26 março 2008

When the dog bites, when the bee stings

Aqui não há avaliação de professores, não há ministra, nem secretário de estado que nos assombre o espírito.
Aqui não há trânsito na 2ª Circular, Calçada de Carriche ou Túnel do Grilo. O Garrafão da 25 de Abril e a primeira ponte do Feijó são nomes esquisitos que não soam a nada de jeito.
Aqui não há stress. Há pessoas, e as suas pequenas vidas. Há hortas, há degraus com vasos e roupa fresquinha a estender. Há vacas que só levantam a cabeça para nos ver passar, há cabras que nos vêm comer às mãos, há árvores que caem à nossa frente com o vento e muito, muito tempo.
Há velhos sentados no muro olhando sabe-se lá o quê, esperando por qualquer coisa que não seja a morte, e nem por isso me parecem impacientes.
Aqui dá-se importância ao que realmente a merece: eu, todos os que estão comigo e tudo o que está à minha volta.
O sono chega sorrateiro e deito-me a pensar sempre como o dia foi bom, como a vida é bela, como tudo parece certo e como sou feliz.
Dirão muitos que sou uma privilegiada.
Eu digo antes que escolhi ser assim.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá!

Acabei de reler este teu maravilhoso texto. Nele retratas, com pinceladas líricas, toda a singeleza do ambiente bucólico, fazendo notar que é na simplicidade das coisas naturais (e só aí) que encontramos o que realmente é genuíno e autêntico.


Quando cheguei à última das tuas palavras, veio-me à memória o poema IX do Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa que projecta este para as vivências campestres). Não resisto a deixar-te uma transcrição dessa composição poética:


“Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.”


Eu acho extraordinário como, com esta “naturalidade” e franqueza, o poeta nos dá a chave de todos os mistérios: as coisas em si não têm que ter significação alguma, elas têm que existir apenas. Há, pois, que vivê-las e delas tirar usufruto.

Beijinhos