Para-se um bocadinho.
(Porque os conselhos do Luís são sempre sábios.)
Tenho o mundo a desabar sobre mim. Aliás, como todos os dias. Desta vez não desaba mais, nem com mais força. Desaba apenas noutro lado da encosta destes Himalaias que imponho no meu caminho diário.
Tenho medo.
Tenho medo, como quando era pequenina. Fujo assustada e entro em pânico. Aquele pânico que passa por cima dos comprimidos todos e assenta arraiais como os ciganos em dia de feira.
Tenho vergonha.
Vergonha daquela que nos põe a chorar de repulsão por sermos tão fracos.
Vergonha que me revolta por ter de me ver como uma pessoa que sei que não sou. E ainda assim, tenho tudo para criar a aparência de ser uma pessoa incapaz, desorganizada, confusa.
Eu não sou assim.
Não sou.
Mas choro hoje, ao fim de muitos dias de olhos enxugados, por constatar que ando a vestir a pele de alguém que não sou eu. E de ser julgada por actos que não me traduzem. E por levar um rótulo na testa, no qual não me reconheço...
Esta sou eu?
Eu sou assim?
E se não sou, então porque fiz tudo para o parecer?...
Não sei.
Não sei...
Há tantas coisas que eu ainda não sei, em que me sinto uma menina, uma criança, com tanto ainda para aprender...
Devia estar a escrever, noutro lado, que não o blog. Mas prefiro investir nestes 10 minutos de exorcização dos meus demónios, para levar o meu trabalho a bom porto.
A bom porto...
Sim, queria atracar de vez, em vez de andar perdida neste mar, onde a ondulação é cada vez mais assustadora.
A minha família está toda ligada ao mar e eu chamo-me Ré por alguma razão. O meu bisavô pescava bacalhau na Gronelândia, nos doris. O meu avô materno era carvoeiro na marinha mercante, o meu pai foi oficial no mesmo ramo. O meu avó paterno morreu no mar, num dia em que a bandeira estava vermelha, e em que isso não o impediu de se banhar.
Gente destemida, que se fez ao desconhecido. Que enfrentaram as ondas, a angústia, os enjôos, as dificuldades. E eu aqui, a tremer de medo. Todos os que estão mortos devem olhar-me com desprezo e pensar que eu não sou feita da mesma massa que eles.
Se o meu pai, que está vivo, soubesse como me sinto, nem iria acreditar.
Eu dou aquele ar de quem é forte, de quem faz tudo bem, de quem é uma go-getter.
Não há nada que eu queira que me tenha escapado. E ainda assim, olho para os meus joelhos e eles fraquejam...
Filha de peixe sabe nadar.
Eu tento na maior parte das vezes convencer-me que sim, para não ir ao fundo, mas há dias como o de hoje, em que duvido de tudo, até da minha experiência, para acreditar que eu estou destinada a ser um grande Titanic.
A minha avó contava que, após muitos anos de pesca nos doris, o meu bisavô deixou de se fazer ao mar nesses barquinhos pequeninos. Havia visto "qualquer coisa" no fundo do mar, que fez com que ele nunca mais quisesse sujeitar-se à fragilidade daquelas embarcações.
O medo é, portanto, uma constante na minha família.
Hoje, tal como nos últimos anos, tenho visto muitos monstros marinhos, mas aquilo que fará de mim uma pessoa excepcional é não toldar a minha vida pelo terror.
Estremeço por dentro, posso ser comida viva, abalroada no meu pequeno barquinho, mas lá vou eu, de novo, despeitada, tirar satisfações ao mar por agitar a minha vida desta maneira.
03 dezembro 2009
15 outubro 2009
Miligramas de comprimidos para toneladas de preocupações
Respira.
A calma é uma sensação que há muito não me invade. Somatizo tudo no estômago e depois aparecem gastrites disfarçadamente originadas em bons repastos.
Havia o tempo em que olhava para a balança e pensava: Só espero não pesar mais.
Hoje pensei o contrário. E pesava menos um quilo do que ontem e menos 2 do que há um mês atrás.
Graças a Deus eu tinha reservas nas coxas e traseiro, ou a esta hora estava uma perfeita anorética.
Algo está mal quando eu começo a tocar piano nas costelas. É aí que eu noto logo: "estou mais magra!"
Depois começamos a apertar mais um buraco no cinto, a vestir roupa agora mais largueirona, a sentir as calças que antes se seguravam na cinturam a descairem. O cúmulo é mesmo vestir aquelas peças que guardei só para me relembrar da meta de corpinho que eu queria ter.
Tenho ali umas calças verdes que até tenho medo de as experimentar. Se me servirem acho que entro em pânico, mais do que tenho andado.
Estou por isso a adiar a confirmação...
O mal é que sempre que eu ando em stress ou preocupada fecha-se-me o esófago a tudo o que eu queira enfiar para dentro do corpo. Os comprimidos engolem-se de uma vez, mas a comida... a comida demora tanto tempo a engolir...
Noutro dia levei eras para comer uma sopa no café da estação de comboios. Era ver gente a chegar, a comer e a ir embora, e eu ali, às voltas com a colher na sopa. Como se já estivesse a comer aquilo em cima de um cabrito assado ou de uma feijoada.
Não quero comer e só me forço a isso para não irritar ainda mais a mucosa do meu estômago. Como a horas, porque sei que devo enfiar comida para dentro do corpo, não porque me apeteça, mas tem de ser.
E todos os dias vejo a minha perna mais delgada, e as minhas costelas mais desenhadas. Talvez seja dos comprimidos. É com certeza. Mas os meus nervos ajudam sempre um bocadinho.
O estômago não tem permitido cafés (já vai para mais de um mês), e os comprimidos nem um sequer dão autorização a um moscatel.
Mas pelos menos voltei a comer sobremesas sem culpa, como antigamente, só para ver se engordo! Imaginem!
Estou pela primeira vez a anti-depressivos na vida, depois de já ter passado por depressões bem mais dramáticas do que esta. Acontece que esta tem um efeito paralisante em mim, que é exactamente o que eu tenho de evitar a todo custo. Não posso parar.
Já parei.
Já escrevi para deitar cá para fora.
Já chega.
A calma é uma sensação que há muito não me invade. Somatizo tudo no estômago e depois aparecem gastrites disfarçadamente originadas em bons repastos.
Havia o tempo em que olhava para a balança e pensava: Só espero não pesar mais.
Hoje pensei o contrário. E pesava menos um quilo do que ontem e menos 2 do que há um mês atrás.
Graças a Deus eu tinha reservas nas coxas e traseiro, ou a esta hora estava uma perfeita anorética.
Algo está mal quando eu começo a tocar piano nas costelas. É aí que eu noto logo: "estou mais magra!"
Depois começamos a apertar mais um buraco no cinto, a vestir roupa agora mais largueirona, a sentir as calças que antes se seguravam na cinturam a descairem. O cúmulo é mesmo vestir aquelas peças que guardei só para me relembrar da meta de corpinho que eu queria ter.
Tenho ali umas calças verdes que até tenho medo de as experimentar. Se me servirem acho que entro em pânico, mais do que tenho andado.
Estou por isso a adiar a confirmação...
O mal é que sempre que eu ando em stress ou preocupada fecha-se-me o esófago a tudo o que eu queira enfiar para dentro do corpo. Os comprimidos engolem-se de uma vez, mas a comida... a comida demora tanto tempo a engolir...
Noutro dia levei eras para comer uma sopa no café da estação de comboios. Era ver gente a chegar, a comer e a ir embora, e eu ali, às voltas com a colher na sopa. Como se já estivesse a comer aquilo em cima de um cabrito assado ou de uma feijoada.
Não quero comer e só me forço a isso para não irritar ainda mais a mucosa do meu estômago. Como a horas, porque sei que devo enfiar comida para dentro do corpo, não porque me apeteça, mas tem de ser.
E todos os dias vejo a minha perna mais delgada, e as minhas costelas mais desenhadas. Talvez seja dos comprimidos. É com certeza. Mas os meus nervos ajudam sempre um bocadinho.
O estômago não tem permitido cafés (já vai para mais de um mês), e os comprimidos nem um sequer dão autorização a um moscatel.
Mas pelos menos voltei a comer sobremesas sem culpa, como antigamente, só para ver se engordo! Imaginem!
Estou pela primeira vez a anti-depressivos na vida, depois de já ter passado por depressões bem mais dramáticas do que esta. Acontece que esta tem um efeito paralisante em mim, que é exactamente o que eu tenho de evitar a todo custo. Não posso parar.
Já parei.
Já escrevi para deitar cá para fora.
Já chega.
02 outubro 2009
O bom filho à casa torna!
Sabem o que é sentir saudades desde o primeiro dia?
Na minha longa relação com o meu adorável cão (que contribui actualmente com a sua condição fúngica para a minha condição alérgica), houve um dia, ainda era ele pequeno, em que eu pensei:
"- Já tenho saudades ti."
O cão ainda era cachorro e, por agora, já vai apresentando os mesmos sinais de um humano de 90 anos. Mas eu sinto saudades dele, daquelas que ainda estou para sentir, desde quase que o conheço.
Fiquei colocada na "minha escola".
A minha escola não faz parte do rol das que frequentei como aluna. Bom, pensando bem, a Faculdade de Belas-Artes também é "a minha escola", mas pertence a um ministério diferente.
A minha escola é a escola do meu coração. Aquela que há um ano e pouco atrás tive de embrulhar como uma prenda, com um laço cor de framboesa com irisados violeta. Lembram-se?
Agora, e logo pelos meus anos, foi-me permitido puxar pelas pontas do laço e reabrir a caixinha de coisas boas que guardei de lá.
Estou no final da primeira semana, e num dia que começou com aulas às 9h05 e terminou às 18h25, eu saí dos portões da escola a pensar: "Já estou a sentir saudades desta escola, e ainda agora cheguei."
Virá o tempo em que terei de saltar fora, mas hoje, para mim, tudo é uma gigantesca prenda, que eu disfruto com a maior das preciosidades.
Senão vejamos:
- dou aulas em contentores;
- contorno diariamente os inconvenientes das obras para modernizar a escola;
- tenho a poeira a afectar-me as vias nasais e a provocar-me mais dores de cabeça do que é costume;
- a sala de professores provisória está atravancada numa sala que quase nem dá para trabalhar;
- tenho quadros brancos e aquelas canetas horrorosas, quando eu sou é apologista do giz (por mais que me deteriore o estado de saúde das minhas unhas);
- o bar é na antiga biblioteca e por enquanto deixou de haver cantina.
- a biblioteca funciona num contentor e tem à disposição só um décimo do seu espólio (que, diga-se, era bastante bom!)
Fantástico, não é?
Sim, é sexta-feira, é final de semana cansativa e eu estou frente a este monitor com um sorriso nos lábios. Um sorriso de menina que gostou da prenda que lhe deram. Porque a minha prenda não está na escola, nas condições físicas, nem sequer nos alunos problemáticos que me calharam.
Está nos sorrisos.
Eu sorrio várias vezes ao dia, para cumprimentar e meter/retomar conversas perdidas com antigos alunos, funcionárias super queridas e colegas amigos.
Uma piscadela de olho e um bom dia ao Vasco que está mais crescido.
Um beijinho ao meu aluno Arnaldo, que se acertou no seu percurso e agora está onde pode demonstrar que é bom e inteligente.
Um abraço e os desejos de boa sorte para o exame de Geometria para o Tiago.
Um aceno a uma aluna da minha ex-direcção de turma de há dois anos.
Bons dias com sorrisos sinceros a todos os colegas que guardo no coração e que, pela relação que desenvolvemos no passado, fazem-nos pegar nela no sítio onde a deixámos. Como se eu só tivesse faltado um dia àquela escola...
A D. Fernanda, a D. Alice, a D. Leontina e as outras duas de quem já não me recordo o nome, mas nem por isso têm menos importância. Falava-se sobre a vida, sobre o tempo, sobre as complicações, os miúdos, as aulas... Falava-se de tudo e terminava-se com um sorriso e um "até amanhã", porque no final da jornada, aquela conversa de circunstância tinha tanto de benéfico para mim como para elas. Sentiamo-nos mutuamente acarinhadas.
E agora, revejo toda a gente. Até o Sr. António, que é um querido e um mãos largas no sorriso com que sempre me presenteia.
É tão bom sentir-me entre amigos, entre gente boa que se sorri...
Iniciei o meu trabalho e a Arlete, que continua a ocupar o topo do meu pódium para a melhor Presidente do Conselho Executivo/ Directora que já conheci, introduziu-me na Secretaria com um:
"- O bom filho à casa torna!"
Parecia que todos combinaram esta semana, porque toda a gente brindou ao meu regresso com esta certeza.
Aprendi no ano passado que as aparências, podem ser hiper-realistas, mas nem por isso deixam deixam de enganar...
E eu até posso arrepender-me destas palavras, mas há uma semana atrás eu estava num vórtice depressivo do qual não parecia querer sair. E agora toda eu sou vontade, energia e confiança.
Eu levo uma dose de sorrisos, boa disposição e descontracção impróprios para um ambiente de escola nos dias de hoje. É quase pecado ser assim tão bom.
Os meus colegas, muitos deles nem dão o devido valor. Não têm de saltitar para experimentar o que anda por aí...
Eu voltei alegremente a desembrulhar esta prenda, e foram só cinco os dias que estive com ela na mão, mas já começo a sentir uma saudade danada de quando a perder...
Na minha longa relação com o meu adorável cão (que contribui actualmente com a sua condição fúngica para a minha condição alérgica), houve um dia, ainda era ele pequeno, em que eu pensei:
"- Já tenho saudades ti."
O cão ainda era cachorro e, por agora, já vai apresentando os mesmos sinais de um humano de 90 anos. Mas eu sinto saudades dele, daquelas que ainda estou para sentir, desde quase que o conheço.
Fiquei colocada na "minha escola".
A minha escola não faz parte do rol das que frequentei como aluna. Bom, pensando bem, a Faculdade de Belas-Artes também é "a minha escola", mas pertence a um ministério diferente.
A minha escola é a escola do meu coração. Aquela que há um ano e pouco atrás tive de embrulhar como uma prenda, com um laço cor de framboesa com irisados violeta. Lembram-se?
Agora, e logo pelos meus anos, foi-me permitido puxar pelas pontas do laço e reabrir a caixinha de coisas boas que guardei de lá.
Estou no final da primeira semana, e num dia que começou com aulas às 9h05 e terminou às 18h25, eu saí dos portões da escola a pensar: "Já estou a sentir saudades desta escola, e ainda agora cheguei."
Virá o tempo em que terei de saltar fora, mas hoje, para mim, tudo é uma gigantesca prenda, que eu disfruto com a maior das preciosidades.
Senão vejamos:
- dou aulas em contentores;
- contorno diariamente os inconvenientes das obras para modernizar a escola;
- tenho a poeira a afectar-me as vias nasais e a provocar-me mais dores de cabeça do que é costume;
- a sala de professores provisória está atravancada numa sala que quase nem dá para trabalhar;
- tenho quadros brancos e aquelas canetas horrorosas, quando eu sou é apologista do giz (por mais que me deteriore o estado de saúde das minhas unhas);
- o bar é na antiga biblioteca e por enquanto deixou de haver cantina.
- a biblioteca funciona num contentor e tem à disposição só um décimo do seu espólio (que, diga-se, era bastante bom!)
Fantástico, não é?
Sim, é sexta-feira, é final de semana cansativa e eu estou frente a este monitor com um sorriso nos lábios. Um sorriso de menina que gostou da prenda que lhe deram. Porque a minha prenda não está na escola, nas condições físicas, nem sequer nos alunos problemáticos que me calharam.
Está nos sorrisos.
Eu sorrio várias vezes ao dia, para cumprimentar e meter/retomar conversas perdidas com antigos alunos, funcionárias super queridas e colegas amigos.
Uma piscadela de olho e um bom dia ao Vasco que está mais crescido.
Um beijinho ao meu aluno Arnaldo, que se acertou no seu percurso e agora está onde pode demonstrar que é bom e inteligente.
Um abraço e os desejos de boa sorte para o exame de Geometria para o Tiago.
Um aceno a uma aluna da minha ex-direcção de turma de há dois anos.
Bons dias com sorrisos sinceros a todos os colegas que guardo no coração e que, pela relação que desenvolvemos no passado, fazem-nos pegar nela no sítio onde a deixámos. Como se eu só tivesse faltado um dia àquela escola...
A D. Fernanda, a D. Alice, a D. Leontina e as outras duas de quem já não me recordo o nome, mas nem por isso têm menos importância. Falava-se sobre a vida, sobre o tempo, sobre as complicações, os miúdos, as aulas... Falava-se de tudo e terminava-se com um sorriso e um "até amanhã", porque no final da jornada, aquela conversa de circunstância tinha tanto de benéfico para mim como para elas. Sentiamo-nos mutuamente acarinhadas.
E agora, revejo toda a gente. Até o Sr. António, que é um querido e um mãos largas no sorriso com que sempre me presenteia.
É tão bom sentir-me entre amigos, entre gente boa que se sorri...
Iniciei o meu trabalho e a Arlete, que continua a ocupar o topo do meu pódium para a melhor Presidente do Conselho Executivo/ Directora que já conheci, introduziu-me na Secretaria com um:
"- O bom filho à casa torna!"
Parecia que todos combinaram esta semana, porque toda a gente brindou ao meu regresso com esta certeza.
Aprendi no ano passado que as aparências, podem ser hiper-realistas, mas nem por isso deixam deixam de enganar...
E eu até posso arrepender-me destas palavras, mas há uma semana atrás eu estava num vórtice depressivo do qual não parecia querer sair. E agora toda eu sou vontade, energia e confiança.
Eu levo uma dose de sorrisos, boa disposição e descontracção impróprios para um ambiente de escola nos dias de hoje. É quase pecado ser assim tão bom.
Os meus colegas, muitos deles nem dão o devido valor. Não têm de saltitar para experimentar o que anda por aí...
Eu voltei alegremente a desembrulhar esta prenda, e foram só cinco os dias que estive com ela na mão, mas já começo a sentir uma saudade danada de quando a perder...
25 setembro 2009
O fado do 31
Um, dois, três.
Expiro forte. Sem regra. Como se tivesse um balão de ar para expulsar de dentro de mim.
Forço-me a escrever, porque tem aliviado, e ainda agora são 11h00 e eu já estou com a ansiedade em pico.
Silêncio, que se vai cantar o fado.
Fado não é tristeza que se sente. É tristeza que se vive.
E eu, tenho vivido assim, triste comigo e, não nego, com os outros também. Pelas mesmíssimas razões: expectativas acima da média.
Gosto de acordar no meu dia de anos com aquela sensação de: "hoje o dia é MEU!!" São 364 os dias de espera que sobram, mas hoje sou eu o centro das atenções.
Perante esta perspectiva, salto da cama com uma vontade e entusiasmo incaracterísticos em mim. É que algo me dá sempre a certeza de que, por ser o meu dia, tudo vai ser bom!
Hoje não foi assim.
É 25 de Setembro, não me enganei.
Revirei-me nos lençóis e depois de muito rebuliço abri um olho ao dia mais feliz do meu ano. Não me pareceu assim tão feliz e voltei a dormitar para o outro lado.
A gastrite acordou-me ao mesmo tempo que o despertador me acordava para ir fazer análises. Não posso fazer horas de jejum, quando tenho o estômago mais sensível do que eu! Lá se vão as análises.
Tomo o pequeno-almoço no sofá, vejo as notícias do dia, percorro os programas eleitorais para saber em quem votar e acedo à aplicação da contratação de escola, como se fosse lá encontrar qualquer tipo de felicidade.
Nada.
O meu dia ainda não foi brilhante. Mas daí, eu também não ando brilhante.
Hoje tenho encontro marcado com o destino. E, curiosamente, não me dá vontade de cantar...
O fado quer-se triste. Só assim enxovalha o coração e o espírito. Só assim é bonito de ser cantado e chorado.
...
Meu Deus... Que disposição a minha para o meu dia de anos!
Conhecendo a minha pessoa (como eu já nem me reconheço!), estaria a esta hora a organizar carradas de preparativos para fazer uma festa. Eu adoro festas! Adoro juntar pessoas, fazer comezainas, rir, "comer e buer à parba"!
Dada a minha saúde física e emocional do momento, nada de mais desaconselhável.
Digo para mim própria que devo descansar, aliviar a cabeça de preocupações e tratar de mim.
Quero estar sossegadinha no meu canto.
Não queria passar ao lado da comemoração dos 31 anos, mas... se a saúde não permite, há que respeitar.
O sol brilha lá fora. Parece estar um dia bonito.
Eu tenho em mim o céu nublado, por vezes com ocorrência de aguaceiros.
Volta e meia cai um relâmpago, derivado do electromagnetismo do telemóvel e tudo fica em suspenso. Será um desejo de feliz aniversário ou a colocação numa escola?
Reparo agora, que não tenho mesmo condições atmosféricas para disfrutar deste dia em pleno.
Tenho de esperar que o vento forte varra toda a instabilidade do meu continente.
E até lá tenho de tomar atenção às precipitações e lidar com a depressão frontal que tem atingido o meu território nos últimos dias.
Para o dia mais feliz do ano, esta não é uma grande previsão, pois não?
Expiro forte. Sem regra. Como se tivesse um balão de ar para expulsar de dentro de mim.
Forço-me a escrever, porque tem aliviado, e ainda agora são 11h00 e eu já estou com a ansiedade em pico.
Silêncio, que se vai cantar o fado.
Fado não é tristeza que se sente. É tristeza que se vive.
E eu, tenho vivido assim, triste comigo e, não nego, com os outros também. Pelas mesmíssimas razões: expectativas acima da média.
Gosto de acordar no meu dia de anos com aquela sensação de: "hoje o dia é MEU!!" São 364 os dias de espera que sobram, mas hoje sou eu o centro das atenções.
Perante esta perspectiva, salto da cama com uma vontade e entusiasmo incaracterísticos em mim. É que algo me dá sempre a certeza de que, por ser o meu dia, tudo vai ser bom!
Hoje não foi assim.
É 25 de Setembro, não me enganei.
Revirei-me nos lençóis e depois de muito rebuliço abri um olho ao dia mais feliz do meu ano. Não me pareceu assim tão feliz e voltei a dormitar para o outro lado.
A gastrite acordou-me ao mesmo tempo que o despertador me acordava para ir fazer análises. Não posso fazer horas de jejum, quando tenho o estômago mais sensível do que eu! Lá se vão as análises.
Tomo o pequeno-almoço no sofá, vejo as notícias do dia, percorro os programas eleitorais para saber em quem votar e acedo à aplicação da contratação de escola, como se fosse lá encontrar qualquer tipo de felicidade.
Nada.
O meu dia ainda não foi brilhante. Mas daí, eu também não ando brilhante.
Hoje tenho encontro marcado com o destino. E, curiosamente, não me dá vontade de cantar...
O fado quer-se triste. Só assim enxovalha o coração e o espírito. Só assim é bonito de ser cantado e chorado.
...
Meu Deus... Que disposição a minha para o meu dia de anos!
Conhecendo a minha pessoa (como eu já nem me reconheço!), estaria a esta hora a organizar carradas de preparativos para fazer uma festa. Eu adoro festas! Adoro juntar pessoas, fazer comezainas, rir, "comer e buer à parba"!
Dada a minha saúde física e emocional do momento, nada de mais desaconselhável.
Digo para mim própria que devo descansar, aliviar a cabeça de preocupações e tratar de mim.
Quero estar sossegadinha no meu canto.
Não queria passar ao lado da comemoração dos 31 anos, mas... se a saúde não permite, há que respeitar.
O sol brilha lá fora. Parece estar um dia bonito.
Eu tenho em mim o céu nublado, por vezes com ocorrência de aguaceiros.
Volta e meia cai um relâmpago, derivado do electromagnetismo do telemóvel e tudo fica em suspenso. Será um desejo de feliz aniversário ou a colocação numa escola?
Reparo agora, que não tenho mesmo condições atmosféricas para disfrutar deste dia em pleno.
Tenho de esperar que o vento forte varra toda a instabilidade do meu continente.
E até lá tenho de tomar atenção às precipitações e lidar com a depressão frontal que tem atingido o meu território nos últimos dias.
Para o dia mais feliz do ano, esta não é uma grande previsão, pois não?
23 setembro 2009
O meu lado lunar...
Obrigo-me a escrever.
Forço-me a isso por saber ser o único meio de desenredar este nó.
Não me orgulho do que escrevo. Leio as minhas palavras com vergonha e embaraço, mas por serem verdade, não há por que as esconder.
Sou uma pessoa odiosa. Até para mim.
Principalmente para mim.
Não quero nem pensar o estrago que posso fazer a um filho meu. É que eu sou... como dizê-lo?... chata demais.
O meu lado lunar é uma combinação dolorosa. Tudo o que sou quando estou bem disposta, divertida, optimista, confiante, segura de si, perde-se. E, de repente, sou exactamente o oposto. Não que isto seja de estranhar numa Balança. Os opostos convivem em alternância. A instabilidade é uma constante.
Simplesmente tenho de viver com estas alterações bruscas, que passam de um soberbo momento de felicidade ao sentir o cheiro da erva fresca de manhã, para uma consciência de que a uma pessoa como eu não devia ser dado o visto para esta vida.
Habituei-me a tocar os opostos, por vezes com diferença de 5 minutos.
E o que mais me doi, mais me inquieta e paralisa, é que tenho um lado lunar, que muiiiiiito poucos vêem. A lua vem com o cair da noite e nessa altura já estão todos deitados.
Sofro a angústia de ser eu própria e de ter cá dentro Outra que me desgasta até à exaustão.
Já pensei, e cada vez mais tenho essa certeza, que talvez não tenha as ferramentas suficientes para lidar com tudo isto. Preciso de ajuda profissional, claramente. Contudo, entretenho-me nestes exercícios de auto-análise pública, onde escancaro o mais frágil de mim própria, para toda a gente ver.
Mais ou menos, um striptease emocional, mas sem música ou qualquer tipo de prazer envolvido.
Sei que o que sou, e o que me dá trabalho hoje, advém em grande parte da minha educação.
Não estou a sacudir a água do capote, mas a constatar factos para compreender melhor a minha situação.
Nunca senti que houvesse desculpa para não ser a melhor ou das melhores. Sempre me foi dito que não fazia mais do que a minha obrigação. Cresci com a sensação de nunca exceder as expectativas a ninguém, por mais brilhante que fosse o meu percurso. E sempre que se funde um pequeno led nesse meu sucesso, tudo parece ficar escuro: a deixa perfeita para o meu lado lunar dar entrada.
Digo a mim própria as coisas que sempre assimilei pela vida toda.
"Não podes ficar para trás."
"Não podes desistir."
"Tens de lutar por pertencer aos melhores."
Mas nem sempre é fácil encetar os projectos destas três frases. E depois, como os treinadores de bancada e os fãs desiludidos, atiro latas e kunami para o campo resmungando comigo:
"Fraca!"
"Afinal não és assim tão boa como pensas."
"És uma fraude."
"Não vales nada."
Torturo-me a um nível inconsciente, com estas vozes implacáveis dentro de mim. Sou exigente e perfeccionista, o que invalida admitir falhas de qualquer espécie. Visto a farda do inimigo e disparo na minha própria direcção e, garanto-vos, pontaria não me falta.
Por isso digo que tenho tanto para me perdoar. Para me aceitar. Para não me recriminar.
Porque eu não estou bem e, sabe-se-lá porquê, não é de agora! Mas nem isso me dá desculpa. O meu génio maléfico riposta com factos: já passei por bem pior e isso nunca interferiu com o meu sucesso.
Pois é. Mas até aí nunca me faltaram certezas. A certeza de ser capaz, de me considerar tão boa a ponto de fazer da adversidade miúdos de galinha.
Essa certeza perdeu-se e não há factos que me a devolvam, porque sempre foi mais fácil para mim acreditar que era uma merda do que um ser excepcional.
O meu lado lunar alimenta-se com conquistas profissionais / académicas. Tenho uma colecção de falhas neste campo, que mais ninguém, senão eu, considera como falhas. Mas é que eu oiço o murmurar permanente deste Mutley interior, que por entre o mastigar das palavras faz soar sempre aquele "Fraca" que me deita por terra. E se outrora isto era a chicotada pronta para me fazer levantar e caminhar em frente, hoje é o derradeiro golpe de um perfeito Knockout.
Clamo por ajuda, mas sei que vou ter de fazer isto sozinha.
Reclamo do imbróglio de problemas em que me meti, mas todos eles foram opções que tomei.
Procuro ânimo, auto-estima, motivação, auto-confiança, e mesmo quando os encontro, finjo que não os estou a ver. Nada consegue calar o raio do cão sarnento.
Nem as minhas conquistas.
Nem factos comprovados.
Nem os outros.
E nem eu.
Lembro-me de ter telefonado aos meus pais a dar a notícia, iam eles a caminho do Algarve:
- Tou! Mãe! Entrei no mestrado! Fiquei em primeiro lugar na seriação dos candidatos!
A minha mãe do outro lado do telefone, disse-me talvez das melhores coisas que gostei de ouvir da boca dela:
- Ai, que bom! Estou muito feliz por teres ficado em primeiro, porque eu sei que tu gostas de ser a primeira.
E antes que eu pudesse calar este cão dentro de mim, ele respondeu pela minha boca:
- Pois gosto.
Orgulho? Mesquinhice? Perfeccionismo? Auto-exigência?
Sim, assumo. Tudo isso com vaidade a acompanhar.
Não é sem uma vergonha monumental que o afirmo mas, por ser verdade, não há por que o esconder...
Forço-me a isso por saber ser o único meio de desenredar este nó.
Não me orgulho do que escrevo. Leio as minhas palavras com vergonha e embaraço, mas por serem verdade, não há por que as esconder.
Sou uma pessoa odiosa. Até para mim.
Principalmente para mim.
Não quero nem pensar o estrago que posso fazer a um filho meu. É que eu sou... como dizê-lo?... chata demais.
O meu lado lunar é uma combinação dolorosa. Tudo o que sou quando estou bem disposta, divertida, optimista, confiante, segura de si, perde-se. E, de repente, sou exactamente o oposto. Não que isto seja de estranhar numa Balança. Os opostos convivem em alternância. A instabilidade é uma constante.
Simplesmente tenho de viver com estas alterações bruscas, que passam de um soberbo momento de felicidade ao sentir o cheiro da erva fresca de manhã, para uma consciência de que a uma pessoa como eu não devia ser dado o visto para esta vida.
Habituei-me a tocar os opostos, por vezes com diferença de 5 minutos.
E o que mais me doi, mais me inquieta e paralisa, é que tenho um lado lunar, que muiiiiiito poucos vêem. A lua vem com o cair da noite e nessa altura já estão todos deitados.
Sofro a angústia de ser eu própria e de ter cá dentro Outra que me desgasta até à exaustão.
Já pensei, e cada vez mais tenho essa certeza, que talvez não tenha as ferramentas suficientes para lidar com tudo isto. Preciso de ajuda profissional, claramente. Contudo, entretenho-me nestes exercícios de auto-análise pública, onde escancaro o mais frágil de mim própria, para toda a gente ver.
Mais ou menos, um striptease emocional, mas sem música ou qualquer tipo de prazer envolvido.
Sei que o que sou, e o que me dá trabalho hoje, advém em grande parte da minha educação.
Não estou a sacudir a água do capote, mas a constatar factos para compreender melhor a minha situação.
Nunca senti que houvesse desculpa para não ser a melhor ou das melhores. Sempre me foi dito que não fazia mais do que a minha obrigação. Cresci com a sensação de nunca exceder as expectativas a ninguém, por mais brilhante que fosse o meu percurso. E sempre que se funde um pequeno led nesse meu sucesso, tudo parece ficar escuro: a deixa perfeita para o meu lado lunar dar entrada.
Digo a mim própria as coisas que sempre assimilei pela vida toda.
"Não podes ficar para trás."
"Não podes desistir."
"Tens de lutar por pertencer aos melhores."
Mas nem sempre é fácil encetar os projectos destas três frases. E depois, como os treinadores de bancada e os fãs desiludidos, atiro latas e kunami para o campo resmungando comigo:
"Fraca!"
"Afinal não és assim tão boa como pensas."
"És uma fraude."
"Não vales nada."
Torturo-me a um nível inconsciente, com estas vozes implacáveis dentro de mim. Sou exigente e perfeccionista, o que invalida admitir falhas de qualquer espécie. Visto a farda do inimigo e disparo na minha própria direcção e, garanto-vos, pontaria não me falta.
Por isso digo que tenho tanto para me perdoar. Para me aceitar. Para não me recriminar.
Porque eu não estou bem e, sabe-se-lá porquê, não é de agora! Mas nem isso me dá desculpa. O meu génio maléfico riposta com factos: já passei por bem pior e isso nunca interferiu com o meu sucesso.
Pois é. Mas até aí nunca me faltaram certezas. A certeza de ser capaz, de me considerar tão boa a ponto de fazer da adversidade miúdos de galinha.
Essa certeza perdeu-se e não há factos que me a devolvam, porque sempre foi mais fácil para mim acreditar que era uma merda do que um ser excepcional.
O meu lado lunar alimenta-se com conquistas profissionais / académicas. Tenho uma colecção de falhas neste campo, que mais ninguém, senão eu, considera como falhas. Mas é que eu oiço o murmurar permanente deste Mutley interior, que por entre o mastigar das palavras faz soar sempre aquele "Fraca" que me deita por terra. E se outrora isto era a chicotada pronta para me fazer levantar e caminhar em frente, hoje é o derradeiro golpe de um perfeito Knockout.
Clamo por ajuda, mas sei que vou ter de fazer isto sozinha.
Reclamo do imbróglio de problemas em que me meti, mas todos eles foram opções que tomei.
Procuro ânimo, auto-estima, motivação, auto-confiança, e mesmo quando os encontro, finjo que não os estou a ver. Nada consegue calar o raio do cão sarnento.
Nem as minhas conquistas.
Nem factos comprovados.
Nem os outros.
E nem eu.
Lembro-me de ter telefonado aos meus pais a dar a notícia, iam eles a caminho do Algarve:
- Tou! Mãe! Entrei no mestrado! Fiquei em primeiro lugar na seriação dos candidatos!
A minha mãe do outro lado do telefone, disse-me talvez das melhores coisas que gostei de ouvir da boca dela:
- Ai, que bom! Estou muito feliz por teres ficado em primeiro, porque eu sei que tu gostas de ser a primeira.
E antes que eu pudesse calar este cão dentro de mim, ele respondeu pela minha boca:
- Pois gosto.
Orgulho? Mesquinhice? Perfeccionismo? Auto-exigência?
Sim, assumo. Tudo isso com vaidade a acompanhar.
Não é sem uma vergonha monumental que o afirmo mas, por ser verdade, não há por que o esconder...
22 setembro 2009
Kunami ou uvas podres?
Ontem não tomei o comprimido.
O meu corpo fez-me o favor de se auto-anestesiar e fui para a primeira aula com aquela disposição de quem se levantou da mesa de operações, mas ainda está sob o efeito dos analgésicos.
Comando a mim própria vezes sem conta: "Tem calma, esfria a cabeça".
Ignoro-me na minha própria preocupação. Estou sempre distraída, sempre atenta a tudo, sempre com a cabeça a 100 à hora.
Tento não ver os ângulos do beco sem saída em que me meti. Mas os cantos apertados estão lá e eu sofro de muita claustrofobia.
Na tentativa de encontrar uma pista, uma segurança, uma tábua de salvação aqui me encontro eu: frente ao portátil, com telemóvel e telefone ao lado. Basta um toque e tudo muda. A minha vida vira do avesso. E estes intermináveis momentos que passo comigo, tentando amenizar o meu estado de espírito, extinguem-se sem contemplações.
Sou um cacho de uvas que tirou senha para a vindima. Estou a tentar entreter-me com as gavinhas e a folhagem, com o cheiro do Outono que já poisa no ar. Finjo que não sei que o meu destino é ser arrancada deste lugar, onde até me imagino ser feliz.
Arrancada e pisada, até ao último dos meus grumos.
Nem os cachos de uvas, nem eu, podemos sorrir perante aquilo que nos espera.
Contamos apenas com a Sorte, a Fé, a Esperança, tudo coisas sobre as quais não temos qualquer controlo.
Correm-se as listas dos horários, que este ano eu não tenho sequer listas de candidatos para ver. Espera-se encontrar o horário certo (the special one), que faz com que tudo se organize e pareça bem.
Abrem-se diariamente as páginas de diferentes horóscopos e lêem-se os vaticínios para cada dia. Nenhum deles me dá a resposta que eu quero ouvir, mas nem isso me faz deixar de os consultar religiosamente.
Se Deus tivesse uma linha telefónica de apoio ao cliente eu já a tinha entupido com chamadas.
Já tinha reclamado por tudo o que depende Dele e tudo o que depende de mim. Porque eu ando rezingona, de mal com a vida, como se tivesse razões para isso.
Ando de mal comigo e estou chateada por me sentir mal e ninguém me ajudar. Ninguém me dar uma mão. Ninguém conseguir com que eu faça aquilo que nem eu me consigo obrigar a fazer.
Pooooooooooooorrrrrrraaa!!!!!!
Apetece-me espernear no chão, como os putos que fazem birra!
Não melhora nada, mas alivia.
Tenho tanto para me perdoar, tanto para aceitar em mim.
Ano após ano, continuo sem compaixão por mim própria. Continuo exigente, preconceituosa e mesquinha.
E por isso não me perdoo.
E por isso me dói tanto.
Se o vinho este ano não for melhor que o ano passado, o problema não é das vindimas.
É mesmo a casta da uva.
O meu corpo fez-me o favor de se auto-anestesiar e fui para a primeira aula com aquela disposição de quem se levantou da mesa de operações, mas ainda está sob o efeito dos analgésicos.
Comando a mim própria vezes sem conta: "Tem calma, esfria a cabeça".
Ignoro-me na minha própria preocupação. Estou sempre distraída, sempre atenta a tudo, sempre com a cabeça a 100 à hora.
Tento não ver os ângulos do beco sem saída em que me meti. Mas os cantos apertados estão lá e eu sofro de muita claustrofobia.
Na tentativa de encontrar uma pista, uma segurança, uma tábua de salvação aqui me encontro eu: frente ao portátil, com telemóvel e telefone ao lado. Basta um toque e tudo muda. A minha vida vira do avesso. E estes intermináveis momentos que passo comigo, tentando amenizar o meu estado de espírito, extinguem-se sem contemplações.
Sou um cacho de uvas que tirou senha para a vindima. Estou a tentar entreter-me com as gavinhas e a folhagem, com o cheiro do Outono que já poisa no ar. Finjo que não sei que o meu destino é ser arrancada deste lugar, onde até me imagino ser feliz.
Arrancada e pisada, até ao último dos meus grumos.
Nem os cachos de uvas, nem eu, podemos sorrir perante aquilo que nos espera.
Contamos apenas com a Sorte, a Fé, a Esperança, tudo coisas sobre as quais não temos qualquer controlo.
Correm-se as listas dos horários, que este ano eu não tenho sequer listas de candidatos para ver. Espera-se encontrar o horário certo (the special one), que faz com que tudo se organize e pareça bem.
Abrem-se diariamente as páginas de diferentes horóscopos e lêem-se os vaticínios para cada dia. Nenhum deles me dá a resposta que eu quero ouvir, mas nem isso me faz deixar de os consultar religiosamente.
Se Deus tivesse uma linha telefónica de apoio ao cliente eu já a tinha entupido com chamadas.
Já tinha reclamado por tudo o que depende Dele e tudo o que depende de mim. Porque eu ando rezingona, de mal com a vida, como se tivesse razões para isso.
Ando de mal comigo e estou chateada por me sentir mal e ninguém me ajudar. Ninguém me dar uma mão. Ninguém conseguir com que eu faça aquilo que nem eu me consigo obrigar a fazer.
Pooooooooooooorrrrrrraaa!!!!!!
Apetece-me espernear no chão, como os putos que fazem birra!
Não melhora nada, mas alivia.
Tenho tanto para me perdoar, tanto para aceitar em mim.
Ano após ano, continuo sem compaixão por mim própria. Continuo exigente, preconceituosa e mesquinha.
E por isso não me perdoo.
E por isso me dói tanto.
Se o vinho este ano não for melhor que o ano passado, o problema não é das vindimas.
É mesmo a casta da uva.
20 setembro 2009
Previsão para amanhã: tornado de grau V
Tem sido uma loucura.
A minha cabeça tem estado... possuída, com vida própria e determinada a fazer só asneiras.
A disposição é tudo menos animadora.
Neura muita.
Calma nenhuma.
Hoje é domingo. É um facto pouco aterrador para qualquer um dos mortais. E daí, nem tanto.
Hoje é domingo e eu tenho estado uma pilha de nervos. Telefonemas, encontros, convívios, tudo deixado em stand by. Quando estou assim, estou insuportável até para mim.
Choro, irrito-me com tudo, ofendo-me com tudo, choro de novo, e acho que sou uma amiba nos intervalos.
Decidi escrever, porque escrever arruma as ideias e, porra, eu tenho tudo em desordem.
O diagnóstico é simples: já entrei em depressão e ainda não comecei as aulas e nem Fevereiro assentou os arraiais. É preocupante...
Sou uma menina a quem faltam muitas respostas e já tem idade para não fazer figuras destas.
Olho em frente, para o que o futuro me reserva, e tremem-se-me joelhos. Sou assustadiça, sempre fui.
Tenho a sensação de estar numa praia e ver uma onda gigantesca no horizonte. Não dá para ficar calma, pois não?
Sinto que sou pequena demais para a enfrentar. Sinto que não tenho capacidade para o fazer. E estes sentimentos corroem o meu amor próprio e alimentam a minha depressão.
Lembro-me bem do diagnóstico de patologia psicológica: sempre que algo nos provoca uma angústia desmesurada e nos impede de fazer a nossa vida normal.
Já percebi que o que tenho é patológico.
Devia estar contente e entusiasmada. Estou devastada e receosa.
Devia ter energia e vontade. Estou apática e desmotivada.
Perdi-me.
Perdi-me algures nesta vida.
Perdi certezas e ambições.
Perdi o rumo, a orientação, a confiança.
Incrivelmente perdida, é como me sinto. E amanhã tenho um mestrado para começar. Novas aventuras, novos dilemas.
Mais ansiedade, mais comprimidos.
Perdi o gosto pelas coisas, a garra com que faço tudo.
Até estas linhas são escritas à força, porque não me apetece divagar sobre assuntos que me incomodam. Faço-o para tentar lidar com eles e ultrapassá-los, mas faço-o contrariada.
Faço tudo contrariada, porque quando se tem um tsunami no horizonte é preciso ter alguma estabilidade para poder encará-lo com o mínimo de ânimo.
Não tenho nada disso. E não há supermercado que venda uma caixinha de auto-confiança, um quilinho de vontade ou uma mão cheia de boa disposição.
Estou assim. E odeio saber que não consigo controlar esta condição.
Amanhã estarei com um comprimido no bucho, para não encharcar a roupa do primeiro dia. Não sei se vou aguentar sem entrar em pânico. Sem me encher de medos estúpidos e com isso me fechar ao mundo como um ouriço.
Não sei como vai ser, mas vai mesmo ter que ser.
Como as colheres de óleo de fígado de bacalhau que eu tomava quando era míuda, empurradas pela goela abaixo.
Sem quereres.
Sem prazeres.
A disposição é tudo menos animadora.
Neura muita.
Calma nenhuma.
Hoje é domingo. É um facto pouco aterrador para qualquer um dos mortais. E daí, nem tanto.
Hoje é domingo e eu tenho estado uma pilha de nervos. Telefonemas, encontros, convívios, tudo deixado em stand by. Quando estou assim, estou insuportável até para mim.
Choro, irrito-me com tudo, ofendo-me com tudo, choro de novo, e acho que sou uma amiba nos intervalos.
Decidi escrever, porque escrever arruma as ideias e, porra, eu tenho tudo em desordem.
O diagnóstico é simples: já entrei em depressão e ainda não comecei as aulas e nem Fevereiro assentou os arraiais. É preocupante...
Sou uma menina a quem faltam muitas respostas e já tem idade para não fazer figuras destas.
Olho em frente, para o que o futuro me reserva, e tremem-se-me joelhos. Sou assustadiça, sempre fui.
Tenho a sensação de estar numa praia e ver uma onda gigantesca no horizonte. Não dá para ficar calma, pois não?
Sinto que sou pequena demais para a enfrentar. Sinto que não tenho capacidade para o fazer. E estes sentimentos corroem o meu amor próprio e alimentam a minha depressão.
Lembro-me bem do diagnóstico de patologia psicológica: sempre que algo nos provoca uma angústia desmesurada e nos impede de fazer a nossa vida normal.
Já percebi que o que tenho é patológico.
Devia estar contente e entusiasmada. Estou devastada e receosa.
Devia ter energia e vontade. Estou apática e desmotivada.
Perdi-me.
Perdi-me algures nesta vida.
Perdi certezas e ambições.
Perdi o rumo, a orientação, a confiança.
Incrivelmente perdida, é como me sinto. E amanhã tenho um mestrado para começar. Novas aventuras, novos dilemas.
Mais ansiedade, mais comprimidos.
Perdi o gosto pelas coisas, a garra com que faço tudo.
Até estas linhas são escritas à força, porque não me apetece divagar sobre assuntos que me incomodam. Faço-o para tentar lidar com eles e ultrapassá-los, mas faço-o contrariada.
Faço tudo contrariada, porque quando se tem um tsunami no horizonte é preciso ter alguma estabilidade para poder encará-lo com o mínimo de ânimo.
Não tenho nada disso. E não há supermercado que venda uma caixinha de auto-confiança, um quilinho de vontade ou uma mão cheia de boa disposição.
Estou assim. E odeio saber que não consigo controlar esta condição.
Amanhã estarei com um comprimido no bucho, para não encharcar a roupa do primeiro dia. Não sei se vou aguentar sem entrar em pânico. Sem me encher de medos estúpidos e com isso me fechar ao mundo como um ouriço.
Não sei como vai ser, mas vai mesmo ter que ser.
Como as colheres de óleo de fígado de bacalhau que eu tomava quando era míuda, empurradas pela goela abaixo.
Sem quereres.
Sem prazeres.
18 setembro 2009
Paisagem interior
Turvam-se-me as cores por dentro.
E sinto-me, cada vez mais, longe de tudo.
Apetece-me chorar tanto que não consigo soltar uma única lágrima e, no entanto, consigo reagir com uma intensidade desmesurada a tudo o que se passa à minha volta.
Estou triste.
Sou triste por natureza.
E sem razão.
A razão nada que tem que ver com a tristeza. Não é causa da consequência, não são parceiras. Mas nem isso me impede de teimar em dissecar a minha tristeza com pequenas razões.
Sinto-me a afogar. Sim, a afogar.
Como se o pano de fundo da minha vida fosse uma aguarela a virar em aguada. Diluo-me nas circunstâncias presentes e nada me dá a consistência própria para pintar a vida com realidade.
Estou tão triste...
Temi escrever aqui, ou em qualquer outro lado. As palavras são sempre duras, especialmente para quem não as quer ouvir. Tento planear o meu aniversário e nem isso consigo. Nada me apetece. Nada.
Tenho um gigantesco remoínho, um nó enorme na superfície da minha tela, que faz de tudo o que eu faça uma perda de tempo. Sinto a minha vida parada como um bloqueio da tela branca. Um bloqueio que eu imponho a mim própria e que por isso me envergonha, e me mancha o meu mais sincero sorriso.
Não sei porque fiquei assim, não identifico a razão certa na fila dos suspeitos. Só sei que sou vítima de mim própria, dos meus próprios medos, das minhas angústias, do meu sistema nervoso.
Estou a render-me à alergia, à enxaqueca e à gastrite desta semana. Sinto-me frágil e transparente, e o preto até na pintura contamina tudo sem piedade.
Sinto que não gosto de mim.
Sinto que os outros não gostam de mim.
Sinto que todos nós, eu e os outros, temos boas razões para isso.
(Estou finalmente a chorar...)
Sinto que já fiz coisas extraordinárias, das quais já só guardo a glória, como qualquer português que se orgulha do passado dos Descobrimentos, e hoje apenas rejubila por não estar em último na cauda da Europa.
Caramba... Se alguém imaginasse o que para mim consegue ser um problema... dava um programa para rir. Tudo me afecta, tudo me constrange, tudo me faz sentir cada vez mais pequenina neste 1,65 m.
Fazem-se as perguntas da praxe, afinal, as únicas a que realmente importa dar resposta.
Quem sou eu?
Donde venho?
Para onde vou?
Sou uma ignorante.
Trinta anos de treino e ainda não tenho resposta para isto.
Sou uma aprendiz sem mestre. Sou uma autodidacta da vida. Queria que alguém me dissesse como estruturá-la, como colori-la de forma soberba, como tratar todos os seus pormenores. Queria ser ensinada, mas parece que vou ter de "arranhar" e "esgravatar" sozinha, tal como peço aos meus alunos para o fazerem.
Não sei qual é o meu verdadeiro talento, mas ver para além da composição de obstáculos não é definitivamente um deles.
Pinto e repinto a minha vida nestas palavras, e nada parece sair bem.
Melhor é deixar secar um pouco e depois voltar a retocar por cima.
E sinto-me, cada vez mais, longe de tudo.
Apetece-me chorar tanto que não consigo soltar uma única lágrima e, no entanto, consigo reagir com uma intensidade desmesurada a tudo o que se passa à minha volta.
Estou triste.
Sou triste por natureza.
E sem razão.
A razão nada que tem que ver com a tristeza. Não é causa da consequência, não são parceiras. Mas nem isso me impede de teimar em dissecar a minha tristeza com pequenas razões.
Sinto-me a afogar. Sim, a afogar.
Como se o pano de fundo da minha vida fosse uma aguarela a virar em aguada. Diluo-me nas circunstâncias presentes e nada me dá a consistência própria para pintar a vida com realidade.
Estou tão triste...
Temi escrever aqui, ou em qualquer outro lado. As palavras são sempre duras, especialmente para quem não as quer ouvir. Tento planear o meu aniversário e nem isso consigo. Nada me apetece. Nada.
Tenho um gigantesco remoínho, um nó enorme na superfície da minha tela, que faz de tudo o que eu faça uma perda de tempo. Sinto a minha vida parada como um bloqueio da tela branca. Um bloqueio que eu imponho a mim própria e que por isso me envergonha, e me mancha o meu mais sincero sorriso.
Não sei porque fiquei assim, não identifico a razão certa na fila dos suspeitos. Só sei que sou vítima de mim própria, dos meus próprios medos, das minhas angústias, do meu sistema nervoso.
Estou a render-me à alergia, à enxaqueca e à gastrite desta semana. Sinto-me frágil e transparente, e o preto até na pintura contamina tudo sem piedade.
Sinto que não gosto de mim.
Sinto que os outros não gostam de mim.
Sinto que todos nós, eu e os outros, temos boas razões para isso.
(Estou finalmente a chorar...)
Sinto que já fiz coisas extraordinárias, das quais já só guardo a glória, como qualquer português que se orgulha do passado dos Descobrimentos, e hoje apenas rejubila por não estar em último na cauda da Europa.
Caramba... Se alguém imaginasse o que para mim consegue ser um problema... dava um programa para rir. Tudo me afecta, tudo me constrange, tudo me faz sentir cada vez mais pequenina neste 1,65 m.
Fazem-se as perguntas da praxe, afinal, as únicas a que realmente importa dar resposta.
Quem sou eu?
Donde venho?
Para onde vou?
Sou uma ignorante.
Trinta anos de treino e ainda não tenho resposta para isto.
Sou uma aprendiz sem mestre. Sou uma autodidacta da vida. Queria que alguém me dissesse como estruturá-la, como colori-la de forma soberba, como tratar todos os seus pormenores. Queria ser ensinada, mas parece que vou ter de "arranhar" e "esgravatar" sozinha, tal como peço aos meus alunos para o fazerem.
Não sei qual é o meu verdadeiro talento, mas ver para além da composição de obstáculos não é definitivamente um deles.
Pinto e repinto a minha vida nestas palavras, e nada parece sair bem.
Melhor é deixar secar um pouco e depois voltar a retocar por cima.
07 setembro 2009
Três casamentos e dois funerais
Há qualquer coisa, este ano que fez acontecer tudo.
Perguntei-me já se seria este um ano bissexto, mas não. Um ano normal, como qualquer outro.
Um ano com três casamentos e dois funerais. E só não igualei o resultado porque o terceiro funeral coincidiu com um dos casamentos.
Podia ser pior, pensei eu. Mas conseguir imaginar o pior não quer dizer que isto não seja mau que chegue.
Durante muito tempo, avaliei as coisas assim. Desde que encontrasse um cenário mais negro, já a minha vida parecia suficientemente colorida e abençoada. Escusado será dizer que passei o ano inteiro a dizer a mim própria que as más experiências que passei nestas duas escolas não eram nada de significante. Até que cheguei às férias.
Nas férias há o ruminar próprio de um ano lectivo, para fazer dele o adubo para o ano seguinte. E o que encontrei este ano foi merda em estado puro.
Chorei, chorei muito. Nem vontade para escrever tive. Porque menti a mim própria e forcei-me a fingir que nada disto era assim tão mau. Não era o pior, mas era mau que chegasse.
Entre soluços soltei aquele "porrra, este ano foi uma merda!". Não sem vergonha e acanhamento, não sem me achar fraca. Porém com o reconhecimento desta verdade: foi-o de facto.
Um ano que me fez mal e me tirou o gosto pelo o ensino, que me fez conhecer o pior das pessoas, para além do que me era possível imaginar. Voltei a sentir-me uma criança, com a sensação de me ser tirado o tapete por baixo dos pés. Senti-me ridícula, por ser ainda tão ingénua face à maldade camuflada dos outros. Que inocência a minha, a de pensar que a nossa acção é regida para fazer as coisas bem e por bem, e não para proveito próprio.
Tenho 30 anos, a caminho dos 31, e ainda penso coisas destas. Ainda caio em buracos como estes, tão ilusórios como acreditar no Pai Natal.
Sinto-me amargurada, e sobra-me este sol de Verão para eu não cair em plena depressão.
Começo este novo ano, sem esperança, nem sequer fé, de que tudo (as escolas e as pessoas) vão ser melhores.
Acalma-me o sentimento de que um dia vou olhar para trás e vou ver estes contratempos como apenas isso.
Pequenas pedras no caminho.
Perguntei-me já se seria este um ano bissexto, mas não. Um ano normal, como qualquer outro.
Um ano com três casamentos e dois funerais. E só não igualei o resultado porque o terceiro funeral coincidiu com um dos casamentos.
Podia ser pior, pensei eu. Mas conseguir imaginar o pior não quer dizer que isto não seja mau que chegue.
Durante muito tempo, avaliei as coisas assim. Desde que encontrasse um cenário mais negro, já a minha vida parecia suficientemente colorida e abençoada. Escusado será dizer que passei o ano inteiro a dizer a mim própria que as más experiências que passei nestas duas escolas não eram nada de significante. Até que cheguei às férias.
Nas férias há o ruminar próprio de um ano lectivo, para fazer dele o adubo para o ano seguinte. E o que encontrei este ano foi merda em estado puro.
Chorei, chorei muito. Nem vontade para escrever tive. Porque menti a mim própria e forcei-me a fingir que nada disto era assim tão mau. Não era o pior, mas era mau que chegasse.
Entre soluços soltei aquele "porrra, este ano foi uma merda!". Não sem vergonha e acanhamento, não sem me achar fraca. Porém com o reconhecimento desta verdade: foi-o de facto.
Um ano que me fez mal e me tirou o gosto pelo o ensino, que me fez conhecer o pior das pessoas, para além do que me era possível imaginar. Voltei a sentir-me uma criança, com a sensação de me ser tirado o tapete por baixo dos pés. Senti-me ridícula, por ser ainda tão ingénua face à maldade camuflada dos outros. Que inocência a minha, a de pensar que a nossa acção é regida para fazer as coisas bem e por bem, e não para proveito próprio.
Tenho 30 anos, a caminho dos 31, e ainda penso coisas destas. Ainda caio em buracos como estes, tão ilusórios como acreditar no Pai Natal.
Sinto-me amargurada, e sobra-me este sol de Verão para eu não cair em plena depressão.
Começo este novo ano, sem esperança, nem sequer fé, de que tudo (as escolas e as pessoas) vão ser melhores.
Acalma-me o sentimento de que um dia vou olhar para trás e vou ver estes contratempos como apenas isso.
Pequenas pedras no caminho.
16 julho 2009
Resumo da semana
Vai ser uma longa semana, e só espero ultrapassar esta angústia e ansiedade.
Ainda me falta aprender tanto...
Como ser raia miuda e conseguir safar-me entre tubarões?
Porque os enfrento com tanta garra e adrenalina, para depois me esconder no meu canto a lamber medrosamente as minhas feridas?
A raia miuda ganhou a batalha ao tubarão, mas ainda não tenho a certeza de que a minha vitória fique impune...
Ainda me falta aprender tanto...
Como ser raia miuda e conseguir safar-me entre tubarões?
Porque os enfrento com tanta garra e adrenalina, para depois me esconder no meu canto a lamber medrosamente as minhas feridas?
A raia miuda ganhou a batalha ao tubarão, mas ainda não tenho a certeza de que a minha vitória fique impune...
28 junho 2009
Ontem estive num casamento.
Hoje já estive num velório.
Hoje soube que o marido de uma amiga minha faleceu (com 34 anos, vejam só!). Eu tinha ido ao casamento deles há uns anos atrás, e naquele dia ninguém sonhava a não ser com um futuro risonho.
O futuro não se escolhe, e ele decidiu-se por não sorrir.
Não houve filhos e, portanto, dilemas para explicar "onde está o pai, mãe?".
Ela ficou só, nos seus frescos 34 anos anos. Uma viúva com cara de menina.
"Impossível", pensei eu. "Não está certo."
E relembro-me que a vida é um concurso, onde nem sempre ganha o que mais sabe, mas aquele que tem sorte. E ela teve azar, porque perdeu a sua cara-metade, e a partir de agora volta a fazer sozinha, o que até aqui fez a meias.
Está inconsolável, pois está. E estamos todos nós por vê-la assim, inconsolável, sem saber como se redesenhar para aceitar a crueldade dos factos: ele está estendido sob uma manta de flores, e os seus olhos não mais se abrirão para lhe dizer como a ama.
Percebo agora que estas situações nos chocam, porque revivemos nas mortes dos outros as mortes dos nossos. Porque, de repente, ao vermos no rosto do outro uma falta materializada, sentimos também a falta que os nossos nos fazem. E que falta...
Doi de novo.
Doi por vermos que é duro, e que não pára de acontecer à nossa volta.
E pior que tudo, "temos de nos conformar"!
Temos de nos conformar???
Temos de nos conformar?????
Mas quem raio inventou esta? Conformar?
Conformar, que eu saiba, é tomar a forma de qualquer coisa. Tomar a forma de um desgosto é viver nele para sempre. E eu não desejo que ninguém se conforme para ser infeliz uma vida inteira. Apesar do turbilhão que ela deve estar a sentir, ela tem de ter ideias muito racionais acerca de si e do seguimento que pretende dar à sua vida, porque daqui para frente a sua preocupação é não deixar que os sentimentos tomem conta de si. Para que esta morte tenha sentido, e não faça da sua vida uma existência sem sentido nenhum.
Temos de nos conformar...
Eu nunca me vou conformar com nada! Não me quero moldar ao desgosto, porque apesar de saber que não lhe posso escapar, sei que quem está do outro lado gostaria de me ver a moldar a minha vida, e não a "conformá-la".
A morte tem este dom estúpido e óbvio: o de nos lembrar que tudo é breve e passageiro. De que os planos são rídiculos se partirem das personagens e não do Realizador. A história não é nossa só porque nos cabe a nós representá-la. Mas pensamos sempre que sim...
Somos só actores. Não nos cabe mudar a história, no entanto, é da nossa responsabilidade o que fazemos com ela.
O guião está feito, mas a interpretação é nossa.
A morte será sempre a morte, porque arrasta lágrimas e boas recordações com ela, leva-nos o ânimo e os projectos, rouba-nos o alento e as forças. Mas é um passo, nem sequer o mais importante, da vida de uma pessoa.
Não faz sentido chorar pela flores que nos murcham nas jarras. Tal como nós, elas têm o seu tempo. Nós só nos podemos dar por felizes por cada dia que nos presentearam com a sua beleza, por cada dia que nos fizeram sorrir, por cada dia que nos animaram o rosto só de as ver.
Não gosto de lamentar pelas flores da minha vida, porque o seu significado nunca se alterará apenas por terem murchado. Isso só as tornou mais especiais. Tornou cada momento único e especial, digno de ser guardado para sempre.
Ontem apanhei (pela primeira vez e finalmente!!) o ramo da noiva.
Amanhã é outro dia, e hoje ele é só um apanhado de flores com um fim traçado, como todos nós.
E, por agora, não me apetece moldá-lo mais do que isso.
Hoje já estive num velório.
Estranho é o curso da vida, essa telenovela de enredo misterioso, que nos surpreende com fantásticas e terríveis reviravoltas.
Ontem testemunhei, mais uma vez, o desejo de duas pessoas se unirem e manifestarem a sua dedicação para uma vida inteira. Foi bonito, como sempre é. Dá-nos alguma esperança para acreditar que há qualquer coisa humana que pode, de facto, ser eterna. E há. A saudade.Hoje soube que o marido de uma amiga minha faleceu (com 34 anos, vejam só!). Eu tinha ido ao casamento deles há uns anos atrás, e naquele dia ninguém sonhava a não ser com um futuro risonho.
O futuro não se escolhe, e ele decidiu-se por não sorrir.
Não houve filhos e, portanto, dilemas para explicar "onde está o pai, mãe?".
Ela ficou só, nos seus frescos 34 anos anos. Uma viúva com cara de menina.
"Impossível", pensei eu. "Não está certo."
E relembro-me que a vida é um concurso, onde nem sempre ganha o que mais sabe, mas aquele que tem sorte. E ela teve azar, porque perdeu a sua cara-metade, e a partir de agora volta a fazer sozinha, o que até aqui fez a meias.
Está inconsolável, pois está. E estamos todos nós por vê-la assim, inconsolável, sem saber como se redesenhar para aceitar a crueldade dos factos: ele está estendido sob uma manta de flores, e os seus olhos não mais se abrirão para lhe dizer como a ama.
Percebo agora que estas situações nos chocam, porque revivemos nas mortes dos outros as mortes dos nossos. Porque, de repente, ao vermos no rosto do outro uma falta materializada, sentimos também a falta que os nossos nos fazem. E que falta...
Doi de novo.
Doi por vermos que é duro, e que não pára de acontecer à nossa volta.
E pior que tudo, "temos de nos conformar"!
Temos de nos conformar???
Temos de nos conformar?????
Mas quem raio inventou esta? Conformar?
Conformar, que eu saiba, é tomar a forma de qualquer coisa. Tomar a forma de um desgosto é viver nele para sempre. E eu não desejo que ninguém se conforme para ser infeliz uma vida inteira. Apesar do turbilhão que ela deve estar a sentir, ela tem de ter ideias muito racionais acerca de si e do seguimento que pretende dar à sua vida, porque daqui para frente a sua preocupação é não deixar que os sentimentos tomem conta de si. Para que esta morte tenha sentido, e não faça da sua vida uma existência sem sentido nenhum.
Temos de nos conformar...
Eu nunca me vou conformar com nada! Não me quero moldar ao desgosto, porque apesar de saber que não lhe posso escapar, sei que quem está do outro lado gostaria de me ver a moldar a minha vida, e não a "conformá-la".
A morte tem este dom estúpido e óbvio: o de nos lembrar que tudo é breve e passageiro. De que os planos são rídiculos se partirem das personagens e não do Realizador. A história não é nossa só porque nos cabe a nós representá-la. Mas pensamos sempre que sim...
Somos só actores. Não nos cabe mudar a história, no entanto, é da nossa responsabilidade o que fazemos com ela.
O guião está feito, mas a interpretação é nossa.
A morte será sempre a morte, porque arrasta lágrimas e boas recordações com ela, leva-nos o ânimo e os projectos, rouba-nos o alento e as forças. Mas é um passo, nem sequer o mais importante, da vida de uma pessoa.
Não faz sentido chorar pela flores que nos murcham nas jarras. Tal como nós, elas têm o seu tempo. Nós só nos podemos dar por felizes por cada dia que nos presentearam com a sua beleza, por cada dia que nos fizeram sorrir, por cada dia que nos animaram o rosto só de as ver.
Não gosto de lamentar pelas flores da minha vida, porque o seu significado nunca se alterará apenas por terem murchado. Isso só as tornou mais especiais. Tornou cada momento único e especial, digno de ser guardado para sempre.
Ontem apanhei (pela primeira vez e finalmente!!) o ramo da noiva.
Amanhã é outro dia, e hoje ele é só um apanhado de flores com um fim traçado, como todos nós.
E, por agora, não me apetece moldá-lo mais do que isso.
14 maio 2009
Estão a perceber porquê?
Ainda bem que acabei o contrato!!
Eu tenho uma t-shirt que, se eu levantar a mão para escrever no quadro, deixa ver cerca de 20 mm da minha chicha lateral! Um ultraje!!
Isto cabe no mesmo tipo de argumentação que leva a justificar as violações com o comportamento lascivo das mulheres!
Haja paciência e, sobretudo, bom senso!
Classificando-a de "inusitado atentado à liberdade individual"
Eu tenho uma t-shirt que, se eu levantar a mão para escrever no quadro, deixa ver cerca de 20 mm da minha chicha lateral! Um ultraje!!
Isto cabe no mesmo tipo de argumentação que leva a justificar as violações com o comportamento lascivo das mulheres!
Haja paciência e, sobretudo, bom senso!
Classificando-a de "inusitado atentado à liberdade individual"
BE questiona Ministério da Educação sobre proibição de vestuário em escola no Pinhal Novo
13.05.2009 - 22h19 Lusa
O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda questionou hoje o Ministério da Educação sobre se tem conhecimento da proibição do uso de certo tipo de vestuário por alunos, professores e funcionários numa escola básica no Pinhal Novo.Num documento dirigido ao presidente da Assembleia da República, o BE refere que, por alteração do regulamento interno da Escola Básica do 2º e 3º ciclos José Maria dos Santos/Pinhal Novo, no concelho de Palmela (Setúbal), "alunos, professores e funcionários estão proibidos de vestir tops com decotes pronunciados, mini-saias e calças descaídas".
Segundo o BE, a presidente do conselho executivo da escola defendeu que tais alterações "advêm de situações verificadas na sala de aula e no refeitório daquele estabelecimento de ensino" e que as novas regras visam "transmitir valores e princípios".
O BE considera que estas regras constituem um "inusitado atentado à liberdade individual, cujo cariz autoritário merece o mais profundo repúdio" e questiona se o Ministério da Educação tem "conhecimento das determinações aplicadas" na escola.
"Que diligências pretende o Governo adoptar no sentido de revogação imediata da imposição aos alunos, professores e funcionários daquele estabelecimento de ensino?", questiona o BE, que quer ainda saber se "pretende o Governo advertir os autores da medida em causa".
In Público
08 maio 2009
Imaginação é...
Imaginação é fazer uma Ressonância Magnética e...
... fingir que, em vez de estarmos num tubo de ensaio que mais parece uma gaveta da morgue, estamos deitados de costas num campo de relva fresquinha e olhamos o céu estrelado à nossa frente.
... fechar os olhos durante cerca de 15 minutos e pensar que estamos de olhos abertos a ver outras coisas, que não aquele túnel claustrofóbico.
... ignorar a respiração acelarada e, já que estamos deitadinhos, aproveitar para passar pelas brasas.
... pensar em coisas que em nada se relacionem com uma enorme máquina que nos engole, e com um íman gigante capaz de atrair qualquer metal dentro do nosso corpo.
... organizar mentalmente a barulheira toda que se ouve e interpretá-la como se fossem os ritmos mais recentes para um rave! (porra, que esta foi a mais difícil, mas era a melhor comparação que podia fazer!)
... fingir que, em vez de estarmos num tubo de ensaio que mais parece uma gaveta da morgue, estamos deitados de costas num campo de relva fresquinha e olhamos o céu estrelado à nossa frente.
... fechar os olhos durante cerca de 15 minutos e pensar que estamos de olhos abertos a ver outras coisas, que não aquele túnel claustrofóbico.
... ignorar a respiração acelarada e, já que estamos deitadinhos, aproveitar para passar pelas brasas.
... pensar em coisas que em nada se relacionem com uma enorme máquina que nos engole, e com um íman gigante capaz de atrair qualquer metal dentro do nosso corpo.
... organizar mentalmente a barulheira toda que se ouve e interpretá-la como se fossem os ritmos mais recentes para um rave! (porra, que esta foi a mais difícil, mas era a melhor comparação que podia fazer!)
17 abril 2009
Ensaio sobre a cegueira
Ontem eu comecei o dia bem. Fui para a natação às 7h30 da manhã com a Luísa e fui para as aulas. Tinha de marcar os equipamentos na escola para passar uns powerpoints na 2ª feira, e tinha à minha espera um almoço sofisticado e uma tarde bem passada.
No comboio já levava comigo uma dor de cabeça, mas pensei que depois do comprimido tomado, não fizesse mossa no meu dia.
Já na sala de professores fui escrever o sumário do dia anterior que ficou por registar. Foi aí. Foi quando levantei os olhos do livro de ponto que vi, mais do que devia ver. Era uma mancha, com contornos brilhantes e dentro dela eu via tudo esbatido. A mancha não era muito grande, mas era definitivamente perturbadora. Pensei que devia ter estado a fixar o sol pela janela, sem me aperceber, e que passaria.
Dirigi-me à sala de aula e pelo caminho telefonei ao André. Eu estava a ver algo que não existia e a minha primeira opção era entrar em pânico. Comandei a mim própria ficar calma, mas nunca me obedeci. O André prometeu largar o dia de trabalho dele e vir imediatamente buscar-me. Eu hesitei, porque odeio faltar às aulas, e como eram poucas, ainda tentei resistir à perturbação de uma mancha que me toldava a visão.
Entrei na sala, abro o livro de ponto e começo a fixá-lo. Os rabiscos escuros sobre a folha branca escancaram em pleno contraste o quanto eu não estou a ver nessa mancha. A nódoa visual tinha aumentado e eu já só conseguia ler o que fixava em frente. Pensamentos (agora, estúpidos!) como "Meu Deus! Estou a ficar cega!" ou "É castigo por todos os pecados, pensamentos e palavras que cometi nestes 30 anos!" rasgaram o nexo do meu raciocínio e eu fiquei ali, com 15 miúdos à frente, apavorada, a pensar que sairia daquela sala, em braços, e já sem ver o meu caminho.
"- Chamem a funcionária por favor, que eu não me estou a sentir bem." - estava a guardá-lo para o dia em que me rebentassem as águas em plena aula.
Pensei no pior. Pensei em ficar cega, pensei como a minha vida ia ser diferente e difícil. Pensei que eu me deslumbro com tudo o que vejo e que nunca mais poderia ver. Ver papoilas por entre as ervas verdes. Ver o rosmaninho e as giestas em Idanha. Ver o céu nublado e a luz do sol a entrecortar de forma inspiradora as núvens. Pensei em nunca mais conseguir ver o rosto de todos aqueles que amo.
As lágrimas cairam-me, tímidas e gordas, pela cara abaixo.
Podia escrever rios de palavras que só aquelas lágrimas conseguem exprimir o que senti.
Fui acompanhada até à sala de professores, onde me deitei e fechei os olhos. Tinha medo de cada vez que os abria, de ver uma coisa nova e deturpada que eu sabia não estar à minha frente.
O André levou-me dali para o meu oftalmologista, aquele a quem confiei os meus olhos, como o bem mais precioso que tenho. Ele teve a bondade de me atender numa tarde já de si preenchida e complicada. Fez-me os exames normais, pôs-me a olhar para uma folha aos quadradinhos com um ponto no centro e sorriu-me sempre, com aquele ar apaziguador de quem vai tratar de tudo e deixar-me bem. A esta altura, os sintomas visuais já tinham desaparecido, mas o susto não. E muito menos o medo de voltarem.
"- Não tenho dúvida nenhuma de que se trata de uma enxaqueca oftálmica."
A minha cara continuou contorcida até ele dizer que isto não era nada de grave. Devia-se a vasoespasmos, nome que não corresponde a nada de assustador, mas ainda assim, e por ser a primeira vez que me aconteceu, aconselhou-me a fazer um exame neurológico, para excluir qualquer hipótese menos tranquilizante.
Apeteceu-me dar-lhe um beijinho na testa!
Nunca fiquei tão feliz por ter pago 56 euros só para me dizerem: "logo à noite já estará completamente recuperada!"
Saí do consultório, de óculos escuros que a luz do sol é bonita, mas não para quem está com dores de cabeça.
Tudo estava como dantes: eu via com nitidez (ou pelo menos, aquela que é habitual) TODOS os pontos do meu campo visual. Estava feliz.
E apesar de ter faltado às aulas, de não ter marcado os equipamentos, de ter sido obrigada a adiar o meu almoço e a minha tarde de tagarelice, contra todas as minhas vontades, o dia pareceu-me bom.
Bom.
Um dia maravilhoso, à luz do buraco negro em que tinha caído nessa manhã.
No comboio já levava comigo uma dor de cabeça, mas pensei que depois do comprimido tomado, não fizesse mossa no meu dia.
Já na sala de professores fui escrever o sumário do dia anterior que ficou por registar. Foi aí. Foi quando levantei os olhos do livro de ponto que vi, mais do que devia ver. Era uma mancha, com contornos brilhantes e dentro dela eu via tudo esbatido. A mancha não era muito grande, mas era definitivamente perturbadora. Pensei que devia ter estado a fixar o sol pela janela, sem me aperceber, e que passaria.
Dirigi-me à sala de aula e pelo caminho telefonei ao André. Eu estava a ver algo que não existia e a minha primeira opção era entrar em pânico. Comandei a mim própria ficar calma, mas nunca me obedeci. O André prometeu largar o dia de trabalho dele e vir imediatamente buscar-me. Eu hesitei, porque odeio faltar às aulas, e como eram poucas, ainda tentei resistir à perturbação de uma mancha que me toldava a visão.
Entrei na sala, abro o livro de ponto e começo a fixá-lo. Os rabiscos escuros sobre a folha branca escancaram em pleno contraste o quanto eu não estou a ver nessa mancha. A nódoa visual tinha aumentado e eu já só conseguia ler o que fixava em frente. Pensamentos (agora, estúpidos!) como "Meu Deus! Estou a ficar cega!" ou "É castigo por todos os pecados, pensamentos e palavras que cometi nestes 30 anos!" rasgaram o nexo do meu raciocínio e eu fiquei ali, com 15 miúdos à frente, apavorada, a pensar que sairia daquela sala, em braços, e já sem ver o meu caminho.
"- Chamem a funcionária por favor, que eu não me estou a sentir bem." - estava a guardá-lo para o dia em que me rebentassem as águas em plena aula.
Pensei no pior. Pensei em ficar cega, pensei como a minha vida ia ser diferente e difícil. Pensei que eu me deslumbro com tudo o que vejo e que nunca mais poderia ver. Ver papoilas por entre as ervas verdes. Ver o rosmaninho e as giestas em Idanha. Ver o céu nublado e a luz do sol a entrecortar de forma inspiradora as núvens. Pensei em nunca mais conseguir ver o rosto de todos aqueles que amo.
As lágrimas cairam-me, tímidas e gordas, pela cara abaixo.
Podia escrever rios de palavras que só aquelas lágrimas conseguem exprimir o que senti.
Fui acompanhada até à sala de professores, onde me deitei e fechei os olhos. Tinha medo de cada vez que os abria, de ver uma coisa nova e deturpada que eu sabia não estar à minha frente.
O André levou-me dali para o meu oftalmologista, aquele a quem confiei os meus olhos, como o bem mais precioso que tenho. Ele teve a bondade de me atender numa tarde já de si preenchida e complicada. Fez-me os exames normais, pôs-me a olhar para uma folha aos quadradinhos com um ponto no centro e sorriu-me sempre, com aquele ar apaziguador de quem vai tratar de tudo e deixar-me bem. A esta altura, os sintomas visuais já tinham desaparecido, mas o susto não. E muito menos o medo de voltarem.
"- Não tenho dúvida nenhuma de que se trata de uma enxaqueca oftálmica."
A minha cara continuou contorcida até ele dizer que isto não era nada de grave. Devia-se a vasoespasmos, nome que não corresponde a nada de assustador, mas ainda assim, e por ser a primeira vez que me aconteceu, aconselhou-me a fazer um exame neurológico, para excluir qualquer hipótese menos tranquilizante.
Apeteceu-me dar-lhe um beijinho na testa!
Nunca fiquei tão feliz por ter pago 56 euros só para me dizerem: "logo à noite já estará completamente recuperada!"
Saí do consultório, de óculos escuros que a luz do sol é bonita, mas não para quem está com dores de cabeça.
Tudo estava como dantes: eu via com nitidez (ou pelo menos, aquela que é habitual) TODOS os pontos do meu campo visual. Estava feliz.
E apesar de ter faltado às aulas, de não ter marcado os equipamentos, de ter sido obrigada a adiar o meu almoço e a minha tarde de tagarelice, contra todas as minhas vontades, o dia pareceu-me bom.
Bom.
Um dia maravilhoso, à luz do buraco negro em que tinha caído nessa manhã.
15 abril 2009
Silêncio de si para si.
Eu sou uma pessoa do silêncio.
Tanto quanto sou uma mulher da cor!
Mete-me espécie os miúdos espernearem para ouvir música na aula, quando eu trabalho bem é no silêncio. Ninguém leve a mal, que eu adoro música. Mas sou uma pessoa tão analítica que gosto de me especializar nas tarefas. Se oiço música, não é para entreter, é para disfrutar a ouvir ou a dançar.
Na minha nova escola não há público-alvo para amizades, muito menos disponível para investimentos a fundo perdido, especialmente com o final do ano já à vista. Dedico-me por isso a disfrutar do silêncio que tanto preciso. Não tenho grandes conversas, nem almoços agendados com colegas. Tenho-me a mim e tenho de me aturar nos tempos livres.
Confirmei a teoria de que eu preciso do silêncio para me restabelecer, e o que qualquer pessoa pode classificar de solidão, para mim é só um espaço e tempo zen.
Estar em silêncio, para mim, é conseguir ouvir-me a pensar, e as parvoeiras que me passam pela cabeça conseguem fazer eco mesmo no meio de um centro comercial, na zona das comidas, em plena hora de ponta. Abstraio-me do burburinho e reflicto sobre mim, a minha vida, donde venho, para onde vou, o futuro, o passado... essas coisas fundamentais do dia-a-dia.
Quando me levanto, de barriga cheia e cabeça vazia, estou como nova. Pronta para atacar a segunda dose de aulas que me leva até ao final da jornada.
A solidão é uma condiçãopara muitos assustadora e, para mim, vital. Gosto de estar no meu canto, de me rever, de ter o meu tempo, e de dar tempo a mim própria. Na realidade, é um privilégio poder disfrutar de tempo de nós para nós. Já não chega ter de me dividir nas esferas da minha vida, como tenho de me dividir pelas pessoas da minha vida e nós acabamos por ficar inevitavelmente no fundo da lista das prioridades.
O silêncio é de ouro.
Talvez seja por isso que eu tenho a sensação permanente de estar a ser roubada...
Tanto quanto sou uma mulher da cor!
Mete-me espécie os miúdos espernearem para ouvir música na aula, quando eu trabalho bem é no silêncio. Ninguém leve a mal, que eu adoro música. Mas sou uma pessoa tão analítica que gosto de me especializar nas tarefas. Se oiço música, não é para entreter, é para disfrutar a ouvir ou a dançar.
Na minha nova escola não há público-alvo para amizades, muito menos disponível para investimentos a fundo perdido, especialmente com o final do ano já à vista. Dedico-me por isso a disfrutar do silêncio que tanto preciso. Não tenho grandes conversas, nem almoços agendados com colegas. Tenho-me a mim e tenho de me aturar nos tempos livres.
Confirmei a teoria de que eu preciso do silêncio para me restabelecer, e o que qualquer pessoa pode classificar de solidão, para mim é só um espaço e tempo zen.
Estar em silêncio, para mim, é conseguir ouvir-me a pensar, e as parvoeiras que me passam pela cabeça conseguem fazer eco mesmo no meio de um centro comercial, na zona das comidas, em plena hora de ponta. Abstraio-me do burburinho e reflicto sobre mim, a minha vida, donde venho, para onde vou, o futuro, o passado... essas coisas fundamentais do dia-a-dia.
Quando me levanto, de barriga cheia e cabeça vazia, estou como nova. Pronta para atacar a segunda dose de aulas que me leva até ao final da jornada.
A solidão é uma condiçãopara muitos assustadora e, para mim, vital. Gosto de estar no meu canto, de me rever, de ter o meu tempo, e de dar tempo a mim própria. Na realidade, é um privilégio poder disfrutar de tempo de nós para nós. Já não chega ter de me dividir nas esferas da minha vida, como tenho de me dividir pelas pessoas da minha vida e nós acabamos por ficar inevitavelmente no fundo da lista das prioridades.
O silêncio é de ouro.
Talvez seja por isso que eu tenho a sensação permanente de estar a ser roubada...
19 março 2009
Primavera: novo começo, nova escola
São 13h15.
Fecho a porta da sala de aula atrás de mim e aqui vou eu, de regresso para Azeitão.
Entro no autocarro e gosto de ouvir as conversas para descobrir sempre algo novo na paisagem do potencialmente monótono percurso diário.
Oiço atrás de mim:
- Que escola é esta? - pela voz de uma teenager inconsciente.
- É a Secundária de Benfica! - responde a amiga.
- Ai é eeeesssta (pausa). Se eu aqui andasse ia ser um sucesso. Ia marcar a diferença! Olha lá para as gajas: são todas iguais!!
A rapariga que estava atrás de mim era uma mulata, muito bem arranjada, com as suas argolas gordas e douradas e um lenço tigresa a envolver o pescoço. Quer imaginem ou não, eu reconheço-lhe a boa pinta, embora num estilo muito "sui generis". Claro que para ela, uma escola de betos era mesmo só para se poder distinguir da multidão.
Em 30 segundos de observação, a miúda foi suficientemente perspicaz para perceber que aquela escola forma autómatos, que curiosamente já vêm todos formatados. Recordei com algum agrado e ternura, as minhas turmas no Barreiro, onde havia sempre negros e onde todos se davam bem e atiravam as piadas mais racistas uns aos outros, fossem brancos ou pretos, e riam todos, como se nem fosse com eles. A cor não era um problema. O estilo também não.
Quem vai ao cinema e vê aquele anúncio dos dreads, dos betinhos, dos rockers, dos mitras, dos rappers e outros que tanto, percebe porque é que eu sou uma sumólica!
Não é uma questão de não haver diferenças. É valorizar as diferenças. E a mim chateia-me a standardização.
É para isso que a escola lá está: para construir uma matriz, sobre a qual todos podem partir para construir um eu personalizado, ao gosto da vida de cada um.
A escola agora trabalha em competição com os próprios putos, que já têm todos uma matriz: a má educação.
Perguntam-me se podem ouvir música nas aulas, e questionam-me porque não podem ter o chapéu / boné na cabeça quando estão na sala, ou porque não podem mascar pastilhas, ou ter o telemóvel (que vibra!) no bolso. Todas estas questões abrem longos processos de negociação ao que eu costumo opôr um não redundante, sempre com a mais que óbvia justificação, ou então colocar na mesa uma condição impossível.
"- Fica combinado! Se houver um dia em que eu diga "vocês hoje portaram-se bem!" no dia seguinte poderão ouvir música na aula!" - LOL! Nem percebo, porque ficam contentes, mas isto fá-los calar. Até dá pena... é como roubar um chupa a uma criança.
A rapariga no autocarro foi certeira. Aquela escola estava para ela, como um extenso prado verde está para uma papoila. E eu ali, de verde também não tenho nada.
Não me interpretem mal. A escola é boa e não tenho tido nenhuma razão de queixa. Os miúdos é que vivem num mundo diferente do meu. Passam férias no Quénia e no Brasil, vão passar o fim de ano a Londres, têm o topo de gama das Consolas, usufruem de actividades extra-curriculares como equitação e ténis, dedicam-se à aprendizagem de um instrumento musical e muitos estão inscritos na dança.
O dinheiro não dá felicidade, mas contribui para a inteligência. E isto é tão certo como o sol voltar a nascer amanhã.
Tanto a dança como a música requisitam capacidades de visualização e abastracção, capacidades essas essenciais na minha disciplina. Quando estou a falar de múltiplas projecções ortogonais, os alunos conseguem com facilidade montar na sua cabeça uma peça, a partir das suas vistas isoladas. E isto, normalmente, é sempre o cabo dos trabalhos!
Ter o privilégio de poder frequentar a música, a dança ou outro desporto, implica ter benefícios na escola.
Poder conhecer outros países, culturas, habitats, abre-lhes os horizontes, e tudo o que nós dizemos na aula tem para eles um reflexo múltiplo, como um caleidoscópio.
Todos os outros miúdos que não têm a possibilidade de bancar viagens e actividades extra-curriculares, reflectem as nossas palavras num espelho, por vezes baço, o que leva a interpretações pouco claras ou até distorcidas.
Não os censuro por serem privilegiados, por poderem desfrutar de um mundo com mais cambiantes do que o preto e o branco. Só lamento que, nas suas cabeças bem desenvolvidas, não se desenvolva a ideia de que o mundo, ele próprio, é um caleidoscópio de infinitas tonalidades.
Só lamento que estes miúdos não saibam, não vejam, não desconfiem que nem toda a gente vê a cores como eles.
E isso aos meus olhos, torna-os mais pobres, pela falta de consciência do Outro.
É fácil ter a vida fácil, e mais fácil é se ignorarmos que para alguns a vida é difícil.
Alivia o sentimento de culpa, por ter tirado a senha para a boa sorte. Mas será que custa assim tanto, sentir essa culpa? Será que custa mais do que a senha para o infortúnio?
É o mínino que podiam fazer: ter consciência, com uma pontinha de humildade (já nem digo vergonha!).
Só agora tive tempo para me sentar e escrever, ao invés de sentar e dormir.
A minha nova escola é em Lisboa e isso obriga-me a regressar a uma rotina que em tempos conheci: a do levantar cedo e andar de transportes públicos.
Não nego que adoro: ninguém me risca as portas do carro, sou cumprimentada com respeito nos transportes públicos (olá stora!), tenho mais tempo para observar, ouvir e registar o que me rodeia, e sobretudo, tenho mais tempo para mim.
Quando chego a casa é para comer e dormir, mas esta semana já consegui introduzir 5 horas de ginástica. A sensação, lá para as onze da noite, é de ter sido batida com um pau, mas curiosamente não estar roxa!
As noites têm sido santas, as manhãs nem tanto. Eu não fui feita para me levantar às 6 da manhã e já consegui partir um dedo do pé (há 5 anos atrás!) por me levantar a essa hora. O cérebro só entra em velocidade de cruzeiro lá para as 10, mas assim que entro na aula, ligo logo o turbo.
Não tenho suado! Daquele suar de ansiedade que uiva dentro de nós.
Tenho chegado lá e arrasado, ou pelo menos é isso que comando a mim própria antes de atravessar os portões da escola. É uma enorme felicidade para mim, que não é ganhar o Euromilhões, nem fazer uma viagem à volta do mundo. É viver finalmente cada dia como uma pessoa normal. Sem stress.
Nada me perturba o suficiente para me pôr o cérebro a trabalhar a 100 à hora, em desgaste permanente do corpo e mente. No entanto, continuo com a Primavera entalada no nariz e na garganta, e acho que só lá para o Verão é que vou engolir de vez esta alergia.
Menos mal.
Os sprays e os comprimidos valem a pena, só para ver de novo a natureza a despontar.
Quero lá saber da alergia!
Quando estou lá fora, maravilho-me com a mais pequena coisa, sorrio, e inspiro sempre fundo!
Fecho a porta da sala de aula atrás de mim e aqui vou eu, de regresso para Azeitão.
Entro no autocarro e gosto de ouvir as conversas para descobrir sempre algo novo na paisagem do potencialmente monótono percurso diário.
Oiço atrás de mim:
- Que escola é esta? - pela voz de uma teenager inconsciente.
- É a Secundária de Benfica! - responde a amiga.
- Ai é eeeesssta (pausa). Se eu aqui andasse ia ser um sucesso. Ia marcar a diferença! Olha lá para as gajas: são todas iguais!!
A rapariga que estava atrás de mim era uma mulata, muito bem arranjada, com as suas argolas gordas e douradas e um lenço tigresa a envolver o pescoço. Quer imaginem ou não, eu reconheço-lhe a boa pinta, embora num estilo muito "sui generis". Claro que para ela, uma escola de betos era mesmo só para se poder distinguir da multidão.
Em 30 segundos de observação, a miúda foi suficientemente perspicaz para perceber que aquela escola forma autómatos, que curiosamente já vêm todos formatados. Recordei com algum agrado e ternura, as minhas turmas no Barreiro, onde havia sempre negros e onde todos se davam bem e atiravam as piadas mais racistas uns aos outros, fossem brancos ou pretos, e riam todos, como se nem fosse com eles. A cor não era um problema. O estilo também não.
Quem vai ao cinema e vê aquele anúncio dos dreads, dos betinhos, dos rockers, dos mitras, dos rappers e outros que tanto, percebe porque é que eu sou uma sumólica!
Não é uma questão de não haver diferenças. É valorizar as diferenças. E a mim chateia-me a standardização.
É para isso que a escola lá está: para construir uma matriz, sobre a qual todos podem partir para construir um eu personalizado, ao gosto da vida de cada um.
A escola agora trabalha em competição com os próprios putos, que já têm todos uma matriz: a má educação.
Perguntam-me se podem ouvir música nas aulas, e questionam-me porque não podem ter o chapéu / boné na cabeça quando estão na sala, ou porque não podem mascar pastilhas, ou ter o telemóvel (que vibra!) no bolso. Todas estas questões abrem longos processos de negociação ao que eu costumo opôr um não redundante, sempre com a mais que óbvia justificação, ou então colocar na mesa uma condição impossível.
"- Fica combinado! Se houver um dia em que eu diga "vocês hoje portaram-se bem!" no dia seguinte poderão ouvir música na aula!" - LOL! Nem percebo, porque ficam contentes, mas isto fá-los calar. Até dá pena... é como roubar um chupa a uma criança.
A rapariga no autocarro foi certeira. Aquela escola estava para ela, como um extenso prado verde está para uma papoila. E eu ali, de verde também não tenho nada.
Não me interpretem mal. A escola é boa e não tenho tido nenhuma razão de queixa. Os miúdos é que vivem num mundo diferente do meu. Passam férias no Quénia e no Brasil, vão passar o fim de ano a Londres, têm o topo de gama das Consolas, usufruem de actividades extra-curriculares como equitação e ténis, dedicam-se à aprendizagem de um instrumento musical e muitos estão inscritos na dança.
O dinheiro não dá felicidade, mas contribui para a inteligência. E isto é tão certo como o sol voltar a nascer amanhã.
Tanto a dança como a música requisitam capacidades de visualização e abastracção, capacidades essas essenciais na minha disciplina. Quando estou a falar de múltiplas projecções ortogonais, os alunos conseguem com facilidade montar na sua cabeça uma peça, a partir das suas vistas isoladas. E isto, normalmente, é sempre o cabo dos trabalhos!
Ter o privilégio de poder frequentar a música, a dança ou outro desporto, implica ter benefícios na escola.
Poder conhecer outros países, culturas, habitats, abre-lhes os horizontes, e tudo o que nós dizemos na aula tem para eles um reflexo múltiplo, como um caleidoscópio.
Todos os outros miúdos que não têm a possibilidade de bancar viagens e actividades extra-curriculares, reflectem as nossas palavras num espelho, por vezes baço, o que leva a interpretações pouco claras ou até distorcidas.
Não os censuro por serem privilegiados, por poderem desfrutar de um mundo com mais cambiantes do que o preto e o branco. Só lamento que, nas suas cabeças bem desenvolvidas, não se desenvolva a ideia de que o mundo, ele próprio, é um caleidoscópio de infinitas tonalidades.
Só lamento que estes miúdos não saibam, não vejam, não desconfiem que nem toda a gente vê a cores como eles.
E isso aos meus olhos, torna-os mais pobres, pela falta de consciência do Outro.
É fácil ter a vida fácil, e mais fácil é se ignorarmos que para alguns a vida é difícil.
Alivia o sentimento de culpa, por ter tirado a senha para a boa sorte. Mas será que custa assim tanto, sentir essa culpa? Será que custa mais do que a senha para o infortúnio?
É o mínino que podiam fazer: ter consciência, com uma pontinha de humildade (já nem digo vergonha!).
Só agora tive tempo para me sentar e escrever, ao invés de sentar e dormir.
A minha nova escola é em Lisboa e isso obriga-me a regressar a uma rotina que em tempos conheci: a do levantar cedo e andar de transportes públicos.
Não nego que adoro: ninguém me risca as portas do carro, sou cumprimentada com respeito nos transportes públicos (olá stora!), tenho mais tempo para observar, ouvir e registar o que me rodeia, e sobretudo, tenho mais tempo para mim.
Quando chego a casa é para comer e dormir, mas esta semana já consegui introduzir 5 horas de ginástica. A sensação, lá para as onze da noite, é de ter sido batida com um pau, mas curiosamente não estar roxa!
As noites têm sido santas, as manhãs nem tanto. Eu não fui feita para me levantar às 6 da manhã e já consegui partir um dedo do pé (há 5 anos atrás!) por me levantar a essa hora. O cérebro só entra em velocidade de cruzeiro lá para as 10, mas assim que entro na aula, ligo logo o turbo.
Não tenho suado! Daquele suar de ansiedade que uiva dentro de nós.
Tenho chegado lá e arrasado, ou pelo menos é isso que comando a mim própria antes de atravessar os portões da escola. É uma enorme felicidade para mim, que não é ganhar o Euromilhões, nem fazer uma viagem à volta do mundo. É viver finalmente cada dia como uma pessoa normal. Sem stress.
Nada me perturba o suficiente para me pôr o cérebro a trabalhar a 100 à hora, em desgaste permanente do corpo e mente. No entanto, continuo com a Primavera entalada no nariz e na garganta, e acho que só lá para o Verão é que vou engolir de vez esta alergia.
Menos mal.
Os sprays e os comprimidos valem a pena, só para ver de novo a natureza a despontar.
Quero lá saber da alergia!
Quando estou lá fora, maravilho-me com a mais pequena coisa, sorrio, e inspiro sempre fundo!
07 março 2009
Irra!!!!
Talvez seja por estar à espera do próximo contrato, talvez seja por não ter meninos que me dêem cabo da cabeça, ou talvez eu seja mesmo assim.
Não tenho paciência. Ponto.
Afirmação verdadeira que nem precisa de complementos.
Mas ainda tenho menos paciência para ouvir pessoas a falarem daquilo que não sabem, sobretudo se forem coisas sobre as quais eu infelizmente sei mais, e ainda assim teimarem em me fazer de estúpida!
Eu, Ana Sofia, assumo aqui solenemente que odeio que me façam de estúpida.
"Releeeeva!" - digo de mim para mim. Mas eu não sei relevar. Não tenho por que me fazer de estúpida, se não sou.
E no entanto é o que eu faço a maioria das vezes.
Rebaixo-me, falo de mim sem escrúpulos, nem piedade. Refiro-me a este período da minha vida como desemprego e sempre com orgulho. Não me faço parecer mais do que eu sou. Mostro apenas todos os meus podres sem excepção. Sou assim. E ser assim é ser matéria-prima de qualidade para pessoas que se querem armar em boas, ou no mínimo, melhores do que são.
Eu aceito muito bem todas as pessoas com vidas, oportunidades, trabalhos, casas, guarda-roupa, famílias e cultura geral invejáveis. Cobiço-lhes os dons, mas gosto de aprender com elas. Há pessoas pelas quais sinto uma genuína admiração, porque essas pessoas são mesmo aquilo que parecem.
Há outras que se ficam só pelas aparências. E para essas eu não tenho paciência. Especialmente quando a aparência envolve fazerem dos outros estúpidos.
Isto acontece-me frequentemente por uma simples razão. No que diz respeito às minhas falhas, insucessos, ou defeitos, eu não sei o que é um eufemismo. Sei no entanto, o que é uma hipérbole...
Enfatizo o que há de pior em mim, e depois aparecem-me cromos a darem-me rodas de parva.
Meus amigos, não é bem assim...
E depois lá está. Aquilo que eu aturo, aturo, aturo, aturo, um dia explode. Nem sempre com a pessoa certa, nem sempre na altura certa. Mas falta-me a paciência para continuar a representar o papel de parva na encenação dos outros.
Acabou.
A partir de hoje não estou desempregada. Estou em período de interregno entre contratos. E que diferença faz dizer as coisas com outras palavras. As pessoas olham para nós logo com outro respeito.
Aprendi pela vida fora que o respeito conquista-se. E apenas por aqueles que se dão ao respeito.
Eu não me dou ao respeito.
Enxovalho-me aos olhos dos outros, como o faço comigo no escuro da noite.
Esbodego todos os meus podres, sem lamentos, nem pudores.
...
Não posso esperar que sejam os outros a refrear as suas atitudes, por muito reprováveis que sejam. Eu incito-os a isso.
Sou assim, mas tenho de mudar, porque mais do que me sentir magoada pela desconsideração dos outros, eu sinto-me magoada com a minha própria desconsideração por mim.
Essa sim, é a raiz de tudo.
Baixo a cabeça, inspiro fundo e (como o odeio!) assumo que errei.
Na minha cabeça era sempre preferível que as pessoas não se auto-promovessem em pseudo-intelectuais. Mas eles existem e andam aí...
Por isso Ana Sofia, faz um favor a ti própria, e pára de te fazeres de estúpida, porque para isso estão lá os outros!
Não tenho paciência. Ponto.
Afirmação verdadeira que nem precisa de complementos.
Mas ainda tenho menos paciência para ouvir pessoas a falarem daquilo que não sabem, sobretudo se forem coisas sobre as quais eu infelizmente sei mais, e ainda assim teimarem em me fazer de estúpida!
Eu, Ana Sofia, assumo aqui solenemente que odeio que me façam de estúpida.
"Releeeeva!" - digo de mim para mim. Mas eu não sei relevar. Não tenho por que me fazer de estúpida, se não sou.
E no entanto é o que eu faço a maioria das vezes.
Rebaixo-me, falo de mim sem escrúpulos, nem piedade. Refiro-me a este período da minha vida como desemprego e sempre com orgulho. Não me faço parecer mais do que eu sou. Mostro apenas todos os meus podres sem excepção. Sou assim. E ser assim é ser matéria-prima de qualidade para pessoas que se querem armar em boas, ou no mínimo, melhores do que são.
Eu aceito muito bem todas as pessoas com vidas, oportunidades, trabalhos, casas, guarda-roupa, famílias e cultura geral invejáveis. Cobiço-lhes os dons, mas gosto de aprender com elas. Há pessoas pelas quais sinto uma genuína admiração, porque essas pessoas são mesmo aquilo que parecem.
Há outras que se ficam só pelas aparências. E para essas eu não tenho paciência. Especialmente quando a aparência envolve fazerem dos outros estúpidos.
Isto acontece-me frequentemente por uma simples razão. No que diz respeito às minhas falhas, insucessos, ou defeitos, eu não sei o que é um eufemismo. Sei no entanto, o que é uma hipérbole...
Enfatizo o que há de pior em mim, e depois aparecem-me cromos a darem-me rodas de parva.
Meus amigos, não é bem assim...
E depois lá está. Aquilo que eu aturo, aturo, aturo, aturo, um dia explode. Nem sempre com a pessoa certa, nem sempre na altura certa. Mas falta-me a paciência para continuar a representar o papel de parva na encenação dos outros.
Acabou.
A partir de hoje não estou desempregada. Estou em período de interregno entre contratos. E que diferença faz dizer as coisas com outras palavras. As pessoas olham para nós logo com outro respeito.
Aprendi pela vida fora que o respeito conquista-se. E apenas por aqueles que se dão ao respeito.
Eu não me dou ao respeito.
Enxovalho-me aos olhos dos outros, como o faço comigo no escuro da noite.
Esbodego todos os meus podres, sem lamentos, nem pudores.
...
Não posso esperar que sejam os outros a refrear as suas atitudes, por muito reprováveis que sejam. Eu incito-os a isso.
Sou assim, mas tenho de mudar, porque mais do que me sentir magoada pela desconsideração dos outros, eu sinto-me magoada com a minha própria desconsideração por mim.
Essa sim, é a raiz de tudo.
Baixo a cabeça, inspiro fundo e (como o odeio!) assumo que errei.
Na minha cabeça era sempre preferível que as pessoas não se auto-promovessem em pseudo-intelectuais. Mas eles existem e andam aí...
Por isso Ana Sofia, faz um favor a ti própria, e pára de te fazeres de estúpida, porque para isso estão lá os outros!
27 fevereiro 2009
Aaaaahhhhhhhh!!!
Que porra!
Estão a ver porque desejo sempre muita saúde às pessoas? Soa a desejo de velha, mas para mim é um bem essencial.
Estou constipada, com expectoração até ao último dos meus alvéolos pulmonares, tosse incontrolável e esta voz que parece vinda de uma cabeça enfiada num garrafão.
Já fui ao médico, já. Fui lá duas vezes, porque passei a 1ª semana a tomar uma treta que não me fez nada. E como eu sou bem mandada, e sei que se o homem é médico ele lá sabe, tomei tudo até ao fim, para lhe poder esfregar isso na cara.
Duas semanas de desemprego que mais cheirava a férias, e toma lá com esta enfermidade que me pôs no sofá embrulhada na manta a beber chazinhos e a fazer inalações. Que raios!
Tenho o telefone avariado e ontem o meu computador esteve a formatar. Estive completamente desligada do mundo e percebi o quanto isso me fazia falta.
Hoje estou melhor, ao fim de quase duas semanas!
A minha disposição está insuportável, até para mim.
Olho lá para fora e vejo um dia bonito, mas a mim só me apetece gritar de... saturação!!!
Aguenta mais umas horas, mais um dia, e tudo se irá resolver.
Do mal o menos: ainda não estou colocada e não tenho de fingir que não estou doente. Nem sei o que seria se eu estivesse assim e tivesse de dar aulas. O melhor mesmo é picar o ponto nas doenças em tempo de férias (em tempo de aulas pico o ponto aos fins de semana!), para depois recomeçar fresquinha.
Que neura...
Estão a ver porque desejo sempre muita saúde às pessoas? Soa a desejo de velha, mas para mim é um bem essencial.
Estou constipada, com expectoração até ao último dos meus alvéolos pulmonares, tosse incontrolável e esta voz que parece vinda de uma cabeça enfiada num garrafão.
Já fui ao médico, já. Fui lá duas vezes, porque passei a 1ª semana a tomar uma treta que não me fez nada. E como eu sou bem mandada, e sei que se o homem é médico ele lá sabe, tomei tudo até ao fim, para lhe poder esfregar isso na cara.
Duas semanas de desemprego que mais cheirava a férias, e toma lá com esta enfermidade que me pôs no sofá embrulhada na manta a beber chazinhos e a fazer inalações. Que raios!
Tenho o telefone avariado e ontem o meu computador esteve a formatar. Estive completamente desligada do mundo e percebi o quanto isso me fazia falta.
Hoje estou melhor, ao fim de quase duas semanas!
A minha disposição está insuportável, até para mim.
Olho lá para fora e vejo um dia bonito, mas a mim só me apetece gritar de... saturação!!!
Aguenta mais umas horas, mais um dia, e tudo se irá resolver.
Do mal o menos: ainda não estou colocada e não tenho de fingir que não estou doente. Nem sei o que seria se eu estivesse assim e tivesse de dar aulas. O melhor mesmo é picar o ponto nas doenças em tempo de férias (em tempo de aulas pico o ponto aos fins de semana!), para depois recomeçar fresquinha.
Que neura...
20 fevereiro 2009
Porque o ORGULHO é o pecado mais confessado pelas mulheres...
Deveria estar a fazer um milhão de tarefas que deixei pendentes, mas aquilo que me leva a escrever prende-se com a necessidade de rever a importância das pequenas coisas.
Todos nós já passámos pela experiência de nos sensibilizar-mos com alguém e sobretudo com a partida (temporária ou definitiva) dessa pessoa.
Eu, particularmente, penso várias vezes em firmar o que sinto numa mensagem, mas por uma razão ou outra, os meus sentimentos perdem-se. E a outra pessoa nunca saberá deles. Conforto-me dizendo que nada disso faria diferença.Mas faz.
Faz-nos sentir importantes, especiais e com valor, acima tudo reconhecidos e atestados por outrem.
Neste final de contrato, e porque dei aulas aos mais pequeninos, mais atreitos à sinceridade e a todas as manifestações de sentimentos, sem pudor ou comedimento, recebi uma série de pequenos presentes.
Queria só registar que estimo muito a atitude destes meninos e meninas, que os guardo comigo e que se houve por algum momento a dúvida se valeria a pena o incómodo, ela que se recolha de vergonha, porque valeu muuuuuuuuuuiito a pena.
Mesmo que eu só tenha retribuído com um sorriso.
Mesmo que eu não tenha sido efusiva como é meu costume no dia-a-dia.
Na frente da colega que eu estivera a substituir, não ficava bem viver estes momentos a rigor, com lágrimas e tudo.
As lágrimas chorei-as em casa.
Os sorrisos, no entanto, renovam-se de cada vez que olho para estes vestígios de uma relação de amizade com os alunos. Talvez não seja profissional, talvez não seja o que se espera de mim. Mas eu já tenho 30 anos e isso já me dá autoridade para me marimbar no que os outros pensam! :P
Soube-me bem, fez-me bem. E far-me-á muito mais, nos dias em que estiver triste e relembrar que fui, nem que seja por um momento, importante na vida de alguém.
Sim, fez e fará toda a diferença.
Todos nós já passámos pela experiência de nos sensibilizar-mos com alguém e sobretudo com a partida (temporária ou definitiva) dessa pessoa.
Eu, particularmente, penso várias vezes em firmar o que sinto numa mensagem, mas por uma razão ou outra, os meus sentimentos perdem-se. E a outra pessoa nunca saberá deles. Conforto-me dizendo que nada disso faria diferença.
Faz-nos sentir importantes, especiais e com valor, acima tudo reconhecidos e atestados por outrem.
Neste final de contrato, e porque dei aulas aos mais pequeninos, mais atreitos à sinceridade e a todas as manifestações de sentimentos, sem pudor ou comedimento, recebi uma série de pequenos presentes.
Queria só registar que estimo muito a atitude destes meninos e meninas, que os guardo comigo e que se houve por algum momento a dúvida se valeria a pena o incómodo, ela que se recolha de vergonha, porque valeu muuuuuuuuuuiito a pena.
Mesmo que eu só tenha retribuído com um sorriso.
Mesmo que eu não tenha sido efusiva como é meu costume no dia-a-dia.
Na frente da colega que eu estivera a substituir, não ficava bem viver estes momentos a rigor, com lágrimas e tudo.
As lágrimas chorei-as em casa.
Os sorrisos, no entanto, renovam-se de cada vez que olho para estes vestígios de uma relação de amizade com os alunos. Talvez não seja profissional, talvez não seja o que se espera de mim. Mas eu já tenho 30 anos e isso já me dá autoridade para me marimbar no que os outros pensam! :P
Soube-me bem, fez-me bem. E far-me-á muito mais, nos dias em que estiver triste e relembrar que fui, nem que seja por um momento, importante na vida de alguém.
Sim, fez e fará toda a diferença.
O desenho expressivo do trabalho que desenvolvia com os NEE's. Supostamente, eu sou a figura feminina central e a cruz assinala a minha "partida". Do estilo "morri para a aluna", estão a ver? Adoro este tipo de humor negro, que não levo nada a mal e que até me faz abrir mais as minhas perspectivas de leitura.
A óbvia mensagem escrita nas traseiras do desenho, que é uma doçura!
Para a aluna: a minha definição.
Para mim: o meu projecto de vida!
E ainda só consegui conquistar o O em pleno!!
Nunca pensei que um aluno pudesse vir a gostar de mim por eu gostar de ser rigorosa e perfeccionista. Normalmente, esses são os principais motivos para eles embirrarem comigo! Ainda assim, isto foi uma importante conquista para não perder a fé no rumo do ensino.
Lembram-se da Micaela?
A menina que queria trabalhar fez-me esta preciosidade, para mostrar que a sinceridade e a boa vontade é o melhor material para se prestar homenagem a alguém.
A óbvia mensagem escrita nas traseiras do desenho, que é uma doçura!
Para a aluna: a minha definição.
Para mim: o meu projecto de vida!
E ainda só consegui conquistar o O em pleno!!
Nunca pensei que um aluno pudesse vir a gostar de mim por eu gostar de ser rigorosa e perfeccionista. Normalmente, esses são os principais motivos para eles embirrarem comigo! Ainda assim, isto foi uma importante conquista para não perder a fé no rumo do ensino.
Lembram-se da Micaela?
A menina que queria trabalhar fez-me esta preciosidade, para mostrar que a sinceridade e a boa vontade é o melhor material para se prestar homenagem a alguém.
A minha felicidade de final de contrato, estrutura-se em parte nesta sensação: a de sentir que, apesar de todos os erros que possamos ter cometido no dia-a-dia, a nossa presença fez diferença.
E isso me basta, para me lambusar toda orgulhosa nestes pequenos gestos!
E isso me basta, para me lambusar toda orgulhosa nestes pequenos gestos!
17 fevereiro 2009
That's a wrap!!
Não há palavras que descrevam a felicidade que sinto hoje!
Acabei o meu contrato e a infindável telenovela "Tirem-me deste filme!".
Tragédias, comédias, dramas (sim, dramas que eu apanhei tudo, desde colegas a funcionárias, até as senhoras da Secretaria lavadas em lágrimas!). Que cena!
Estranha esta escola em que tudo não corria como era esperado, em que tive de esgravatar pelos meus direitos consagrados em lei, e em que tive de ensinar funcionárias administrativas a lidar com os meandros dos decretos, dos contratos, das contagens de tempo de serviço. Oh, meu Deus! A mim pagam-me para ensinar alunos, não para ensinar pessoas a fazer o trabalho delas.
Mais uma resmunguice, mais um bate-pé de final de contrato e ainda saí de lá com o que queria (mais uma vez - a teimosia faz milagres!).
Deixo para trás uma escola a que me habituei, mas em relação à qual não consigo articular verbos com algum rasgo de afectividade. Fez-se, acabou-se, está despachada!
Como em tudo, há sempre as coisas boas, que mesmo sendo pequeninas não perdem a sua preciosidade. Hoje despedi-me da D. Maria das fotocópias, da D. Carla do bloco B (Quiiiiiinze!!!!, gritava ela à entrada do pavilhão para mandar entrar os alunos para a minha sala - B15). Deixaram-me a lágrima no olho, mas quão estranho, no entanto para mim óbvio, ser eu a desejar-lhes felicidades e um futuro prometedor.
Parece estranho, e para mim continua a ser óbvio, que uma professora que acaba um contrato, sai para o desemprego, não tem perspectivas nenhumas de trabalho, nem sequer uma candidatura pendente, esteja a distribuir por todos os que têm a vida de trabalho assegurada, desejos de boa sorte e felicidades.
Vá-se lá saber, saí de lá com aquele sorriso nos lábios... aquele sorriso estúpido que escarrapachamos na cara cada vez que nos acontece uma coisa boa e não conseguimos disfarçar.
Hoje estou a sorrir e sei que o próximo contrato que está à minha espera pode até ser um verdadeiro inferno, mas hoje estou a sorrir e hoje só me preocupo em tornar esse sorriso sincero.
Apagam-se as luzes, fecha-se a cortina. Faz-se o caminho em direcção a casa pela última vez. Não se guardam saudades de um tempo, de um sítio. Apenas experiências, pessoas e alunos. Vivências pontuais, que eu faço questão de exaltar para não se perderem nos enredos daquela escola.
Hoje estou feliz! Não me canso de o dizer.
Não tenho aulas para preparar, e tenho um sol lindo a especar para mim. As flores desabrocham nas árvores e eu sinto que tudo é um sinal de festejo por este dia.
Amanhã é outro dia, novas obrigações, deveres, horários a cumprir.
Mas hoje... deixem-me continuar a sonhar que o desemprego é ser feliz!
Acabei o meu contrato e a infindável telenovela "Tirem-me deste filme!".
Tragédias, comédias, dramas (sim, dramas que eu apanhei tudo, desde colegas a funcionárias, até as senhoras da Secretaria lavadas em lágrimas!). Que cena!
Estranha esta escola em que tudo não corria como era esperado, em que tive de esgravatar pelos meus direitos consagrados em lei, e em que tive de ensinar funcionárias administrativas a lidar com os meandros dos decretos, dos contratos, das contagens de tempo de serviço. Oh, meu Deus! A mim pagam-me para ensinar alunos, não para ensinar pessoas a fazer o trabalho delas.
Mais uma resmunguice, mais um bate-pé de final de contrato e ainda saí de lá com o que queria (mais uma vez - a teimosia faz milagres!).
Deixo para trás uma escola a que me habituei, mas em relação à qual não consigo articular verbos com algum rasgo de afectividade. Fez-se, acabou-se, está despachada!
Como em tudo, há sempre as coisas boas, que mesmo sendo pequeninas não perdem a sua preciosidade. Hoje despedi-me da D. Maria das fotocópias, da D. Carla do bloco B (Quiiiiiinze!!!!, gritava ela à entrada do pavilhão para mandar entrar os alunos para a minha sala - B15). Deixaram-me a lágrima no olho, mas quão estranho, no entanto para mim óbvio, ser eu a desejar-lhes felicidades e um futuro prometedor.
Parece estranho, e para mim continua a ser óbvio, que uma professora que acaba um contrato, sai para o desemprego, não tem perspectivas nenhumas de trabalho, nem sequer uma candidatura pendente, esteja a distribuir por todos os que têm a vida de trabalho assegurada, desejos de boa sorte e felicidades.
Vá-se lá saber, saí de lá com aquele sorriso nos lábios... aquele sorriso estúpido que escarrapachamos na cara cada vez que nos acontece uma coisa boa e não conseguimos disfarçar.
Hoje estou a sorrir e sei que o próximo contrato que está à minha espera pode até ser um verdadeiro inferno, mas hoje estou a sorrir e hoje só me preocupo em tornar esse sorriso sincero.
Apagam-se as luzes, fecha-se a cortina. Faz-se o caminho em direcção a casa pela última vez. Não se guardam saudades de um tempo, de um sítio. Apenas experiências, pessoas e alunos. Vivências pontuais, que eu faço questão de exaltar para não se perderem nos enredos daquela escola.
Hoje estou feliz! Não me canso de o dizer.
Não tenho aulas para preparar, e tenho um sol lindo a especar para mim. As flores desabrocham nas árvores e eu sinto que tudo é um sinal de festejo por este dia.
Amanhã é outro dia, novas obrigações, deveres, horários a cumprir.
Mas hoje... deixem-me continuar a sonhar que o desemprego é ser feliz!
09 fevereiro 2009
Yellow Brick Road ou Revolutionary Road?
Não me falta a mim que dizer.
Não me falta assunto, tema ou histórias para contar.
Tenho tido tempo, mas aquele que me sobra aproveito-o para parar, ou para fazer o jantar.
E como tenho precisado destas linhas para me escrever, para me acertar...
Não se escreve em cinco minutos de tempo livre, nem em 10, nem em meia hora, se a nossa disposição não está para aí virada, se não estou concentrada. Tenho de mergulhar em mim, ver o que sinto, como estou, o que quero, e nem sempre isso é possível, agradável ou pertinente.
Nos últimos dias ando a proibir-me de ter uma depressão sazonal. As gajas são muito atreitas a isso e a compras de compensação. Algo acontece e logo as lágrimas descem pela minha cara como os miudos nos escorregas, felizes, contentes, entusiasmados. E eu triste, desalentada.
...Como se diz isto sem soar mal?...
Vou terminar o contrato na próxima sexta-feira-treze.
Auspicioso, hã? Terminar com tudo num dia de azar só pode mesmo dar sorte, não é verdade?
Nem penso no futuro, nem quero pensar que vou mais uma vez para o Centro de Emprego fazer o pedido de retoma do subsídio, com todos os outros que lá estão por necessidade, conveniência ou simplesmente para mamar na grande teta do Estado. Sinto-me mal por ver mães desempregadas com filhos no colo, homens maduros a quem ninguém dá emprego, pessoas cansadas, demasiado ou o suficiente para terem deixado de tentar ser alguém na vida.
Lá vai o tempo em que me aperaltava para este dia, nos meus saltos altos, na minha roupa no mínimo luxuosa para todo aquele enquadramento, e até na leitura que levava para ocupar o tempo de espera. Na mellhor da hipóteses, era sempre trabalho, qualquer livro com cheiro a filosofia ou metodologias de investigação.
Acabei por perceber que isto era uma afronta. Eu percebi isto, sem saber se "isto" realmente lá está para eu perceber. Não me sentia enquadrada e isso deixava-me desconfortável, mais do que aos outros desempregados que partilhavam a mesma triste sina comigo.
Agora vou ao Centro de Desemprego assim "pró-tronguita". Pelo menos dá para não me sentir uma privilegiada, que acreditem ou não é para mim uma sensação horrível, digna da mais plena auto-comiseração.
O contrato ainda não acabou, tenho a última semana pela frente. Aguentar firme são as palavras de ordem. Esta escola criou em mim muitos desagrados, mas aqui se firma mais um vez a capacidade inata e inaleinável que o ser humano tem de se afeiçoar ao outro. Nem nesta escola, que tanto me contrariava nos primeiros tempos, eu vou conseguir sair como se nada fosse. Arrisco-me a dizer que ninguém consegue.
Já avisei os miúdos que a outra professora vai regressar e como me doeu a carinha deles: "A stora vai deixar de nos dar Área de Projecto, mas EVT não, pois não?" Os alunos não compreendem porque me vou embora e perguntam porque não posso ficar a dar aulas com a outra professora. No fundo, um eu muito infantil que guardo dentro de mim, faz as mesmas perguntas e resmunga da mesma maneira. Mas isto é assim, e mesmo que pense muito, muito, muito, não pode de facto ser de outra forma.
A única coisa que me dói é sentir nos alunos a mesma desorientação que eu sinto e, contra tudo o que me apetece fazer, aguentar firme. Explicar-lhes seremanente, a eles e ao meu esperneante inconsciente, que tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.
Foi o destino que me pôs e vai tirar dali. Se me afeiçoei aos putos, pior para mim.
Tenho saudades deles e ainda nem me fui embora...
Da minha boca saem construções frásicas próprias de um moribundo no leito da morte: "Já cá não estarei para ver, mas prometam-me que vão saber de cor os pares de cores complementares, as cores frias e as cores quentes."
Talvez tudo isto chegasse para me pôr deprimida, sem que a falta de sol de há uns meses tivesse alguma culpa nisso, mas este ano não me tenho permitido a esse luxo. Não me tenho permitido ir abaixo. Não me tenho permitido ficar ansiosa ou preocupada e a minha determinação é tal (graças aos valiosos ensinamentos da experiência e da tentativa-erro) que já nem estou a tomar comprimidos. Isto por si só, é uma grande vitória. Mesmo que momentânea, não deixo de a saborear como um prato requintado de iguarias raras.
Há uma serenidade em mim, uma aceitação, que não deve ser confundida com um baixar dos braços. Esta calma que me invade nasce de uma compreensão da vida para além das suas miudezas. Uma visão que transcende o casar e ter filhos, a sala de estar com sala de jantar, ou os pais sentados na mesa dos noivos. No fundo, os rituais e costumes que nos foram ensinados. Atravesso uma fase em que aquilo que eu quero para mim, choca inevitavelmente com aquilo que esperam de mim, e ainda assim, eu continuo a pensar pela minha própria cabeça e a seguir as minhas próprias ideias.
Ontem vi o Revolutionary Road e a moral da história é que quem pensa pela sua própria cabeça acabar a morrer no fim. Argumento desmoralizante mas, no fundo, realista.
A sociedade deposita em nós a fé de seguirmos sempre pelo caminho certo, que mais não é do que o previamente estabelecido. Porque o caminho pré-estabelecido encerra em si tantos desgostos e desilusões, prefiro procurar atalhos, mesmo que nunca mais regresse ao caminho ou venha a encontrar o meu destino.
Não me apoquento em procurar o destino.
Na próxima sexta-feira, 13, tenho um encontro marcado com ele.
P.S. - Um beijinho para a Maria que faz anos no "meu mês das depressões". Nunca mais me lembrei disto, sem articular um sorriso. :)
Mais um P.S. - Um beijinho para a Susana, a melhor coisa que me aconteceu nesta escola. Foi-me concedido o privilégio de com ela partilhar aulas, conversas, cusquices, risotas, compras e almoços. Tudo isto guardo comigo como um bem inestimável. E Susana: eu adoro aquela máquina de secar as mãos, mas tu foste de longe o verdadeiro ex-libris daquela escola!! :)
Não me falta assunto, tema ou histórias para contar.
Tenho tido tempo, mas aquele que me sobra aproveito-o para parar, ou para fazer o jantar.
E como tenho precisado destas linhas para me escrever, para me acertar...
Não se escreve em cinco minutos de tempo livre, nem em 10, nem em meia hora, se a nossa disposição não está para aí virada, se não estou concentrada. Tenho de mergulhar em mim, ver o que sinto, como estou, o que quero, e nem sempre isso é possível, agradável ou pertinente.
Nos últimos dias ando a proibir-me de ter uma depressão sazonal. As gajas são muito atreitas a isso e a compras de compensação. Algo acontece e logo as lágrimas descem pela minha cara como os miudos nos escorregas, felizes, contentes, entusiasmados. E eu triste, desalentada.
...Como se diz isto sem soar mal?...
Vou terminar o contrato na próxima sexta-feira-treze.
Auspicioso, hã? Terminar com tudo num dia de azar só pode mesmo dar sorte, não é verdade?
Nem penso no futuro, nem quero pensar que vou mais uma vez para o Centro de Emprego fazer o pedido de retoma do subsídio, com todos os outros que lá estão por necessidade, conveniência ou simplesmente para mamar na grande teta do Estado. Sinto-me mal por ver mães desempregadas com filhos no colo, homens maduros a quem ninguém dá emprego, pessoas cansadas, demasiado ou o suficiente para terem deixado de tentar ser alguém na vida.
Lá vai o tempo em que me aperaltava para este dia, nos meus saltos altos, na minha roupa no mínimo luxuosa para todo aquele enquadramento, e até na leitura que levava para ocupar o tempo de espera. Na mellhor da hipóteses, era sempre trabalho, qualquer livro com cheiro a filosofia ou metodologias de investigação.
Acabei por perceber que isto era uma afronta. Eu percebi isto, sem saber se "isto" realmente lá está para eu perceber. Não me sentia enquadrada e isso deixava-me desconfortável, mais do que aos outros desempregados que partilhavam a mesma triste sina comigo.
Agora vou ao Centro de Desemprego assim "pró-tronguita". Pelo menos dá para não me sentir uma privilegiada, que acreditem ou não é para mim uma sensação horrível, digna da mais plena auto-comiseração.
O contrato ainda não acabou, tenho a última semana pela frente. Aguentar firme são as palavras de ordem. Esta escola criou em mim muitos desagrados, mas aqui se firma mais um vez a capacidade inata e inaleinável que o ser humano tem de se afeiçoar ao outro. Nem nesta escola, que tanto me contrariava nos primeiros tempos, eu vou conseguir sair como se nada fosse. Arrisco-me a dizer que ninguém consegue.
Já avisei os miúdos que a outra professora vai regressar e como me doeu a carinha deles: "A stora vai deixar de nos dar Área de Projecto, mas EVT não, pois não?" Os alunos não compreendem porque me vou embora e perguntam porque não posso ficar a dar aulas com a outra professora. No fundo, um eu muito infantil que guardo dentro de mim, faz as mesmas perguntas e resmunga da mesma maneira. Mas isto é assim, e mesmo que pense muito, muito, muito, não pode de facto ser de outra forma.
A única coisa que me dói é sentir nos alunos a mesma desorientação que eu sinto e, contra tudo o que me apetece fazer, aguentar firme. Explicar-lhes seremanente, a eles e ao meu esperneante inconsciente, que tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.
Foi o destino que me pôs e vai tirar dali. Se me afeiçoei aos putos, pior para mim.
Tenho saudades deles e ainda nem me fui embora...
Da minha boca saem construções frásicas próprias de um moribundo no leito da morte: "Já cá não estarei para ver, mas prometam-me que vão saber de cor os pares de cores complementares, as cores frias e as cores quentes."
Talvez tudo isto chegasse para me pôr deprimida, sem que a falta de sol de há uns meses tivesse alguma culpa nisso, mas este ano não me tenho permitido a esse luxo. Não me tenho permitido ir abaixo. Não me tenho permitido ficar ansiosa ou preocupada e a minha determinação é tal (graças aos valiosos ensinamentos da experiência e da tentativa-erro) que já nem estou a tomar comprimidos. Isto por si só, é uma grande vitória. Mesmo que momentânea, não deixo de a saborear como um prato requintado de iguarias raras.
Há uma serenidade em mim, uma aceitação, que não deve ser confundida com um baixar dos braços. Esta calma que me invade nasce de uma compreensão da vida para além das suas miudezas. Uma visão que transcende o casar e ter filhos, a sala de estar com sala de jantar, ou os pais sentados na mesa dos noivos. No fundo, os rituais e costumes que nos foram ensinados. Atravesso uma fase em que aquilo que eu quero para mim, choca inevitavelmente com aquilo que esperam de mim, e ainda assim, eu continuo a pensar pela minha própria cabeça e a seguir as minhas próprias ideias.
Ontem vi o Revolutionary Road e a moral da história é que quem pensa pela sua própria cabeça acabar a morrer no fim. Argumento desmoralizante mas, no fundo, realista.
A sociedade deposita em nós a fé de seguirmos sempre pelo caminho certo, que mais não é do que o previamente estabelecido. Porque o caminho pré-estabelecido encerra em si tantos desgostos e desilusões, prefiro procurar atalhos, mesmo que nunca mais regresse ao caminho ou venha a encontrar o meu destino.
Não me apoquento em procurar o destino.
Na próxima sexta-feira, 13, tenho um encontro marcado com ele.
P.S. - Um beijinho para a Maria que faz anos no "meu mês das depressões". Nunca mais me lembrei disto, sem articular um sorriso. :)
Mais um P.S. - Um beijinho para a Susana, a melhor coisa que me aconteceu nesta escola. Foi-me concedido o privilégio de com ela partilhar aulas, conversas, cusquices, risotas, compras e almoços. Tudo isto guardo comigo como um bem inestimável. E Susana: eu adoro aquela máquina de secar as mãos, mas tu foste de longe o verdadeiro ex-libris daquela escola!! :)
11 janeiro 2009
A história da menina que queria trabalhar
Começou um novo ano. Uma nova esperança. Mais uma vida para gastar neste jogo de "game over"s seguidos.
Surpreendeu-me uma menina de dez anos, minha aluna, pela forma como se dispôs a superar as dificuldades do passado. No último dia de aulas havia-me dito no início da aula:
"- Professora, hoje venho cheia de vontade para trabalhar!"
Para um professor isto é, obviamente, música para os ouvidos. Mas no dia da avaliação, esta música torna-se descompassada, fora do tempo.
"- Hoje?? - disse eu. - O que eu queria é que dissesses isso no início do próximo período".
A menina foi de férias, e eu também.
Esquecem-se por 15 dias os nomes dos alunos, os números, as turmas, as tragédias, o horário lectivo, as responsabilidades, os afazeres.
E em Janeiro, depois das passas, do champanhe e do prometido novo começo, volta-se à carga com as baterias recarregadas.
No primeiro dia de aulas, pega-se no livro de ponto, na chave da sala, atravessa-se o pátio da escola até ao bloco, faz-se um aceno e deseja-se um bom ano à D. Carla (a funcionária mais super-hiper-mega querida! Um dos ex-libris da escola!), mete-se a chave a porta, pousam-se as coisas na mesa e, de repente, dois olhos azuis estão especados à nossa frente, com um sorriso orgulhoso:
"- Professora, hoje venho cheia de vontade para trabalhar!"
Com esta menina, tenho aprendido/consolidado a ideia de que as grandes realizações dependem tão somente da nossa determinação. Ela tem estado a vencer os obstáculos dela, porque olha a vida de modo diferente e, por isso mesmo, a vida torna-se-lhe diferente.
Porque é Ano Novo e porque faz parte fazer projectos e planos, eu tenho para vocês o único desejo de que beneficiem da mesma determinação desta menina.
Façam tudo como se fosse de propósito, até os erros, porque para o ano que vem voltamos a ter uma nova tentativa, uma vida novinha em folha para estrear e remendar tudo o que não ficou exactamente bem.
Determinação, meus caros amigos.
Tudo o resto surgirá, a seu tempo, como por magia.
Surpreendeu-me uma menina de dez anos, minha aluna, pela forma como se dispôs a superar as dificuldades do passado. No último dia de aulas havia-me dito no início da aula:
"- Professora, hoje venho cheia de vontade para trabalhar!"
Para um professor isto é, obviamente, música para os ouvidos. Mas no dia da avaliação, esta música torna-se descompassada, fora do tempo.
"- Hoje?? - disse eu. - O que eu queria é que dissesses isso no início do próximo período".
A menina foi de férias, e eu também.
Esquecem-se por 15 dias os nomes dos alunos, os números, as turmas, as tragédias, o horário lectivo, as responsabilidades, os afazeres.
E em Janeiro, depois das passas, do champanhe e do prometido novo começo, volta-se à carga com as baterias recarregadas.
No primeiro dia de aulas, pega-se no livro de ponto, na chave da sala, atravessa-se o pátio da escola até ao bloco, faz-se um aceno e deseja-se um bom ano à D. Carla (a funcionária mais super-hiper-mega querida! Um dos ex-libris da escola!), mete-se a chave a porta, pousam-se as coisas na mesa e, de repente, dois olhos azuis estão especados à nossa frente, com um sorriso orgulhoso:
"- Professora, hoje venho cheia de vontade para trabalhar!"
Com esta menina, tenho aprendido/consolidado a ideia de que as grandes realizações dependem tão somente da nossa determinação. Ela tem estado a vencer os obstáculos dela, porque olha a vida de modo diferente e, por isso mesmo, a vida torna-se-lhe diferente.
Porque é Ano Novo e porque faz parte fazer projectos e planos, eu tenho para vocês o único desejo de que beneficiem da mesma determinação desta menina.
Façam tudo como se fosse de propósito, até os erros, porque para o ano que vem voltamos a ter uma nova tentativa, uma vida novinha em folha para estrear e remendar tudo o que não ficou exactamente bem.
Determinação, meus caros amigos.
Tudo o resto surgirá, a seu tempo, como por magia.