-me que tudo se paga, e que a má fé é sempre julgada com mão pesada.
Verei, por isso, num futuro, breve ou longínquo (também não interessa), as repercussões que esta avaliação irá ter no sistema educativo português.
Uma cambada de analfabetos que se arrastam de ano em ano até ao doutoramento.
Os pais sabem-no bem, mas preferem que os filhos passem sem problemas e com boas notas para entrar em medicina, ou coisa que o valha. Olham para o seu umbigo, porque entram nas guerrinhas competitivas do estilo: "o meu filho foi o melhor da turma, passou sem uma única negativa."
Hoje em dia sei, e todos deviam ter essa clara consciência, de que isto não significa exactamente que o aluno detenha em si os saberes necessários, que tenha desenvolvido em pleno as suas capacidades e competências, que tenha conseguido ser uma pessoa melhor, mais justa, mais solidária, mais correcta em todos os aspectos da sua vida. Este é apenas um dos cenários, o melhor, e o que a Ministra mais se agarra para justificar a subida do sucesso escolar, e a descida do abandono. Não duvido que ele acontece, e que não é propriamente uma raridade. O que a ministra não se pode coibir é de aceitar que há outros cenários arrepiantes que podem justificar as estatísticas, e infelizmente, também não são raridades. A ingenuidade das estruturas governativas, não pode nem deve ser confundida com optimismo, porque eles, mais do que ninguém, sabem o que vai acontecer. E pior, estou em crer que formularam esta lei com o propósito de tirar partido exactamente daquilo que eles se recusam a aceitar: de que quando um humano é posto à prova em último grau, ele não se põe a pensar no bem da humanidade. Ele apenas procura sobreviver.
E na lei da Selva, vence sempre o mais forte, o que para quem ainda não percebeu, não é na maior parte das vezes o melhor, mas o que tem menos escrúpulos.

Dói-me a falta de seriedade com que sou governada, dói-me o autoritarismo a que, até na vida pessoal, sempre fui aversa. Dói-me a ignorância e a impunidade, que é o que de pior podemos dar aos alunos como exemplo.
Não tenho filhos, mas a tê-los preferia que fossem bem preparados do que tivessem boas notas. Que soubessem desenrascar-se e arranjar soluções para tudo, em vez de culpabilizarem os professores por tudo e por nada. Não me venham com tretas, porque eu também já fui aluna, ou pensam que andam a enganar quem?
Preferia que as minhas crianças soubessem que o sucesso é a única coisa que não lhes deve ser garantida no sistema educativo, porque depende exclusivamente deles.
Nenhum mau aluno com óptimos professores pode ser bom aluno se não se empenhar, se não estudar, se não estiver motivado.
Qualquer aluno que tiver estas três condições conseguirá sempre singrar tenha bons ou maus professores. Será mais difícil, não nego, mas no final o sucesso será mais saboroso.

Estou danada com tudo e por tudo isto.
Estou danada com a atitude de "ser mais papista que o Papa" por parte das escolas e com atitude de "chico-espertice" à portuguesa.
Lamento dizê-lo, e isto vai muito mais além do que as guerrilhas partidárias: temos o que merecemos. Fosse qual fosse a cor no poder, as coisas não iam mudar. O que me revolta é que o próprio sistema esteja a engendrar a sua própria sobrevivência. Vamos todos produzir mentes pobres e acríticas para que tudo se mantenha.
Assim, quando for feita uma estatística aos portugueses para dizerem de sua justiça o que melhorou com actuações governativas deste tipo, a maior parte (Estão a ver bem?? A maior parte!!!!!! Oh, que raiva!) diga que foram as Finanças Públicas e a Educação.

Se eu comesse dia sim dia não, e não gastasse nem luz, nem água, nem gás, as minhas finanças também melhoravam. Mas o desafio não está só em melhorá-las: está na "engenharia" (veja-se como o homem é incompetente até no seu próprio terreno) de conseguir cortar naquilo que não é essencial ou vital. Toda a gente está feliz desde que não cortem no que as atinge.

Toda a gente está feliz com a educação. Toda a gente passa e isso só os atinge de uma forma: positiva, ou pelo menos é o mito mais consensual.

Há pessoas a pensar assim e ainda acham que a Educação vai bem??
Poupem-me!