23 setembro 2009

O meu lado lunar...

Obrigo-me a escrever.
Forço-me a isso por saber ser o único meio de desenredar este nó.
Não me orgulho do que escrevo. Leio as minhas palavras com vergonha e embaraço, mas por serem verdade, não há por que as esconder.

Sou uma pessoa odiosa. Até para mim.
Principalmente para mim.
Não quero nem pensar o estrago que posso fazer a um filho meu. É que eu sou... como dizê-lo?... chata demais.

O meu lado lunar é uma combinação dolorosa. Tudo o que sou quando estou bem disposta, divertida, optimista, confiante, segura de si, perde-se. E, de repente, sou exactamente o oposto. Não que isto seja de estranhar numa Balança. Os opostos convivem em alternância. A instabilidade é uma constante.
Simplesmente tenho de viver com estas alterações bruscas, que passam de um soberbo momento de felicidade ao sentir o cheiro da erva fresca de manhã, para uma consciência de que a uma pessoa como eu não devia ser dado o visto para esta vida.
Habituei-me a tocar os opostos, por vezes com diferença de 5 minutos.
E o que mais me doi, mais me inquieta e paralisa, é que tenho um lado lunar, que muiiiiiito poucos vêem. A lua vem com o cair da noite e nessa altura já estão todos deitados.
Sofro a angústia de ser eu própria e de ter cá dentro Outra que me desgasta até à exaustão.

Já pensei, e cada vez mais tenho essa certeza, que talvez não tenha as ferramentas suficientes para lidar com tudo isto. Preciso de ajuda profissional, claramente. Contudo, entretenho-me nestes exercícios de auto-análise pública, onde escancaro o mais frágil de mim própria, para toda a gente ver.
Mais ou menos, um striptease emocional, mas sem música ou qualquer tipo de prazer envolvido.

Sei que o que sou, e o que me dá trabalho hoje, advém em grande parte da minha educação.
Não estou a sacudir a água do capote, mas a constatar factos para compreender melhor a minha situação.
Nunca senti que houvesse desculpa para não ser a melhor ou das melhores. Sempre me foi dito que não fazia mais do que a minha obrigação. Cresci com a sensação de nunca exceder as expectativas a ninguém, por mais brilhante que fosse o meu percurso. E sempre que se funde um pequeno led nesse meu sucesso, tudo parece ficar escuro: a deixa perfeita para o meu lado lunar dar entrada.


Digo a mim própria as coisas que sempre assimilei pela vida toda.
"Não podes ficar para trás."
"Não podes desistir."
"Tens de lutar por pertencer aos melhores."
Mas nem sempre é fácil encetar os projectos destas três frases. E depois, como os treinadores de bancada e os fãs desiludidos, atiro latas e kunami para o campo resmungando comigo:
"Fraca!"
"Afinal não és assim tão boa como pensas."
"És uma fraude."
"Não vales nada."

Torturo-me a um nível inconsciente, com estas vozes implacáveis dentro de mim. Sou exigente e perfeccionista, o que invalida admitir falhas de qualquer espécie. Visto a farda do inimigo e disparo na minha própria direcção e, garanto-vos, pontaria não me falta.

Por isso digo que tenho tanto para me perdoar. Para me aceitar. Para não me recriminar.
Porque eu não estou bem e, sabe-se-lá porquê, não é de agora! Mas nem isso me dá desculpa. O meu génio maléfico riposta com factos: já passei por bem pior e isso nunca interferiu com o meu sucesso.
Pois é. Mas até aí nunca me faltaram certezas. A certeza de ser capaz, de me considerar tão boa a ponto de fazer da adversidade miúdos de galinha.

Essa certeza perdeu-se e não há factos que me a devolvam, porque sempre foi mais fácil para mim acreditar que era uma merda do que um ser excepcional.

O meu lado lunar alimenta-se com conquistas profissionais / académicas. Tenho uma colecção de falhas neste campo, que mais ninguém, senão eu, considera como falhas. Mas é que eu oiço o murmurar permanente deste Mutley interior, que por entre o mastigar das palavras faz soar sempre aquele "Fraca" que me deita por terra. E se outrora isto era a chicotada pronta para me fazer levantar e caminhar em frente, hoje é o derradeiro golpe de um perfeito Knockout.

Clamo por ajuda, mas sei que vou ter de fazer isto sozinha.
Reclamo do imbróglio de problemas em que me meti, mas todos eles foram opções que tomei.

Procuro ânimo, auto-estima, motivação, auto-confiança, e mesmo quando os encontro, finjo que não os estou a ver. Nada consegue calar o raio do cão sarnento.
Nem as minhas conquistas.
Nem factos comprovados.
Nem os outros.
E nem eu.

Lembro-me de ter telefonado aos meus pais a dar a notícia, iam eles a caminho do Algarve:
- Tou! Mãe! Entrei no mestrado! Fiquei em primeiro lugar na seriação dos candidatos!
A minha mãe do outro lado do telefone, disse-me talvez das melhores coisas que gostei de ouvir da boca dela:
- Ai, que bom! Estou muito feliz por teres ficado em primeiro, porque eu sei que tu gostas de ser a primeira.
E antes que eu pudesse calar este cão dentro de mim, ele respondeu pela minha boca:
- Pois gosto.

Orgulho? Mesquinhice? Perfeccionismo? Auto-exigência?
Sim, assumo. Tudo isso com vaidade a acompanhar.
Não é sem uma vergonha monumental que o afirmo mas, por ser verdade, não há por que o esconder...

1 comentário:

Cláudia Silva disse...

Olá, Sofia.

Parte daquilo que nos define é a complexidade da nossa personalidade. Em nenhum de nós existe uma constância linear, porque se assim fosse andaríamos todos sempre muito alegres ou sempre muito tristes, gostaríamos sempre das mesmas coisas e nunca experimentaríamos nada de novo. Não creio que nenhum de nós seja um “eu” claramente definido e muito bem formatado.

Por mais contraditório que isto possa soar, eu acredito que a nossa individualidade é feita da variedade e da multiplicidade. Somos eu e companhia…:) Ou, melhor, o nosso “eu” expressa-se diferentemente conforme um número "ad infinitum" de variáveis: a relação com os outros, o estado da nossa saúde (física, mental e emocional), as nossas expectativas, os nossos gostos, as nossas preferências, a nossa sensibilidade, o próprio tempo ou os acontecimentos do mundo…

A Sofia confiante e temerária não é a mesma Sofia insegura e hesitante. Opõem-se, é certo, mas coexistem e devem regular-se mutuamente. A dificuldade está neste processo de regulação e de equilíbrio, mas julgo que é indispensável que nos esforcemos em alcançá-lo para que nos aceitemos e nos amemos como somos – imperfeitos, maravilhosamente imperfeitos – e obtenhamos o bem-estar que tanto merecemos.

Tal como tu, também considero que devemos apontar o nosso trabalho no sentido da excelência, daquela que nos leva a investir todo o nosso potencial. É este tipo excelência que nos conduz garantidamente ao sucesso. Poderemos não ser os melhores (nem temos de o ser), mas seremos, certamente, bem sucedidos, porque a aposta pessoal foi ganha, porque fomos fiéis aos nossos princípios, porque fomos capazes de concertar inteligência, esforço, empenho e determinação.

Se olharmos os nossos feitos e o nosso trabalho por este prisma sofreremos, estou em crer, menos diante das nossas “falhas”. Aliás, deixa-me que te confesse que considero a palavra “falha” uma palavra manhosa… Quando é que falhamos efectivamente? Quando não fazemos nada. Quando existimos em promessa e não nos realizamos, quando não somos, simplesmente.

Parece-me que estás injustamente a ser demasiado dura e severa contigo. A tua capacidade de auto-análise é extraordinária e assegura-te um perfeito auto-conhecimento, mas, Sofia, considera, nas tuas reflexões, o seguinte: ninguém é bom juiz em causa própria e ninguém se julga como os outros o julgam.

Não és odiosa, como pensas.

Beijinhos