24 dezembro 2008

NATAL: folheto informativo


CLASSIFICAÇÃO FÁRMACO-TERAPÊUTICA:
O Natal pertence ao grupo das festas ansiolíticas e maníaco-depressivas.

DESCRIÇÃO:
O Natal é uma época lixada.
Ficou com os dias mais pequenos do ano, antecede a época de saldos (que já deviam ter começado em Novembro, por causa das prendas), tem um velhote simpático que distribui as prendas, ou em alternativa um menino rechonchudo acabado de nascer. Faz-se acompanhar pela árvore de Natal, presépio e muitas prendas.
Coincide com a abertura da época de caça aos Pais Natais alpinistas, que por esta altura invadem as janelas e varandas, como as bandeiras nacionais o fizeram no EURO 2004.

INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS:
O Natal está indicado para as pessoas que gozem de um bom orçamento, ou em alternativa, de muito boa vontade.

PRECAUÇÕES:
Se fôr alérgico a qualquer tipo de açúcar, a toma do Natal é desaconselhada.
Se tem problemas de peso (daqueles que se medem em quilos e não em preocupações) salte imediatamente para o Carnaval, porque apesar da terça-feira gorda tem muito menos calorias.
O Natal não causa qualquer tipo de dependência, dada a trabalheira que envolve.

GRAVIDEZ E ALEITAMENTO:

Se não fez mal à Nossa Senhora, não fará mal a mais ninguém!

CONDUÇÃO E USO DE MÁQUINAS:
A condução de veículos é desaconselhada, pois a insanidade que se encontra nas estradas continua em níveis preocupantes.
A manipulação da máquina do café é permitida, apenas para se manter acordad@ até à abertura das prendas.

INTERACÇÃO COM OUTROS MEDICAMENTOS:
As doses massivas de alegria, boa disposição e sorrisos podem potenciar os efeitos positivos do Natal.

ADMINISTRAÇÃO SIMULTÂNEA COM ÁLCOOL:
É permitida a administração do Natal em simultâneo com qualquer tipo de álcool, desde que este tenha apenas como objectivo fazer esquecer as prendas mais estúpidas e despropositadas que recebemos.

MODO DE ADMINISTRAÇÃO:
À bruta.
Começa com a euforia em Novembro e termina abruptamente com a depressão na noite de Natal.

MOMENTO MAIS PROPÍCIO PARA A TOMA:
O Natal toma-se sempre que um homem quiser (e a mulher deixar), no entanto, pelo efeito psicológico da multidão, aconselha-se a toma do Natal na noite de 24 para 25 de Dezembro.

POSOLOGIA:
Fazer um jejum durante o mês que antecede a toma do Natal, para depois poder comer tudo o que lhe der na telha. No dia vinte e quatro de Dezembro, dê início ao tratamento natalício, acompanhando com o tradicional bacalhau.

SE TOMAR MAIS NATAL DO QUE DEVERIA:
Se tomar acidentalmente mais Natal do que estava previsto, oiça um CD inteiro de Trash Metal e verá que tudo se irá regularizar.

CASO SE TENHA ESQUECIDO DE TOMAR O NATAL:

Dê graças a Deus pelas suas finanças e passe directamente para o Natal seguinte, sem mais remorsos!

EFEITOS SECUNDÁRIOS:
Como as demais festas, o Natal pode ter efeitos secundários. Os efeitos indesejáveis mais frequentes são:
- fadiga
- dores nos pés
- dedos com fita-cola
- excesso de peso
- hiperglicémia

CONSERVAÇÃO DA MAGIA DO NATAL:

Manter fora do alcance e da vista das crianças.



BOAS FESTAS!

10 dezembro 2008

Sou de esquerda ou de direita? Sou do contra!

Tenho só um tsunami de coisas programadas para esta linda tarde de Outono, mas rebento se não vier aqui soltar um pouco a "franguinha".

Vida de contratada é uma merda!
Não há como dizer isto de uma forma menos grosseira.

Não recebi o subsídio de Natal em Novembro como todos os outros, "porque não sabiam o fim do meu contrato" e por isso só me pagam os duodécimos dos onze meses que trabalhei junto com o último duodécimo: em Dezembro, por supuesto, a dois dias do Natal e a um de ter as lojas abertas.

Felizmente não tenho filhos, nem cartas do Pai Natal para atender. Ia odiar ter de dizer a uma carinha pequenina que o Pai Natal este ano está muito atrapalhado e apanhou trânsito, pelo que as prendas até podem chegar um ou dois dias depois do Natal.

Ontem soube que fico até dia 5 de Janeiro. A fulana tem junta médica nesse dia. Se a mandarem trabalhar apresenta-se no dia 6. Ora dia 5 é uma segunda, e às segundas eu não tenho componente lectiva. Resultado: posso bem começar as aulas na terça e já lá estar a colega a assumir o seu lugar! Estão a ver a cena?

"- Olá meninos, era só para vos desejar um bom ano e adeus!"

Isto até é ver as coisas pelo lado bom. Se a colega ainda meter as férias que lhe faltam, ou for mandada para casa com atestado, eu provavelmente não vou receber o mês de Janeiro. Ora porquê? Porque os vencimentos são processados até ao dia 3 (mais dia, menos dia) e no dia 5 ainda ninguém sabe se eu fico o mês inteiro ou se vou pastar para outra freguesia.
Que simpáticos! Dão-me o subsídio de Natal no Natal e o ordenado de Janeiro no Carnaval!

A cereja no topo do bolo é a contestação dos professores. Os outros, claro, porque eu não sou professora. Eu nem sequer sou considerada pessoal docente no estatuto da própria carreira. Eu sou "carne para canhão", que é o que é uma professora de substituição.
Vou lá preencho os buracos dos outros, e as escolas passam por mim, como os comboios na estação: sem saudades nem grandes emoções.

Vou sair e ninguém vai dizer: "que saudades vou ter de ti", mas reconheço que isso também deriva da minha própria personalidade. Não sou uma pessoa amistosa, e normalmente sinto uns olhares desconfortáveis na minha direcção. As pessoas acham-me... como é mesmo o termo técnico?... ah! Nariz empinado! É isso!
Parvas. Eu tenho o nariz aquilino, mas podem charmar-lhe grande, apinoquiado, o raio que os parta, mas de empinado não tem nada.

A vida de contratada de substituição não é uma vida triste, mas não é a que sonhei.
Ninguém sonha em ser um Zé-Ninguém ou uma Maria-Ninguém.
Isto é uma vida que não dá alento para levantar da cama ao fim de 20 anos e dizer: ora vamos lá começar mais um dia!
Nem ao fim de 6 anos e meio, quanto mais!

Sinto-me sempre como uma coisa descartável, que ninguém quer ou pode guardar consigo. Sou sempre deitada fora, tenha feito bem, tenha feito mal. Sou sempre tratada partindo do princípio que se tenho alguns dos direitos daqueles que são efectivamente "professores" isso é sorte, e não um direito legítimo. Afinal eu sou uma tapa-buracos, uma aspirante a professora.
E vejo tanta merda por aí, tanto mono a dar aulas.

Porra, às vezes tenho a sensação que estupidifico. E caramba, caia-me já aqui um raio para incendiar esta vaidade, mas eu até me considero uma rapariguinha esperta!
Vejo tanta burrice, inacção, estupidez, ignorância, letargia, demagogia e pseudo-pedagogia...
Que raio de mundo é este a que nos habituámos a chamar de Educação?
Que tipo de pessoas são os alunos que saem das escolas? São boas pessoas? Honrosas? Sinceras? Honestas?
A sucessão de pontos de exclamação é puramente retórica, porque depois de saber que há um pobre diabo que termina o 12º ano numa Nova Oportunidade e entra em Medicina pelo contingente da alta competição... bom, tudo é possível.

Os professores agitam-se e os sindicatos também. Eu agito-me contra uns e outros, e obviamente, contra a ministra e o seu superior.

Eu sou uma besta empalhada (porque professora não sou!), porque os meus colegas se marimbaram para a greve na altura da aprovação do estatuto da carreira docente.

Eu vou concorrer por oferta de escola no meu próximo contrato e ser preterida em relação a outra candidata porque um dos critérios de selecção é ter olhos azuis. Eu ando deprimida, mas não tanto!
Onde estavam os 120 mil na altura da aprovação da legislação para contratos de escola? Estavam em casa, a dormir, a dar banho aos filhos, a ver televisão e a fazer o jantar.

O ano passado fui avaliada. Curioso! Ninguém mandou pedir a suspensão de uma avaliação que é implementada em Fevereiro para executar até ao final do ano lectivo que tinha começado em Setembro. Mandaram-me estabelecer objectivos individuais em Abril!!! Ora, por favor!!
Agora ainda estamos no 1º período, e a avaliação que serviu para mim o ano passado já não é suficientemente boa para todos os outros (professores, claro!).
Os sindicatos entenderam-se com a ministra, era só sorrisos, tudo se resolveu a bem e ninguém mais andou para aí na rua a fazer figuras tristes ao frio.

Apetece-me fazer um daqueles silêncios bem desconfortáveis, de 10 ou 12 segundos, olhar as pessoas nos olhos e perguntar:
MAS QUE MERDA... É ESTA?

E vêm-me falar de greves?
Greves, meus amigos?
Greves fiz eu três, na altura que devia! Antes das aprovações dos decretos-lei. E porquê? Porque estava atenta, porque me importava, porque percebi só metade da MERDA que estava por vir e já me assustei.
Vocês não viram foi MERDA nenhuma.
Caiu-vos toda em cima!
Três dias de greve em dois meses diferentes, que prejudicaram o vencimento de um mês só!
Um mês de vencimento de uma contratada não profissionalizada é uma vergonha indescritível, a julgar pelo trabalho que se tem.
E agora, professores e sindicatos, acordam como a lebre e resmungam pela vitória face à tartaruga? Essa é que a fez bem: pela calada.
Agora, não vale a pena lamentar.

Não sou derrotista, sou apenas observadora.
Este governo não vai mudar uma vírgula, porque se o fizesse, este país não tinha mais governo. Os professores não podem pôr em cheque um país, como os camionistas ou os médicos. Deus nos livre!
Dar a ilusão de que os professores têm algum poder? Nem pensar! Afinal o estrago só se sentirá daqui a uns anos, enquanto que os pacientes morrem nas mesas de operação e as prateleiras ficam vazias nos supermercados. Isso sim, é dramático.
Os professores são apenas mandriões que não querem trabalhar!

Contra isto toda a gente se "alevanta". Todos se enfurecem e esquecem a hibernação em que têm vivido. Vamos para a greve e toma lá 90% de adesão a ela!

Greves, meus amigos? Greves???
Se isso é a vossa estratégia para ir contra esta MERDA, então MERDA para vocês!

Eu não faço (mais) greves!
Se eu não sou Professora, e nem sequer considerada Pessoal Docente, então avisem-me q
uando houver Greve dos Forcados, porque se são sempre os contratados que vão aos cornos ao touro (seja ele avaliação, ministra, contratos precários, etc.) então aí eu faço greve até gastar as fichas todas!
Porque apesar da MERDA toda em que a Educação está metida, eu estou mesmo saturada é de ser (en)Forcada.

06 dezembro 2008

Já passou mais (de) um mês...

Ontem recebi uma mensagem curiosa.
Não escrevo no meu blog há mais de um mês, e o SMS perguntava se estava tudo bem comigo?

Eu páro um bocadinho para pensar e concluo que não deve estar.
Procuro mentalmente as razões que me fizeram fazer outras coisas, em vez de vir fazer testamentos para o mundo virtual. As razões não importam muito. As proporções é que lixam tudo.

A Divina Proporção é difícil de achar, ou não se chamaria divina.
Queremos fazer tudo e fazemos muito de algumas coisas, mas tudo, nunca conseguimos fazer. No final de cada semana acertam-se as prioridades. Sinto, obviamente, a frustação própria de um cientista que procura e não encontra, mas tento ver as coisas como Edison, pensando que pelo menos descobri mais uma maneira de como não fazer as coisas na Razão de Ouro.

Já passou mais de um mês desde que escrevi aqui.
Já passou mais um mês de escola, num contrato que se prolonga nem sei até quando. Sempre com o futuro em suspenso, sempre sem fazer planos a longo prazo.

Não me faltam cochichos para partilhar.
Tem-me faltado apenas o tempo que gostaria de ter para mim, para poder estar aqui frente ao portátil, sem complexos de culpa, a aliviar as angústias que vão cá dentro.

Quem está comigo no dia-a-dia, tem comprovado o quão contestatária tenho estado. Reclamo / reinvindico / exijo pelo menos uma vez por dia, e quando cheguei à brilhante conclusão: "- Olha, hoje não reclamei de nada!", logo me lembrei que estive no Conselho Executivo a exigir o cumprimento rigoroso da minha componente não lectiva, e tudo isto para não numerar duas lições!

Não sei o que se passa comigo.
Agora parece que não deixo passar nada em branco.
A não ser o meu blog...

05 novembro 2008

Força para (des)conhecidos

Eu tenho aquela certeza de que os desejos com mais força de concretização (há quem lhe chame orações) são aqueles que vêm das pessoas desprovidas de qualquer interesse pessoal no assunto. Aquelas pessoas que só querem é ver os outros bem.
Dou comigo a formular desejos para melhorar, recompor e assegurar a vida dos outros. Pensamentos sentidos e projectados com força para que a sua realização seja breve.

Por motivos óbvios vou omitir os nomes:

Que A tenha a criança no tempo certo, numa horinha pequenina, e que a menina venha com toda a saúde que se pode desejar.

Que B tenha o seu menino cheio de saúde, e que saia ao pai - uma pessoa exemplar!

Que C encontre a força para saber que é uma pessoa cheia de capacidades que eu admiro em todos os aspectos, e que certos sacrifícios em termos de investimento de tempo e dedicação compensam no futuro, mesmo que nos pareçam demasiado difíceis de suportar no momento. Mais tarde, nós próprios, orgulhar-nos-emos de termos sido tão capazes!

Que D encontre a paz de espírito e tenha hoje feito umas comprinhas para animar. Fiquei destroçada por vê-la naquele estado, mas estou a fazer força para que depois do dia de hoje, os céus lhe reservem uma prenda boa, um bom acontecimento, para compensar.

Que E e F encontrem um emprego em breve, que os realize e compense justamente em termos monetários.

Que G aprenda com o passado.

Que H viva no presente.

Decerto, todos encontramos um pouco de nós em cada um destes desejos...
E fazer força não dói nada!

02 novembro 2008

A franga quer-se suada!

Ponho-me a ouvir Yael Naim quando já estou pró-depressiva e no que é que dá?

Ao fim de semana prepara-se o espírito para a semana que vem. E se eu amanhã me levanto assim, credo, nem vou chegar a quinta-feira!
(Toma lá, Scissor Sisters, 'cause I don't feel like depressing!! No, sir, no depression today! )

A semana que passou não foi brilhante. Tirei-me do sério! O que raio é estar no sério? A sério levo eu tudo e depois tiro-me de lá, sem querer, e sem desculpa.
Os miúdos, sempre os miúdos. Será que a culpa é sempre deles? Não.

(Aproveito a onda reminiscente dos eigthies e ponho-me a ouvir Stevie Wonder - "Esteves Maravilha" - numa música muito pimba sobre telefonemas lamechas!)

Estava eu a dizer... ah! Mea culpa.
Tenho-me passado dos carretos, que segundo sei são rodas dentadas por onde passa a corrente das bicicletas. Volta e meia, solta-se a corrente e malta fica a pedalar no vazio. Eu soltei a minha corrente, mas gosto mais de lhe chamar franga!
Quando solto a franga só sai asneira. E por isso é que se trata de uma franga e não de um pavão. Um pavão tem maneiras, educação, postura e elegância. As frangas, não.
As frangas apertam-se com força entre os braços, contra o peito. E um dia, num dado momento, instante, segundo ou milionésimo apetece-nos largar o raio da franga e deixá-la a pastar durante um bom bocado!!

(Depeche Mode)

Eu sei que larga penas por todo o lado, eu sei que suja tudo, eu sei que vou ter uma trabalheira a limpar, eu sei que a franga depois de solta nunca mais se cala, eu sei que diz o que quer e o que não quer e sei que mais tarde vou-me arrepender e pedir desculpa por isso.
Eu sei que largar a franga dá mais trabalho, do que alivia a tensão, mas I just can't get enough.

(Entram os The Communards!)

Don't leave this way!
Oh franga, não me deixes assim!
Acalmem essa franga que anda por aí aos pinotes!
E nada!
Eu atrás dela e o raio da franga foge de mim como um maluco do manicómio! A comparação não é brilhante, mas a minha saúde mental já esteve melhor!

Vizualizo-me atrás da franga ao som dos The Communards (!).

A semana foi uma canseira, eu ainda estou estafada, e amanhã tenho outra pela frente.

(dá-lhe com os Pink Floyd!)

Hey, teacher leave the kids alone!
Que eles não precisam de educação, não precisam de nada.
A Lurdinhas tem sido o Pai Natal deles: dá-lhes as boas notas e os computadores!
Nem vale a pena lutar contra o sistema...
Deixa de pensar que consegues mudar o mundo, que saltar-te a tampa também não vai ajudar em nada. Deixa os miúdos em paz que eles não merecem esses teus maus momentos. Nem tu!

E já que estamos numa temática zoológica, aqui vai:
"Cavalinho na feira a comer" - Claro, Men at Work!

Depois de curtir a onda da música, já me esqueci que estou numa de "Down Under", já não sei onde anda a franga e já nem estou preocupada em apanhá-la.
As frangas acabam por adormecer, porque ninguém
aguenta acordar todos os dias ao raiar do sol e correr que nem uma maluca até cansar.

Ah!
Isso queria eu!
A minha franga é uma doida, que adora Beastie Boys!!

You gotta fight,
for your right,

to paaaaarty!!


Estão a ver a cena?

20 outubro 2008

"Tu não eras assim..."

A propósito de um dia em que tive de estar em jejum para a colheita de sangue e não pude tomar o bendito comprimido da manhã.
Aparece uma fila de trânsito que faz demorar um percurso de 15 minutos numa hora; um condutor raivoso por lhe passarem à frente na fila, enquanto ele pára descaradamente no eixo da via para falar com os trabalhadores; e pronto!
Solta-se a adrenalina que é o meu equivalent
e interior para o Diabo da Tasmânia.

Mudei de rádio vezes sem conta, mas sintonizar seja o que for, ali para a Serra de S. Luís, é um desgaste ainda maior.
"Olha para o sol, para os passarinhos, para o alcatrão acabado de assentar, e esquece esse atrasado mental que vai no carro à tua frente, a quem só te apetece mandar umas duas ou três lambadas, por se armar num condutor muito ético e afinal está descontraidamente ao telemóvel. Vá à merda!"
Perdoem os sensíveis, mas de vez em quando também é preciso!

Fazem-se uns telefonemas, conversa-se um pouquinho para amansar o génio, e a lâmpada apaga-se, depois de me ter electrificado durante umas duas horas e meia. É certo que a esta hora já tinha o comprimidinho no bucho e já começava a fazer efeito, mas não há nada como virar a cabeça para outro lado e falar sobre tudo aquilo que não é o que nos está a chatear no momento.

Entretanto, espiolha-se a net em busca de um psicólogo, na esperança de que houvesse um site do estilo: "psicólogo altamente credenciado, pessoa séria, com um currículo vastíssimo, membro de não sei quantas mil associações ligadas à coisa, marque já a sua consulta, acordo com a ADSE". Acordo!
Eu acordo é para a vida, e faço a pesquisa como quem anda à caça ao gambuzino, à meia-noite e numa mata escura!! Lá se encontram uns nomes, umas moradas e pronto, vamos começar a tentar.

Refaz-se mentalmente o historial clínico: "por onde é que eu vou começar?" e lembro-me do que a Ana me disse ao telefone: "tu não eras assim".
Pois não.


Talvez eu sempre tenha sido ansiosopositiva, mas o vírus só activou quando entrei no mestrado. Porque "lembrar" é sempre um verbo que me é particularmente caro (pago em angústia normalmente) aqui reproduzo o que escrevi há cerca de 4 anos, para tentar compreender (ou direi antes, lamentar) esta condição em que tenho vivido submersa.

Uma altura da minha vida em que voltei à escola, em que viajava de comboio de Portimão para Lisboa todas as semanas, uma altura em que a minha vida foi, precisamente, um furacão, hoje transformado em tempestade tropical e só nalguns dias do ano.

19 NOV. 04 (Este foi o primeiro dia de aulas do mestrado)
Estou tão feliz! Tão realizada! Sinto-me tão bem sucedida!!! Alegre como quem como um doce sem culpa de engordar. Cheia, satisfeita, preenchida.

25 NOV. 04
Finalmente!! Estou no comboio, a caminho de Lisboa! Santa paciência, Deus diverte-se mesmo a ver-me sofrer! Depois do táxi que não chegava, depois de todos os vermelhos que apanhámos, lá arrastei a minha malinha (entenda-se que isto é um eufemismo - !!) pelas tabuinhas da linha de comboio e esperei. Pensava eu que ia chegar atrasada. Bom, este comboio regional é um caos! Mal consigo ver o q escrevo. NEm vou conseguir ler assim!
Enfim, agora está a ser giro, e tem estado a ser giro. Não tomei ainda café. Não me faz falta, mas queria um miminho, uma coisa pequenina e quentinha.
Já vamos em Alcantarilha. Depois é Algoz e depois Tunes.

26 NOV.04
Bom... sabem aquela sensação... aquela sensação de não ser su
ficientemente boa. (inspirar) ...
Aquela dramática e tortuosa sensação, que me perseguiu pela vida vida fora e ainda me atormenta, como um fantasma numa casa assombrada. Senti-a, sinto-a hoje. Que dor.
À semelhança com a casa assombrada, eu também tenho os estores corridos, os móveis tapados, o pó aculumado nos beirais das janelas e as teias de aranha a ligar todos os pontos da minha casa. Eu sou uma casa assombrada. Se não fosse, não era atormentada.
Esta sensação corroi-me como um ácido. Não posso fazer nada.
Talvez esta atitude de conformismo, "não posso fazer nada", seja mais uma teia de aranha que eu alimento. Mas corroi-me saber que ... até me envergonho de o dizer, mas por ser verdade aqui vai: que não sou a melhor.
Pronto.
Não sou.

E de repente, os meus sonhos, passam a ser eles próprios teias de aranha. Depois de saber que eu não vou à frente na corrida, de repente a meta parece-me demasiado longe. Como se fosse uma subida e não uma corrida. Ou como se fosse um comboio. Acredito na maior parte das vezes que sou um bom comboio, com qualidade, que viaja depressa e que tenta servir cada vez melhor os seus clientes. Sou um alfa pendular, ou pelo menos acredito que sim. Um dia passa por mim um TGV e todo o meu pequeno orgulho nas minhas viagens cai, como um semáforo vira verde. Ao ver a velocidade do TGV, penso que não passo de um comboiozinho, metido a besta, com a pretensão de ser rápido. E com isto deixo muitas vezes de ser comboio a sério para ser de brincar.
Para quê sonhar afinal? Mas alguma vez poderei chegar lá? Para quê sonhar com grandes viagens se eu afinal não estou destinada a ser de longo curso? Viagens dessas são para os TGV's. E todas as minhas viagens, as mais morosas e complicadas, nas piores condições atmosféricas, com todos os problemas técnicos que eu possa ter tido, ficam reduzidas a uma insignificância perante um T
GV.
Todos os destinos deixam agora de estar disponíveis para mim, mesmo que eu tenha locomotiva para isso. Simplesmente acho que o TGV chega lá mais depressa e eu nem fui feita para viagens internacionais. O que é nacional é bom e eu cá fico-me por isso. Alegremente continuo a fazer os percursos Porto-Lisboa e Lisboa-Faro, mas a vontade de ir a Barcelona não me larga. É aqui que sinto a sensação de não ser suficientemente boa, que agora vejo não ser mais do que não ser tão boa como um TGV, mas ser suficientemente boa para lá chegar. Será que a estação tem plataformas para receber mais do que um comboio? Posso até chegar tarde, mas tenho de tentar.
É sempre a curiosidade que ....


11 DEZ. 04
Sinto uma ansiedade a trepar por mim acima como um uivo cresce na noite. Intenso, a cada segundo que passa, cada vez mais insuportável.
Repito a mim própria aquelas frases para nos porem bem, que não são mais do que angustiantes. Não melhoram e fazem-nos perceber que não há nada a fazer: est
amos doentes e não há cura para nós.
Fracassar é um tremendo sucesso. Lindo. É uma boa frase feita, que pelos vistos as minhas entranhas não acreditam.
Fracassar deve ser encarado como um sucesso por ser exactamente uma etapa. Eu vejo-o como um fim, como se a partir daí me colassem na testa uma etiqueta, jamais descartável, de "loser". É um medo tão grande... Já tenho 26 anos, e rugas que não desaparecem quando páro de sorrir, e ainda tenho medos, destes grandes, paralisantes e angustiantes como os das crianças.
Enchi-me hoje de coragem e participei. Participei na aula, falei. Condenada ao silêncio pelo meu próprio medo: que grande ironia para uma pessoa que considera vital o acto de falar.
Mas hoje falei. Correndo riscos. O risco de ser ignorante, de me considerarem ignorante (não sei qual deles o pior) e o maior risco de todos: o de ser óbvia. O risco que me acompanhou no curso. O risco que tem o dom de me bloquear. Correndo o risco, caí nele. Pelos vistos, fui óbvia. Estas duas palavras intensificam incomensuravelmente o meu uivo. Auuuuuuuuuuuuuuu!

A perspectiva terapêutica apodera-se, toma conta do assunto. Ora bem, o que temos aqui é um caso de ansiedade, motivada por um medo e que se traduz num bloqueio da acção. Como resolver? Relativizando a situação para lhe retirar a importância desproporcionada. Alguma coisa destas está a fazer efeito?
Auuuuuuuuuuuuuuuuuú!!!!
Não.
Ok. Vamos tentar outra coisa. Minimizar o sucedido. Afinal foi só uma aula, foi só uma intervenção e eu não posso esperar lançar assim ideias fascinantes como os outros.
Pensava eu que estava na "mouche" da questão. O homem respondeu e eu nem sequer percebi a resposta dele. Se calhar o que percebi nem era nada do que ele queria dizer, se é que percebi alguma coisa.
Está a resultar?
Aúuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!
Ok, não vamos piorar as coisas!
"Ana Sofia: (gosto de me dirigir a mim própria desta maneira directa tal qual fosse outra pessoa) CALMA".
Não vou enumerar razões para não ter realmente fracassado. Eu sinto que fracassei, e não há comprimido que prove o contrário. Vou antes tomar o fracasso como ponto de partida e lidar com ele. Aceitá-lo em vez de o negar e evitar.

(O lobo calou-se e olha para mim atentamente, expectante)

Se fracassei, se disse uma barbaridade óbvia, significa que arrisquei. Que enfrentei o medo e que isso já é um bom passo a dar.
Se fracassei, e tudo indica que sim, já sei que aquela observação é óbvia e aprendi com isso.
Se fracassei, e creio não haver dúvidas quanto a isso, cresci e mais vou crescer se não me impedir de correr o risco de fracassar. Correr riscos e atirar-me de cabeça num precipício são coisas diferentes.

"Ana Sofia, de uma vez por todas, aprende.
Aprende de uma vez.
Para que não tenhas de passar a tua vida na escola."


Adoro o termo "desempoeirada". Gostava eu de ser uma rapariga mais desempoeirada: menos teias e mais sonhos, menos pó e mais vontade.
Desempoeirada soa-me a alguém que não pára, como o comboio, que nem deixa a poeira assentar.

Percebem-me agora? Eu percebo. Sei exactamente o que vou contar ao psicólogo: uma história com Diabos da Tasmânia, lobos, teias e comboios.

E porque quando falo de ansiedade penso em lobos e gigantescos uivos interiores, aqui fica a foto do lobo que apadrinhámos no aniversário do André, para corrigir a ideia de que a existência dos lobos se resume a uivar e a comer avozinhas e porquinhos.
Os lobos também ficam em baixo, também têm feridas, também são fracos. Apresento-vos o Zimbro, o macho ómega (vulgo o que leva na corneta de todos!).

Um lobo manso, doce, por quem só nos podemos enternecer.
Tudo o que eu gostava que a minha ansiedade fosse...

02 outubro 2008

A fura-casamentos

Já dei festas porque era lua cheia, porque fazia 7 anos que namorava com o André, porque fazia anos, porque os outros faziam anos. Já me cantaram os parabéns junto com a noiva no seu próprio casamento, mas a que vou contar é mesmo uma estreia.

Fiz 30 anos.
Não dói nada, não faz crescer mais cabelos brancos, mas a mim tem-me feito crescer "pêlo na venta".

Os 30 estão a dar-me uma força para ser eu, para ser desbocada (como em tempos fui), para exigir o que acho correcto, e para chamar a atenção do que não acho. Desde que fiquei colocada a minha vida entrou num rodopio apenas comparável com um furacão de grau 5. Seguia todos os dias para casa, ou melhor dizendo, para a Azeitão, lembrando a mim mesma que hoje ainda mexia as mãos e os pés e que sabia falar e movimentar-me sem qualquer ajuda. Quando nos agarramos a este tipo de coisa estamos mesmo à beira do abismo.

Apeteceu-me escrever sobre esses abismos, essas maldades, essas mesquinhices, essas tropelias, acidentes e incidentes que me acontecera
m. Pensei eu: "vai escrever no blog, que liberta!" Mas de seguida pensei que gosto de me reler e que não tenho prazer nenhum em recordar o que foram estes 15 dias para mim. Vou esquecê-los, virtualmente, porque obviamente ainda me estão a atormentar.

Entrei nos 30 já a comprimidos. Isto é que é começar bem! Já não me envergonho de dizer isto. Aos 30 já é suposto andarmos a comprimidos. Aos 40 é antipdepressivos. Lá chegaremos, tenham calma!

Isto tudo para dizer que fiz trinta e sinto-me fresca e fofa, como a dona Papoila era tola, tola, tola. Sinto que tenho vivido num poço de frustração: por ter 30 anos e nada parecer bem. Por querer comemorar e a minha vida andar num estado de caos tal que dar festas até me parece (vejam bem, logo eu!!!) uma coisa sem sentido.

Os deuses (claro que só acredito num, mas fica mais poético pensar que tem muitas facetas) pensaram e muito bem:
"- Vamos atirar uma festa à rapariga"
E alguém se lembrou, tenho a certeza que foi a faceta de Baco a falar:
"- E que seja surpresa!"

Inventaram, pois os deuses são muito inventivos, um casamento!
No sábado lá fui eu e o meu gajo, impecavelmente vestidos, para um casamento de dois amigos. Sabe-se lá porquê, talvez por ter feito anos num
a 5ª feira e saber que no sábado não iria ter o merecido forrobodó, decidi de antemão que a nossa mesa tinha a de ser a mais divertida e animada.

E de facto, na mesa foi só risada misturada com planos para desgraçar o carro aos noivos. Fotografias a torto e a direito e só porque sim.
E eis que começa a música.

Desde a mímica das lyrics até ao saltar da cadeira para a pista foi, literalmente, um passo de dança.
Amigos do noivo e da noiva, juntos na mesma mesa, com o mesmo espírito de farra! Estão a ver a onda? A festa que nós fizemos foi tanta que
quando o DJ pensava que ia arrumar as coisas para dar de frosques e ainda estávamos nós ali a pedir a música mais alto. Às tantas o homem rendeu-se à nossa animação e ficou a curtir connosco de auscultador no ouvido e nós em círculo a dançar à desgarrada no centro.
Figuras tristes? Muitas!
Risota? Até cair!
Pés pisados? Claro, faz parte do conjunto!
Mas adorei.
Adorei estar a comemorar ali, secretamente, no casamento de dois amigos, o meu aniversário, os meus 30 anos, com todas as minhas conquistas, sucessos e falhanços também.
Adorei porque me esqueci de quem era e lembrei-me
de quem eu sempre havia sido. E se dúvidas houvesse, foi quando me agarrei ao primeiro que apareceu para formar um comboio humano ao som do (não podia faltar!) "Apitó comboio" que tudo me pareceu distante.
Não me lembrei de mais nada. E este nada é um TUDO enorme de pequenas e grandes coisas que me deixam devastada, cansada e sem forças. Que conseguem romper a minha carapaça e me fazer baixar os braços em desistência.
E desistir é próprio dos fracos.
Mas a mim ainda me sobra muito orgulho para não me considerar um deles.
Porque o SOL volta a nascer amanhã, e a escuridão que paira aqui e agora dissipar-se-á, inundada pela luz quente e meiga do Outono.


Numa festa que não era minha, consegui domar o furacão que pairava sobre mim, para fazer brilhar numa noite estrelada todos aqueles que me rodeavam e que transmitiam uma energia positiva. E isso bastou.
Mesmo que não estivessem todos aqueles que eu queriam que tivessem estado, estiveram os suficientes para eu, naquele dia, ter sido feliz, sem pensar no que me esperava fora dali.

No final, fui agradecer ao DJ, por nos ter aturado mais que a conta, até todos os convidados se terem ido embora e só restarem aqueles que esperavam a boleia dos familiares dos noivos (sim, porque a esta hora as mesas já tinha sido levantadas e desmontadas!!)
O DJ foi um querido, e quando nós estávamos a arrumar as tralhas, a aconchegarmo-nos nas écharpes, começa a tocar aquele piano inconfundível que qualquer pessoa da "minha idade" sabe de cor.

O Dartacão.


De malas em punho, sacaria, casacos, echarpes e máquinas fotográficas, cantámos a letra toda até ao fim e até saltámos no refrão!
Que grande despedida:
- da festa de casamento.
- de vinte e nove anos bem passados.

- de uma maneira de ser que cultivei desde pequena: a de sentir que tenho de pedir desculpa por existir.
Neste dia fiz o que me deu na telha, sem verg
onhas, sem medos, sem hesitações.

Claro, que lá para o final da noite os meus cabelos lisos já estavam noutra "onda", mas nem isso me fez parar: o cabelo a pingar, a blusa ensopada, cansaço e pés muiiiiiito doridos, que a música dos eigthies quer-se é mexida e os saltos altos, por esta altura, já eram um instrumento de tortura!

Resumindo e baralhando: Comecei os 30 a "furar casamentos", a meter festas de aniversário à socapa nos copos-de-água.
A ser inconveniente, como fui por exemplo a gritar em frente à mãe da noiva, mas pronto, ao som da música:


The roof the roof the roof is on fire
We don't need no water let the motherfucker burn
Burn motherfucker burn

(Oh, meu Deus, e nem sequer tenho a desculpa da bebida, porque onde é já ia o Baileys a esta altura!...)

Comecei os 30 a fazer asneiras!

E o pior de tudo é que gostei!


Jovem casal procura parceiros de farra para furar-casamentos!
ou
Próximo casal a ver o seu casamento entremeado com festas dos amigos!

11 setembro 2008

E ainda agora vamos a começar!..

A Cabovisão tem destas coisas.
No dia e hora exactos em que precisamos de saber o que vai acontecer à nossa vida lembram-se de cortar o serviço!

Passei uma manhã inteira isolada do mundo: sem televisão, telefone fixo e, sobretudo, sem internet.
- Nãaaa! Não vou ficar aqui à espera passivamente, que eu ontem já estive a comprimidos e hoje não vou repetir a dose!

Apoio ao Cliente (felizmente havia telemóvel): a música do costume, mas com riscos e ruídos insuportáveis. Claro que reclamei de tudo o que me deu na real gana, inclusive da música de espera. Soluções? A de sempre: esperar.

Desta vez eu esperava com a ansiedade própria de quem espera uma endoscopia.

Telefono à minha mãe que me consegue ver as listas pela net do emprego.
-Vou ver nos Colocados! - dizia ela, enquanto eu virava a cara e fechava os olhos como se estivesse prestes a apanhar um susto num filme de terror.
- Estás aqui!!! - supõe-se na dita lista.
- Aqui? - e penso: Se estou "aqui" é porque estou colocada, seja num gueto, seja no secundário, seja muito ou seja pouco, já não há nada a fazer.
Da minha boca saiu um "oh, não!" tão genuíno que a minha mãe até se assustou.
- Oh não, porquê?

Porquê.
Porque ser professora implica ter estrutura anti-sísmica. Daquela em que se pode levar um empurrão (físico, mas mais psicológico) e a pessoa, se abanar, pelo menos não cai.

Sinto-me toda... desestruturada. Toda molenga, tipo gelatina. Se alguém soprar na minha direcção acho que caio para o lado e isto não é compatível com a profissão.
Sinto-me sem forças nem vontade para combater as tropelias que a Lurdinhas inventa a cada dia e cheguei a este estado de exaustão porque já dei mais de mim do que queria dar.
No final, mostram-me sempre a porta da rua.
"Ah, gostámos muito do seu trabalho, mas a porta é ali."
Contrato, após contrato, após contrato.
Não tenho visto o trabalho como um meio, sempre o vi como um fim. Um prazer, um objectivo de vida, um contributo humano. Sonhos...
Sonhos, que sem eu saber como, passam a balelas e fazem da minha vida uma existência sem sentido, presenteada com o belo "Acorda para a vida!" de 31 de Agosto.

Cheguei à triste conclusão de que gosto menos de mim e que o Ensino tem muita responsabilidade nisso.
Não me queira eu enganar que não é o trabalho, a burocracia, as avaliações, os modelos de gestão, os estatutos. Não é nada disso que me põe triste.
É o Ensino, no esplendor da sua ausência de valores, que me faz sentir mal comigo própria, me provoca frustrações recorrentes, ansiedades e angústias desnecessárias.
É isto.

"Ah e tal! Tu devias era aprender a lidar com isso em vez de pores a culpa no ensino"
Pois devia... mas saber disso ainda me deixa mais deprimida.

27 agosto 2008

O que faço à minha vida?

É sintomático quando fazemos esta pergunta para nós e, sobretudo, quando nos damos ao trabalho de a googlar.

"O que faço à minha vida?" digitei eu na caixinha de pesquisa. Surgiram, logo a seguir, vários ecos da minha pergunta.
De repente, lembro-me que o meu nada problemático estado de desorientação para se expressar, pode utilizar a mesma frase que um moribundo numa cama de hospital, um deprimido na beira da ponte, uma mulher que soube estar grávida de um filho que não tem possibilidades para criar, uma pessoa que chegou ao fim do mês sem que o dinheiro chegasse com ela até ao último dia...
Numerosos podem ser os problemas, e desastrosos também.

O meu não é um problema. Eu sou gaja, eu arranjo problemas onde eles não existem!
Senti vergonha de me pôr a googlar desgraças, que ainda por cima parecem ser mais dos outros do que minhas!

Valeu encontrar alguém que, pela maneira como expôs as coisas, presumi ser mulher e afinal era homem (com cadastro de mulher noutra encarnação, disso tenho a certeza!!).
"Aqui vos estendo, como um lençol na corda a secar, a minha opinião e a minha visão sobre a vida".

Hum... Habituei-me a acreditar que os homens, embora tendo a sua opinião, não possuem uma visão sobre a vida, porque isso são questões muito filosóficas e que de nada servem à sobrevivência humana. Não alimenta, não paga contas, não dá dias de férias. Eu, contudo, sou uma pessoa que gosta de filosofar. Filosofo sempre que me dá na telha, mas sobretudo à noite.

Deito-me e fico de luz acesa, a olhar no vazio, até que me apeteça ler. O André pergunta-me porque não me ponho a ler para mais depressa apagar a luz. Eu respondo sempre:
- Agora estou a pensar.

Eu deito-me, aconchego-me e penso. Penso... penso... penso... olho para as paredes púrpura e penso, olho para o candeeiro e penso, mexo os pés um num outro e penso. Penso. Tal como se respira, sem ser por vontade, sem ser pensado. Pensa-se e pronto.

Estes meus "pensares" por vezes evoluem e, lá para as duas da manhã, tornam-se argumentações filosóficas ao mais alto nível. Normalmente dou conta deles ao regressarmos de carro de uma sessão de cinema à meia noite, que termina por volta da hora crítica, e em que eu venho pelo caminho todo a falar sozinha, porque o André já adormeceu e já só vai a conduzir em piloto-automático.
Interpelo-o ao fim de um longo discurso, e convoco a sua perspectiva para me dar ainda mais balanço para a argumentação seguinte.

Claro que ele me dá um corte valente, porque àquela hora, só mesmo eu para dar na veia filosófica.
Não é a primeira vez que acontece, não será a última.

Isto para dizer que há certas pessoas mais atreitas a pensar no sentido da vida, das coisas, e das insignificâncias diárias, mas nunca pensei que também houvesse homens.

Aliás, a metáfora do lençol estendido como numa corda a secar é de um poder visual, de uma tal beleza, que por momentos me ocupou a visualizar alguém estendendo o lençol do seu pensamento. Que brancura, que frescura, que simplicidade. Como se o pensamento fosse Verdade, e a Verdade fosse o reflexo de cada um de nós.

É à noite que me dá para pensar. Com os lençóis todos emaranhados no corpo, procuro apenas a corda para os poder estender.

Todas as noites a mesma pergunta me faz pensar:
"- O que faço à minha vida?"
Todas as noites pego no livro e digo para mim:
"- Não vale a pena pensar nisso. Amanhã é outro dia."

19 agosto 2008

A minha casa é o meu refúgio...

A nossa casa é a nossa fortaleza. É onde recuperamos forças, onde saramos as feridas. É o nosso mundinho, o nosso cantinho, o pedacinho de chão que nos acolhe e o pedacinho de tecto que nos abriga.
É a força que nos protege e recarrega as baterias, mas não é inesgotável. As fortalezas também são atacadas, desvirginadas, corrompidas e aquilo que parecia ser o nosso último reduto é um canto do mundo como outro qualquer, exposto à adversidade, sem qualquer escudo.

Saio para férias, acho que sempre com o único motivo de querer voltar para casa. Tenho saudades da sala, tenho saudades do sofá, da cama, da almofada, da televisão, do estúdio... E desta vez, lá de longe, a casa parecia-me uma muralha deitada abaixo, impossível de reerguer, impossibilitada de me proteger.

Cheguei a casa? Isto não é casa. Cheguei ao sítio onde moro, saudosa por um lugar que não existe mais aqui, um lugar de paz para mim.

As muralhas estão derrubadas, e depois das "férias" só me resta arregaçar as mangas e começar a levantar a altura dos muros. Diz a experiência que a adversidade não irrompe por onde quer, mas até onde nós deixamos.

A minha casa é o meu mundo, o meu sossego, o meu canto.
As paredes já não são de tijolo e cimento, e constroem-se na minha cabeça com paciência, tempo e determinação. Barreiras mentais são mais difíceis de subir do que três fiadas de tijolo, mas espero (estou a contar com isso!) serem mais eficazes.

Um beijo especial a todos os que vivem em apartamentos e têm que aturar as adversidades vindas dos vizinhos.

20 julho 2008

Porque o passado não se arruma em caixas, arruma-se em prendas!

Tinha feito uma vigilância pela manhã, uma reunião pela tarde, com um almoço de colegas entremeado. Era o último dia de serviço na escola.

Era dia 17 de Julho, dia complicado, no qual tento sempre tomar cuidados extra, pois o destino nestes dias teima sempre em me surpreender. Acordei meia hora antes do que devia (às seis e meia da manhã) para me precaver com o trânsito. Não fosse alguma acontecer e eu ter os minutos contados. Já havia escolhido cuidadosamente a roupa no dia anterior, para não perder tempos esquecidos a pensar no que queria vestir. Planeei ao milímetro este dia e rezei para que tudo corresse bem.

Cheguei mais cedo à escola (bom sinal!), dei cumprimento à vigilância (duas horas e meia de silêncio, folhas de resposta, folhas de rascunho, confirmações de cabeçalhos, assinaturas e muita responsabilidade) e fui acabar de combinar o almoço.

- Vamos ao Chinês?
- E peixinho fresco, aqui perto?

Os chineses ficaram a perder.
Partilhámos uma refeição de conversas sobre a vida, os dilemas e a naturalidade com que podemos lidar com eles, trivialidades, viagens, curiosidades, tudo com muita risota à mistura.

Conhecem-se os nomes de pessoas que vemos há dois anos:
- São? És São?
- Não, chamo-me Sofia.
- Ah, Sofia!

Vivi com eles um dia da minha vida, o último que dei a esta escola, numa amizade relâmpago a que os professores estão muito habituados, mas que eu começo agora a compreender.
O ano passado, por esta altura, lamentava os "investimentos de última hora" em pessoas que não iremos voltar a ver. Este ano, tenho uma parte de mim a lamentar.
Por não haver oportunidade durante o ano para conhecer outros colegas e partilhar com eles a refeição, a vida e a dourada escalada com batata cozida e salada.
Por não ter havido mais tempo para falarmos.
Por não ter conhecido mais as pessoas que tanto me surpreenderam no último dia.

Não houve tempo. E há um ano atrás eu olharia para este último dia como o dia de atirar de dinheiro ao vento. Um desperdício em absoluto.

No entanto, e depois do "dá-me um toque para eu ficar com o teu número", do "boa sorte com as preferências do concurso", do "a gente vê-se" e do "eu depois mando um mail", dirigi-me para o carro, num final de tarde tão tórrido quanto se pode imaginar e imaginei-me a dar os últimos passos do fechar de um percurso. E à minha frente se formou a imagem de uma prenda, que já de si fantástica, se embrulha com um enorme e pomposo laço vermelho (na minha cabeça ele era obviamente framboesa com irisados violeta, mas em atenção ao público masculino eu retrato-o simplesmente como vermelho!).

Imaginei, à medida que me afastava, que envolvia a prenda nessa fita colorida, contorcendo-a sobre si própria até fechar num gesto de beleza um capítulo bom e importante da minha vida.

Neste dia atirei dinheiro ao ar, como de costume, mas vim mais rica para casa. Guardei numa caixinha, em forma de prenda, dois anos da minha vida que, mesmo com todas as atribulações e ansiedades, devem ter sido muito bons, porque sempre que olho para o laço vermelho (
framboesa com irisados violeta) não consigo deixar de sorrir.

01 julho 2008

Aprender com os outros

Seria um enorme desperdício de tempo obrigar cada pessoa a descobrir por si só todo o conhecimento acumulado pela civilização humana.

Muitas pessoas poderiam nunca encontrar o sentido da expressão E=mc2, apesar de, em potencial, quase todos os alunos poderem vir a ser um Einstein, já que o senhor não era famoso pelas suas notas.

Aprender com os outros é encarado de uma forma natural: transmitimos conhecimentos, e recebemos conhecimentos que, por sua vez, podemos transmitir e/ou receber de forma crítica.

O conhecimento é como o dinheiro: quanto mais trocas mais benéfico para a economia. Mas acontece que há casos de pessoas que se recusam a receber "dinheiro de mão beijada", entenda-se "uma lição sem bater com a cabeça na parede" - o que se pode chamar um verdadeiro tesouro.

Estas pessoas lançam-me o seu olhar apreensivo, com se eu fosse uma estranha que lhes quisesse impingir uma fatia de um bolo de chocolate, de há uma semana.

Este olhar céptico pode agudizar, e não se detem nem mesmo perante a perspectiva de um bolo fresco, de chocolate, em andares que crescem em helicoidal, perfeitamente adornado com frutas e chantilly e numa sinfonia esteticamente aprazível.
Este olhar em tudo vê veneno e não se convence, ou se apercebe, da riqueza que temos para lhe oferecer.

No que respeita às disciplinas que lecciono, eu podia vender "banha da cobra" e "gato por lebre", que os meus alunos "papavam" tudo o que lhes desse. Mas se ouso passar-lhes um trunfo como o é uma lição que aprendi com um erro, isso eles cospem no chão - directo.

Já não é a primeira vez que tento servir a papinha que vou confeccionando pela vida fora e, por isso, já não é a primeira vez que vejo esta reacção alérgica.
A princípio ficava angustiada: caramba, estou aqui com a papinha feita e eles dão numa de anorexia??
Que ódio! Poupavam tempo e desgostos, erros e fracassos, mas pelos vistos querem provar um pouco de todos eles.
Os alunos querem aprender por si, e quem sou eu para lhes poupar as indigestões futuras??

Dei comigo no final do ano a conversar com um aluno que hesitava em fazer um teste de recuperação para subir a média. Dizia ele:
- Não sei... tenho medo!...

Eu olhei para ele, sorri maternalmente, e disse:
- A vida vai-te ensinar que quem tem medo não consegue fazer nada.
Mas essa é uma lição que não me cabe a mim ensinar-te.

Não está aqui em questão eu ser professora e recusar-me a ensinar um aluno para a vida.
A questão real é que ser professora é um facto, mas também nós temos de aceitar que não podemos nem devemos ensinar tudo. Aceitar é um verbo difícil, sobretudo, de pôr em prática.
Fico naturalmente engasgada com a situação, mas recordo que também eu passei uma infância com problemas de apetite, em que toda a gente me tentava empanturrar com comida e colheres de óleo de fígado de bacalhau. E o apetite chegou a seu tempo, lá para a adolescência, quando o corpo podia dar bom uso ao que eu comia.

Ensinar não é encher de combustível os camiões todos que nos passam pela frente. Apenas aqueles que ainda têm capacidade no depósito, e mais do que tudo, aqueles que se dão ao trabalho de parar na bomba da gasolina e que dali saem com um rumo, um objectivo, uma finalidade.

Caso contrário, é desperdiçar à toa, e a minha mãe sempre me ensinou que não se desperdiça comida.

23 maio 2008

O que é um amor perfeito?

Nasceu um amor perfeito por baixo da minha janela.

Despontou com o verdinho das folhas
por entre a pedra fria da calçada,
sem ninguém lhe dar água,
sem ninguém lhe pedir nada.

O mês de Maio chuvoso
acarinhou-o com os seus pinguinhos
e esta semente bem-aventurada
acabou por germinar,
contra tudo e contra todos,
sem cuidados nem miminhos.

- Olha um amor perfeito,
mesmo por baixo da nossa janela!
Já exibia as florinhas violeta
com uma pincelada amarela.

Do nosso olhar ternurento,
o amor perfeito se alimentou.
E assim crescia alegramente.
Assim o tempo passou.

Dizia o André:
porque não o levamos para casa?
Eu recusava desarmada:
Não tiro dali aquela flor,
de pequena e tamanha delicadeza,
que as rudes pedras da calçada
ainda lhe atiçam mais a beleza.

Veio um dia solarengo
e ninguém podia imaginar
que os trabalhadores da Câmara
andavam por aí a limpar.

Cortou-se a erva vadia,
as florinhas amarelas do campo,
as papoilas empertigadas...
Nunca pensei que me custasse tanto!

A paisagem estraçalhada
aos meus olhos se deparou
e em última tentativa
salvar o amor em flor lá vou.

- Olhe, se fizer favor!
Desligue a máquina ou não ouve nada.
Está aí um amor perfeito.
- Onde?
- Aos seus pés na calçada.
Limpe a erva que quiser,
mas deixe o amor perfeito.
-Fique descansada!

Salvei a pobre florinha
da morte por degolação.
E ao lado da erva cortada
ela agora se erguia de satisfação.

Veio o final do dia,
quando tudo já parecia bem,
e sinto o arranhar na pedra
de um sacho que vinha fisgado.
Corro para a janela esbaforida
e vejo o vizinho de cima ocupado.
Não vejo a flor colorida.
Estava tudo arrancado.

- Oh vizinho, o que foi fazer?
Pedi eu para salvar a flor
e o vizinho acabou com o trabalho
daqueles que vinham acabar com o amor.

- Onde estava ela? Não vi.
Flor amarela? Violeta?
- Não há por que pedir clemência.
A flor foi-se.
Paciência.

Fecho a janela, de raiva e dor.
Saltam-me as lágrimas pelos olhos
Não conseguira salvar o amor.

Culpei-me pelo meu cuidado,
por acalentar a vã esperança,
de que não há adversidade
para o amor que é perfeito.
Amor assim não cansa.

Chorei enraivecida com o deuses
por conjurarem esta tragédia.
A pobre flor... dona de um só pecado:
Ambição acima da média.

Assim as suas asas tocaram no sol
assim se desfez na calçada.
Eu sem aquele amor perfeito,
sou uma mulher destroçada.

Toca a campaínha,
que a história não acaba aqui.
Abro a porta, é o vizinho
e ao vê-lo me arrependi.

Segurava na trémula mão
um vasinho que me encheu o peito.
E de sorriso envergonhado me disse:
- Aqui tem o seu amor perfeito!

Não era o mesmo que crescia na calçada
que ignorou a chuva, o vento e o frio.
Que desse não restava nada
Uma memória apagada
que nem sei mais se existiu.

Apercebi-me então que a flor que tanto amava,
em semente, tinha caído devagarinho
dos vasos, do cuidado e da varanda
lá de cima, do meu vizinho.

Esta ternura que segurava na mão
era a origem do meu amor perfeito.
Que a amizade é o princípio de tudo
E o amor que é grande, faz dela o seu leito.

06 maio 2008

E o que é hoje o almoço?


- (Suspiro)... É complicado!... - digo eu.
O André devolve-me em plena demonstração das funcionalidades do cromossoma Y:
- Não, Sofia, é muito simples!

As "gaijas" têm... vá lá... buéeeee complicações! E mesmo quando pensam que não têm, o raio das complicações aparecem, e chateiam sem nós tirarmos senha para isso.

Perguntam vocês qual é o problema. Eu respondo: não sei o que é o almoço hoje.

O hábito, mais do que uma roupinha muito pouco sexy, é um bichinho que se entranha em nós, como o caruncho. Parece que não faz estrago, mas faz. E pode mesmo desfazer-nos por dentro. Hoje entrei em estágios para as despedidas e comecei a treinar os "adeus" aos hábitos.
O meu Mourinho (LOL, o homem é sempre o Mourinho de toda a gente!) foi treinar para o Milão, se é que dá para perceber a metáfora desportiva. Desapareceu das minhas manhãs, sem que nada o pudesse prever e, pior que tudo, sem que eu me pudesse mentalizar com antecedência.
Desapareceu-me!

Razões, razões, leva-as o vento. Não me importo com nenhuma delas. E cheguei mesmo a pensar que logo na primeira aula (que inocência a minha!) me iria acostumar à nova ditadora do fit. Mas não. Sem que seja impossível, tudo leva o seu tempo: como as escolas novas a seguir ao final de um contrato. E até nos habituarmos ao esquema, até entranharmos na nova onda, tudo, mas mesmo tudo, nos faz falta.
E que faz falta, é tão só, o animar da malta.

Porque o Mourinho esperava por nós e perguntava: "ainda está mais alguém lá em baixo?"
Porque o Mourinho ralhava comigo quando eu me baldava a uma repetição, vá duas, pronto, ok, todas aquelas a que me consegui baldar quando ele estava de costas!! :P
Porque o Mourinho gritava em plena aula SAPINHO! e toda a gente sabia do que ele estava a falar, com excepção talvez da minha pessoa, que pela manhã tenho uma certa dificuldade em ouvir e interpretar comandos abstractos próprios da modalidade.
Porque o Mourinho gritava com as gaijas mas nós sabíamos que era a brincar porque ele é um querido.
Porque o Mourinho dizia: "subir com cuidado - atenção às tonturas!" quando a malta só tinha feito tonterias na aula.
Porque o Mourinho, na expiração final, dizia sempre o que era o almoço do dia. E quantas foram as vezes que me fez ir ao supermercado buscar os ingredientes só para não morrer afogada com a água a crescer na boca.

Hoje, o almoço são omoletes só com claras, disse ele. E mais do que tudo, reparem como sou gaija, foram as omoletes só com claras que mais me incomodaram.
Soou a tristeza, daquela que nem apetece é comer nada. E mais do que eu me sentir triste, custou-me a tristeza dele, porque me revi naquela situação: em que os alunos são mais do que matéria-prima e o professor é mais do que um debitador de matéria e comandos.
Há pequenas, minúsculas, relações de afecto com uma força extraordinária, que se formam sem darmos conta. E um dia somos obrigados a ter de meter tudo num caixote e seguir em frente para a próxima etapa, a próxima escola, o próximo ginásio. E o que se faz com aquilo? Com aquelas coisas? As ideias baralham-se que nem ovos mexidos e uma certeza fica estrelada na meu pensamento: sinto falta de tudo, até à mais ínfima pequena coisa. Até das leggings pretas que lhe ficavam tão bem, porra!
A vida ensinou-me (sim que eu já vou a caminho dos trinta, já posso dizer coisas destas!) que tudo passa, melhores dias virão, Deus escreve certo por linhas tortas, tudo acontece por uma boa razão.... Mas, por agora, tudo isso me parece ainda muito complicado.

É que os ovos estão partidos, mas eu ainda não me decidi a fazer deles uma omolete.

22 abril 2008

As anedotas das minhas "crianças"

As minhas crianças (este ano) vão dos 15 aos 23. Eu chamo-lhes sempre "meus meninos" e eles sabem que são os "meus putos", tenham filhos, borbulhas ou barba rija.
Parto-me a rir com eles e adoro turmas assim: com uma boa dose de bom humor com cheirinho a "wit". Adoro aprender com eles e saber finalmente o que são cacauettes. Se soubesse que isto era francês tinha perguntado à Cláudia, mas como andava a relacionar com "caca", nunca mais lá chegava.

Enfim.
As minhas crianças, as únicas que me aventuro a ter de momento, vêm sempre contar a "última", porque sabem que solto o meu riso ruidoso sempre que oiço estas parvoeiras. São os 10 segundos de fama de cada aluno na aula, que têm o dom de me pôr sempre sorridente e de atrair boas energias para começar a aula - Geometria Descritiva, entenda-se, é preciso captar muiiiiiiiiiiiiiiiita energia!

Aqui ficam algumas das pérolas do meu dia-a-dia no trabalho:

O que faz um hipopótamo em cima de uma tartaruga?
"Hip Hop Tuga!"

Porque é que a manteiga não vai à discoteca?
Para não ser barrada à entrada.

O que diz um tubarão para o outro?
"Tu baralhas-me"

O que diz um Tomate para o outro?
"Tu matas-me"

O que diz uma chita para a outra?
"Tu chitas-me"

Uma impressora a outra?
- Essa folha é tua ou é impressão minha?

E uma porta a outra?
- Importas-te?

Era uma trovoada tão forte, tão forte, tão forte, que em vez de caírem raios, caíam diâmetros!

O que é um paraquedista de etnia cigana?
Um paralelo.

O que diz o café para o Nescafé?
Nescafé n' és nada!

12 abril 2008

Cabelos, projectos e framboesas!

A vida corre depressa. Ainda há pouco tempo estava a ser colocada e agora já me vejo a ter saudades dos alunos que vou perder daqui a dois meses.
Tudo passa num in
stante e qualquer dia já começo a dizer coisas horríveis como: "quando eu era nova!"

Creeeeedddooo!!!!

Vivo bem com a minha idade, as minhas rugas, e com os meus lindos cabelos brancos. Por isso, quando entro no cabeleireiro, digo: "É para manter!"
Manter os cabelos brancos, o corte comprido e escadeado, a boa disposição, a atitude perante a vida. É tudo para manter! Está bem como está.

Mas no meio disto tudo não resisto em pedir para esticar a caracolada, que já só lhe falta os orégãos para dar um bom lanche de Verão. E quatro dias por ano fico com a aparência de uma pessoa séria, mais sofisticada, mais velha e responsável, lisa e sem graça.
São só quatro dias por ano. O suficiente para mostrar aos caracóis quem é que os põe na linha!

Os 30 anos estão a chegar a olhos vistos, e eu cada vez estou mais entusiasmada - até eu me surpreendo com esta alegria toda!
Creio que é como entrar no 10º ano, ou entrar para a faculdade. São metas ambicionadas, que nos abrem portas para desafios novos e emocionantes.

Casar ou qualquer coisa do género.
Engravidar e pela primeira vez usar um tamanho de soutien que impressione visivelmente - esta estou à espera há anos!!!
Ter filhos, "aturá-los" até ao último dos meus dias e exigir a paga em beijinhos. :)
Cantar no carro, mas agora com coro lá atrás.
Vestir-me a condizer com os miúdos - tipo von Trapp family singers!
Mudar de casa.

Estabilizar a vida profissional.
Ser melhor, sem deixar de ser o que sou.


Fazer o que quero, quando quero e porque quero.

Era com este entusiasmo que eu antecipava a entrada no 9º ano, no secundário, na faculdade. Eu ansiava envelhecer. E hoje já começo a pensar que a pessoa só lamenta envelhecer, quando de facto já está é velha. E eu, por muita ruga que se forme no meu rosto, ainda me sinto uma miuda deslumbrada com tudo o que tenho pela frente.

A pessoa, se olhar um pouquinho para o lado (não é preciso mais), vê que se acordou com saúde isso já é um dia feliz. Se consegue levantar-se da cama e ir até à janela cheirar o ar fresco, é uma benção. Se consegue andar e dar um passeio de bicicleta com o vento a embaraçar o cabelo todo, é um sonho.

Se olharmos um pouquinho para o lado, vemos que há pessoas a quem, sem quê nem porquê, Deus já vaticinou "Game over!"
E a mim Ele continua-me a dar fichas para jogar.
Todos os dias.
E logo eu, que sou viciada neste jogo!...

P.S. - As fotos que ilustram este post têm como pano de fundo o doce tom de framboesa do meu hall de entrada. É de lamber, não é? Rico, numa tonalidade indecisa entre o vermelho e o rosa, encorpado e delicado como um punhado de framboesas acabadinhas de colher.

26 março 2008

When the dog bites, when the bee stings

Aqui não há avaliação de professores, não há ministra, nem secretário de estado que nos assombre o espírito.
Aqui não há trânsito na 2ª Circular, Calçada de Carriche ou Túnel do Grilo. O Garrafão da 25 de Abril e a primeira ponte do Feijó são nomes esquisitos que não soam a nada de jeito.
Aqui não há stress. Há pessoas, e as suas pequenas vidas. Há hortas, há degraus com vasos e roupa fresquinha a estender. Há vacas que só levantam a cabeça para nos ver passar, há cabras que nos vêm comer às mãos, há árvores que caem à nossa frente com o vento e muito, muito tempo.
Há velhos sentados no muro olhando sabe-se lá o quê, esperando por qualquer coisa que não seja a morte, e nem por isso me parecem impacientes.
Aqui dá-se importância ao que realmente a merece: eu, todos os que estão comigo e tudo o que está à minha volta.
O sono chega sorrateiro e deito-me a pensar sempre como o dia foi bom, como a vida é bela, como tudo parece certo e como sou feliz.
Dirão muitos que sou uma privilegiada.
Eu digo antes que escolhi ser assim.

18 março 2008

Subida à Serra da Arrábida!

Ora benvindos a mais uma edição do Programa de Saúde, Bem-estar e Rambóia: "Quem sobe a serra, não chora nem berra".

DIA:
21 Março de 2008, Sexta-feira Santa.
ENCONTRO: Pelourinho, no Rossio de Azeitão.
HORA DE PARTIDA: 8H30
TOLERÂNCIA: 10 minutos

CHEGADA PREVISTA À PRAIA: 12H
CHEGADA PREVISTA A AZEITÃO: 18H30

CUIDADOS A TER:
- Pequeno almoço: rico em hidratos de carbono e líquidos, para aumentar a resistência.

- Não se estiquem em gorduras e açúcares, quando estiverem a fazer o farnel.

- Protector Solar: a malta vai debaixo das árvores, mas quando o sol aquece é para todos! E temos o troço da estrada do convento (já para não falar da praia) que não tem sombras nenhumas.

- Não se besuntar em perfume para não atrair insectos indesejáveis. Desodorizante é permitido: está comprovado que as abelhas não gostam!

- Roupa confortável, silvas-proof ou lama-resistent. É preferível vestir em camadas do que vestir só uma camisola quente. Há muitas oscilações de temperatura, especialmente porque o nosso corpo vai aquecer e as matas são frias e húmidas.

- Sapatos confortáveis, com sola alta e volumetria (na medida do possível). Levar sempre um parzinho extra de meias. Custa menos carregar umas meias extra na mochila, do que umas bolhas extra nos pés.

- Chapéu

- Óculos de sol

- Máquina fotográfica

- Bastão de caminhada, ou então arranja-se o primeiro pau que estiver perdido pela serra.

- Fato de banho e toalha de praia, embora a água, no ano passado tenha estado um cubo de gelo em estado líquido.


CONFIRMAÇÕES:
- para o meu mail ou para o meu telemóvel


OPÇÕES:
- Poderá justificar-se a presença de um carro no Portinho, mas tal só será decidido na noite antes, conforme a minha disposição para ir lá pô-lo às tantas da noite.

- Poderá justificar-se a boleia até ao Parque de Campismo do Barreiro ( que curiosamente, fica no sopé da serra!!), como forma de evitar à vinda a subida dos Picheleiros, que além de ser perigosa por causa dos carros, lixa a sensação toda de bem-estar que a serra nos deixou!

- As opções já estão incluídas no preço que é, sem qualquer tipo de desconto, pagar pelos pecados todos do ano inteiro! Hehehe!!

Fico à espera das confirmações

13 março 2008

Sou fogosa, pois sou!

O professor olhava curioso para mim. Era um colega, mas os cabelos brancos inibem-me de o tratar em plena igualdade.
"-Tu estás... inflamada, hã?"

Eu ainda estava a rematar o meu raciocínio, visivelmente exaltada, perante outras duas colegas, contratadas como eu. A sala de professores tem sido um autêntico barril de pólvora, mas ontem os contratados foram o rastilho.
Cobaias, ratos de laboratório, contratados, é tudo o mesmo. Desgraçados a quem se vai aplicar uma avaliação para ser testada, melhorada e só depois aplicada aos outros, aqueles... os professores a sério.
Nós somos os tapa-buracos. E claro que isto me faz querer partir pratos e bater com tábuas na parede!

O professor lá olhava para mim e admirava-se com o meu sangue quente. A sabedoria da idade traz sempre uma certa resignação. Não, não é bem resignação, é serenidade.
Ele não aceitava as dificuldades, pelo contrário. Ele contestava, queixava-se, mas não se incendiava como eu. Creio que a pessoa aprende com o tempo a queixar-se sem sentir a mais pálida vontade de querer mudar o que a incomoda.
Continuo a pensar no olhar daquele professor. Aquele olhar condescendente de quem olha para uma jovem que se incomoda com o que está errado e que tudo pensa poder mudar, para o que basta querer.

Sou fogosa, pois sou! De espírito! Estou sempre de chama acesa, à espera de uma ventania, com o balde de gasolina na mão.
Há alturas em que é mesmo para largar fogo e gastar o combustível todo, até ficar rouca e vermelha como um tomate. E depois acalmo, quietinha como as cinzas.
Gosto de me incendiar por dentro, de carbonizar toda a minha raiva.
Sou assim, e pior que tudo, não faço questão nenhuma de mudar.

No Verão passado, em Amesterdão, enquanto procurava lugar num autocarro, dei sem querer um encontrão numa senhora que estava sentada. Desfiz-me em desculpas e lá do fundo vejo um homem olhar para mim a dizer:
"Italiaána véra!"

Acabei por esclarecer ao italiano intrometido que eu era portuguesa, ao que o homem reagiu sorridente com um:
"Portuguésa? Batatas fritas!"

Moral da História: Quando se é uma portuguesa inflamada como eu, o mais certo é acabar com o juízo todo fritadinho!

09 março 2008

100 mil deles e eu estive lá!

A máquina fotográfica continua a arranjar, mas este fim de semana ela perdeu uma das melhores imagens que se podem captar:
Cem mil pessoas, unidas por um descontentamento e insatisfação generalizados.Genuínos.

A emoção era grande e eu já estava a ficar enervada. Passei a manhã e atestar de combustível a minha revolta e à hora do almoço já estava incendiada que chegasse. Toma-se um comprimidinho para acalmar a ansiedade, que já me fazia suar em bica, e ala connosco para a Manif.
Ao passar a ponte já se via um helicóptero a sobrevoar a Baixa. Quê? Já??
Passamos pelo túnel do Marquês e a saída já estava encerrada (como seria de esperar), mas quando viemos ao de cima... Caramba! Um comboio de autocarros a perder de vista e muita gente vestida de preto. Com bandeiras, cartazes, apitos ou autocolantes, todos tinham trazido a sua indignação consigo.

São 14 horas e tenho o Parque Eduardo VII a meus pés, com o Marquês de Pombal em pano de fundo. A agitação ao longe é visível. O meu coraçãozinho bate mais depressa, como acontece nas crianças antes do carrocel começar a andar.

"Somos muitos, pá, somos muito mais do que eu estava à espera!"

Tinha ouvido na rádio que se esperavam 70 mil, mas para aquilo ter alguma credibilidade tinha de superar esse número, para que não se fizessem as estatísticas divergentes do costume entre Ministério e Sindicatos.

Os de Lisboa iam na frente. Onde está o SPGL? Já está na boca da Avenida. Bora lá!
Espera-se uma eternidade em pé, em formação densa. Valem-nos como distracção os helicópteros que rodopiavam no ar a filmar a malta cá em baixo.
Eu não tinha bandeira, não tinha crachá, não tinha identificação partidária ou sindicalista, nem estava ligada a nenhum movimento de professores. Fiz questão de não gritar uma única palavra de ordem, de não me conotar com aqueles que a Ministra diz à boca cheia que nos estão a instrumentalizar.
Apenas marchei.
Do Marquês de Pombal ao Terreiro do Paço.
Empunhando a minha indignação na expressão de enterro estampada na cara, confirmando na roupa o luto que ando viver pela Educação.
Somos muitos, mas não sei quantos. As redes de telemóvel estavam saturadas, mas lá consigo enviar umas mensagens e obter respostas:já somos 75 mil. Ena pá!
Estávamos nós nos Restauradores e alguém anuncia: "Ainda há malta de Lisboa no início da Avenida!"
A minha boca abre-se de pasmo. Ainda falta a malta toda que veio de fora e nós, só daqui da metrópole, já enchemos a artéria mais emblemática da capital. Era difícil de perceber como isto havia acontecido, mas dada a quantidade de gente que me cercava não era difícil de acreditar.

Poucas foram as pessoas que nos viam passar, mas no Rossio encontrei um senhor de cabelos brancos, que numa folha A4 havia escrito a seguinte mensagem:
"Tenho dois netos a estudar
Confio nos professores
Não confio na democracia deste governo.
Confio na democracia da escola."

No meio de uma manifestação daquele calibre, ler aquele "confio nos professores" foi um bálsamo que fez os meus olhos encherem-se de água.
E naquele momento todas as barbaridades proferidas pela Ministra, e outros que tais, pareceram demasiado insignificantes.

A Rua do Ouro, com os prédios ao alto com a gente, fazia ecoar e amplificar os protestos, como se os professores estivessem mais zangados do que quando haviam começado a marchar.
Chega-se ao Terreiro do Paço e arruma-se um lugarzinho para sentar no chão e fazer a circulação recuperar de uma marcha lenta pouco saudável para as veias. Ouvem-se uns discursos inflamados proferidos pelos auto-proclamados porta-vozes dos professores.
E, de repente, a locutora de continuidade apela por um minuto de silêncio a um Terreiro do Paço já bem recheado (saliento que ainda só tinham chegado os de Lisboa).

"Um minuto de silêncio? A fulana é maluca? Somos mais que as mães e a malta não tem parado de gritar!"

Nem sequer pensei ser possível.
O motivo era nobre: um minuto de silêncio pelos colegas gravemente doentes a quem as Juntas Médicas mandaram trabalhar, atestando que reuniam as condições necessárias.

O Terreiro do Paço calou-se e o silêncio gritou a plenos pulmões. Os meus olhos encheram-se de lágrimas outra vez.
A convicção, como a solidariedade, e outros valores aparentemente já esquecidos pela nossa sociedade, tocam-me. Fazem-me acreditar nesse animal desgovernado dos tempos modernos, a quem dão o nome de ser humano.

Encontraram-se amigos, colegas de escolas antigas, professores que já foram nossos. E houve sempre espaço para um sorriso sentido, e uma felicidade genuína por encontrar outro companheiro do nosso percurso. Porque a felicidade é possível, mesmo quando nos sentimos enxovalhados e mal tratados.
E esta foi a grande lição daqueles professores, naquela tarde fria de Março.

É irrelevante que esta marcha seja considerada como irrelevante.
Aconteceu.
100 mil deles!

Como costuma dizer a minha mãe:
"Toma lá que é democrático!"

01 março 2008

Poupem-me!

Bom.
Tentei abafar a minha indignação, para não elevar os valores da ansiedade. Dizia para comigo: "não te rales, que em última instância quem se lixa és tu, mais a tua camada de nervos."
E aguentei o Primeiro-Ministro a desviar astutamente a argumentação para longe do foco das minhas críticas, aguentei todo o botox da Ministra, aguentei com o interesse dos pais nesta avaliação, porque quem vai lucrar nisto tudo são os seus educandos.

Aguentei com tudo e chego perto daquele ponto em que se tem vergonha de ser português e participar na vida de um país que é governado por pessoas que querem ascender à condição superior de Salvadores da Pátria, a qualquer preço.

Cheguei àquele ponto em que começo a pensar: Alemanha? França? Ou Espanha?
Em que equaciono a conjugação da minha vida com a do André, para irmos para um sítio diferente, melhor, e em que as coisas funcionam pela razão certa e não por interesses corporativos ou individuais.

Estou desgostada com tudo à minha volta, e só me apetece berrar até à histeria! Mas a calma é um poderoso revigorante. A justiça cósmica, como lhe costumo chamar, assegura-me que tudo se paga, e que a má fé é sempre julgada com mão pesada.
Verei, por isso, num futuro, breve ou longínquo (também não interessa), as repercussões que esta avaliação irá ter no sistema educativo português.
Uma cambada de analfabetos que se arrastam de ano em ano até ao doutoramento.
Os pais sabem-no bem, mas preferem que os filhos passem sem problemas e com boas notas para entrar em medicina, ou coisa que o valha. Olham para o seu umbigo, porque entram nas guerrinhas competitivas do estilo: "o meu filho foi o melhor da turma, passou sem uma única negativa."
Hoje em dia sei, e todos deviam ter essa clara consciência, de que isto não significa exactamente que o aluno detenha em si os saberes necessários, que tenha desenvolvido em pleno as suas capacidades e competências, que tenha conseguido ser uma pessoa melhor, mais justa, mais solidária, mais correcta em todos os aspectos da sua vida. Este é apenas um dos cenários, o melhor, e o que a Ministra mais se agarra para justificar a subida do sucesso escolar, e a descida do abandono. Não duvido que ele acontece, e que não é propriamente uma raridade. O que a ministra não se pode coibir é de aceitar que há outros cenários arrepiantes que podem justificar as estatísticas, e infelizmente, também não são raridades. A ingenuidade das estruturas governativas, não pode nem deve ser confundida com optimismo, porque eles, mais do que ninguém, sabem o que vai acontecer. E pior, estou em crer que formularam esta lei com o propósito de tirar partido exactamente daquilo que eles se recusam a aceitar: de que quando um humano é posto à prova em último grau, ele não se põe a pensar no bem da humanidade. Ele apenas procura sobreviver.
E na lei da Selva, vence sempre o mais forte, o que para quem ainda não percebeu, não é na maior parte das vezes o melhor, mas o que tem menos escrúpulos.

Dói-me a falta de seriedade com que sou governada, dói-me o autoritarismo a que, até na vida pessoal, sempre fui aversa. Dói-me a ignorância e a impunidade, que é o que de pior podemos dar aos alunos como exemplo.
Não tenho filhos, mas a tê-los preferia que fossem bem preparados do que tivessem boas notas. Que soubessem desenrascar-se e arranjar soluções para tudo, em vez de culpabilizarem os professores por tudo e por nada. Não me venham com tretas, porque eu também já fui aluna, ou pensam que andam a enganar quem?
Preferia que as minhas crianças soubessem que o sucesso é a única coisa que não lhes deve ser garantida no sistema educativo, porque depende exclusivamente deles.
Nenhum mau aluno com óptimos professores pode ser bom aluno se não se empenhar, se não estudar, se não estiver motivado.
Qualquer aluno que tiver estas três condições conseguirá sempre singrar tenha bons ou maus professores. Será mais difícil, não nego, mas no final o sucesso será mais saboroso.

Estou danada com tudo e por tudo isto.
Estou danada com a atitude de "ser mais papista que o Papa" por parte das escolas e com atitude de "chico-espertice" à portuguesa.
Lamento dizê-lo, e isto vai muito mais além do que as guerrilhas partidárias: temos o que merecemos. Fosse qual fosse a cor no poder, as coisas não iam mudar. O que me revolta é que o próprio sistema esteja a engendrar a sua própria sobrevivência. Vamos todos produzir mentes pobres e acríticas para que tudo se mantenha.
Assim, quando for feita uma estatística aos portugueses para dizerem de sua justiça o que melhorou com actuações governativas deste tipo, a maior parte (Estão a ver bem?? A maior parte!!!!!! Oh, que raiva!) diga que foram as Finanças Públicas e a Educação.

Se eu comesse dia sim dia não, e não gastasse nem luz, nem água, nem gás, as minhas finanças também melhoravam. Mas o desafio não está só em melhorá-las: está na "engenharia" (veja-se como o homem é incompetente até no seu próprio terreno) de conseguir cortar naquilo que não é essencial ou vital. Toda a gente está feliz desde que não cortem no que as atinge.

Toda a gente está feliz com a educação. Toda a gente passa e isso só os atinge de uma forma: positiva, ou pelo menos é o mito mais consensual.

Há pessoas a pensar assim e ainda acham que a Educação vai bem??
Poupem-me!